Capítulo VII
A dignidade do Santo Sacrifício resulta claramente das cerimônias, das orações, dos paramentos, das menores circunstâncias da sua celebração. Todavia nada demonstra com tanta evidência a suprema excelência e eficácia deste grande Sacrifício, como a pessoa do Sacrificador. O padre? O bispo? O Papa? Um Anjo? Maria Santíssima, a Rainha dos Anjos? Não, não. O Sacrificador, no tremendo sacrifício do Altar, é o Sacerdote dos sacerdotes, o Bispo dos bispos, o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, a Quem o Eterno Pai fez Sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque.
Não é só a Vítima é também o Sacerdote.
Sim! É Ele que dá à Missa o seu valor incomparável. É Ele que eleva o Sacrifício cristão à categoria de obra divina.
«Os sacerdotes — diz São João Crisóstomo — são servos, mas servos admitidos a fazer o que os próprios anjos do Céu não podem fazer»
Por isso a seráfica Santa Catarina de Sena dizia que desejava beijar os passos dos sacerdotes e Santa Tereza de Jesus declarava que, se visse um sacerdote e um anjo, saudaria primeiro o sacerdote e depois o anjo.
«Mas quem santifica e transubstancia a oferenda — continua São João Crisóstomo — é Jesus Cristo. Na última Ceia, Ele consagrou o pão e o vinho e continuou agora a operar o mesmo milagre. Por isso, ó cristão, quando vês o sacerdote consagrar, recorda-te que é a mão invisível de Deus e não a dele que consuma o Sacrifício»
São bem claras e positivas estas palavras do Santo Doutor. Elas nos afirmam categoricamente que é Jesus Cristo que cumpre pessoalmente as partes essenciais do Santo Sacrifício, que desce do Céu para mudar o pão e o vinho no seu Corpo e no Seu Sangue, que a Si próprio Se oferece a Deus pela salvação do mundo, e, como fiel mediador, intercede pela redenção do povo, servindo-Se da voz, das mãos e da pessoa dos sacerdotes para consumar o divino Sacrifício.
As palavras da consagração são estupendas:
«Este é o meu Corpo. Este é o Cálice do meu Sangue»
O sacerdote é sem dúvida elevado a uma sublime dignidade. A ele podemos aplicar as palavras que o Arcanjo São Gabriel dirigiu à própria Mãe de Deus:
«O Espirito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra»
Tremendo poder este, que não só vem sobre ele uma vez, mas habita nele perpetuamente em todos os minutos da sua vida! Já seria muito se o Sacerdote pudesse fazer a consagração com uma simples oração, por exemplo:
«Transformai, Senhor, eu vo-lo peço, este pão no Vosso Corpo adorável; este vinho no Vosso Sangue preciosíssimo»
Ele vai muito mais longe, quando diz estas terminantes e definitivas palavras:
«Este é o meu Corpo; este é o meu Sangue»
Apesar de tudo, porém, o sacerdote é apenas um intermediário, um instrumento; o verdadeiro Sacrificador, em cada Missa, é o próprio Filho de Deus.
Ao testemunho do grande Doutor São João Crisóstomo, juntaremos o da própria Igreja. Eis o que define o Concílio de Trento:
«Como no divino Sacrifício consumado na Santa Missa o próprio Cristo, que Se ofereceu a Si mesmo uma vez e de uma maneira cruenta sobre a cruz, é presente e imolado de uma maneira incruenta, o santo Concílio ensina que o Sacrifício é verdadeiramente propiciatório, porque o Senhor concede a graça, o dom da penitência, o perdão dos pecados e dos crimes, por grandes que sejam, apaziguado por este Sacrifício em que é imolada a mesma Vítima, que foi imolada sobre o Calvário e em que Se oferece, pelo ministério dos sacerdotes aquele mesmo que se ofereceu um dia sobre a Cruz»
É, pois, bem claro e formal que, segundo a Igreja, mestra da verdade, nos ensina: os sacerdotes não são mais que servos e intermediários de Cristo e que Nosso Senhor Se oferece a Si mesmo sobre o altar, tão real e eficazmente como Se ofereceu sobre a árvore sangrenta da Cruz.
Esta graça de incalculável valor, este ato supremo pelo qual Jesus Se constitui nosso mediador e sacerdote são bem explicitamente afirmados por São Paulo:
«Convinha —diz o Apostolo das Gentes—que tivéssemos um Pontífice santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e mais elevado que os Céus. A lei não estabelecia sacerdotes senão a homens enfermos, mas a palavra de Deus, confirmada pelo juramento, estabeleceu Pontífice para sempre o Seu Filho que é perfeito»
Mostra-nos o grande Apóstolo por estas consoladoras palavras, quanto Deus nos estima, pois nos deu como mediador e sacerdote, não um homem frágil e pecador, mas o Seu próprio Filho Unigênito.
Jesus não confiou este sublime Sacrifício a mãos humanas, porque ele devia ser de uma pureza absoluta, como diz o profeta Malaquias:
«Em todo o lugar se sacrifica e se oferece ao meu Nome, uma oblação pura»
Por isso a Igreja proclama ainda no Concílio de Trento, que o Santo Sacrifício «não pode ser manchado por nenhuma indignidade, nem nenhuma malícia dos que o oferecem».
Ora se os sacerdotes fossem os verdadeiros sacrificadores, a Missa teria sido muitas vezes profanada; pois infelizmente tem havido maus sacerdotes e o nosso espírito poderia conceber dúvidas cruéis sobre o modo como Deus receberia um sacrifício oferecido por mãos impuras. Por isso quis Deus que o Seu próprio Filho fosse o Sacerdote, o Sacrificador deste grande Sacrifício:
«Tu és Sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque»
Desta maneira nós podemos ter a segura e consoladora certeza de oferecermos a Deus em cada Missa um grande e sublime Sacrifício, de pureza infinita, de infinita eficácia. A indignidade do padre em nada diminui o valor deste grande Sacrifício.
Mas porque não fez Nosso Senhor ministros deste Sacrifício augusto aos Anjos, aos Santos, à Sua Santíssima Mãe, seres puríssimos e cheios de graças, que sem dúvida se desempenhariam do seu ministério sublime com muito mais perfeição que o homem fraco e propenso à queda? Imaginemos a devoção e a perfeição de uma Missa celebrada por São Pedro, por São Paulo ou por algum abrasado Querubim ou Serafim! Imaginemos que a Santíssima Virgem em pessoa vinha oferecer o Seu divino Filho sobre o altar! Nossa Senhora disse um dia a Santa Mathilde:
«Eu ofereci o meu Filho, no dia da Purificação com tanta piedade e tanto reconhecimento, que a devoção de todos os Santos não igualaria a minha»
Ora se Maria tinha estes sentimentos quando ainda era mortal, que seria agora, que se acha integrada na glória e perfeição de Deus.
Todavia esta oblação inefável ficaria ainda muito abaixo da santidade infinita de Deus. A única oferenda digna de Deus deve ser proporcionada à Majestade soberana. Por isso este ministério formidável e augustíssimo não foi confiado à Santíssima Virgem, nem a nenhum Anjo, nem a nenhum Santo, mas sim a Jesus Cristo, único sacerdote verdadeiramente digno dele.
A Missa tem, pois, um infinito valor e é oferecida visivelmente com uma devoção e uma reverência que excedem o entendimento dos Anjos e dos homens. É o que Nosso Senhor revelou à Sua grande serva Santa Mathilde, por estas palavras:
«Só eu é que compreendo perfeitamente como Me imolo todos os dias sobre o altar para salvação dos fiéis, o que nem os Querubins nem nenhuma outra potência celeste podem compreender»
Vemos, pois, quanto é necessário e eficaz para a nossa alma ouvir devotamente o Santo Sacrifício. Ali Nosso Senhor oferece-Se a Si mesmo por nós, fazendo-Se mediador entre a nossa fraqueza e a Justiça divina e sustendo os castigos que os nossos pecados constantemente provocam. Esta verdade bem compreendida aumentará a nossa devoção e nunca mais perderemos oportunidade nenhuma de assistir ao Sacrifício do altar.
A missa de Einsiedeln
A famosa abadia beneditina de Einsiedeln, situada num vale pitoresco da pitoresca Suíssa, foi, no princípio da sua existência, testemunha de um espantoso milagre.
Havia oitenta anos que São Meinrado tinha morrido. Um piedoso eremita, que perpetuava no ermo as virtudes de Meinrado, e se chamava Eberhad, de família principesca, foi pedir a Conrado, bispo de Constância, que consagrasse a capela do Santo. Ora aconteceu que na noite que devia proceder à consagração quis Conrado ir à Igreja rezar. Mas ao aproximar-se do sagrado edifício, repara, surpreendido, que das janelas sai um feixe de raios de viva luz. Abeirou-se ainda mais, profundamente admirado, e ouviu coros de uma melodia celeste, que cantavam as antifonas da consagração. Entrando, viu um grande número de Anjos, em vestes resplandecentes, cercando Nosso Senhor, que, paramentado das vestes pontificais, desempenhava as funções de oficiante. O assombro imobilizou o bispo, mas não impediu que visse tudo atentamente. Jesus empregava as palavras e os ritos prescritos pelo ritual, nestas circunstâncias. Os quatro evangelistas, assistiam-Lhe constantemente tirando-Lhe e pondo-Lhe a mitra. Os anjos colocados em circulo, em volta do altar, incensavam com turíbulos de ouro. Junto do Salvador estava São Pedro, com a Cruz. Ao seu lado, via-se São Jorge, com o hissope. Santo Agostinho e Santo Ambrósio, serviam de prelados assistentes. Santo Estevão tinha a ambula, com o santo crisma; São Lourenço a dos santos óleos. São Miguel desempenhava as funções de mestre de capela e os Anjos cantavam os versículos, os responsos e os Salmos. A Mãe de Deus, a quem era dedicado o altar e a capela, aparecia mais brilhante, que o Sol e mais resplandecente que o relâmpago.
Terminada a consagração, Nosso Senhor tomou uma casula, subiu ao altar e começou a Missa solene. Santo Estevão cantou a Epístola, São Lourenço o Evangelho e os Anjos faziam ouvir cânticos suavíssimos. Ao chegar ao Sanctus, cantaram este hino:
«Santo, santo é o Senhor. Deus santo, tende piedade de nós nesta Igreja consagrada à Virgem. O Céu e a terra são cheios do Vosso esplendor. Hosana! Glorificado seja o Filho de Maria, cujo reino é eterno e que veio em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos Céus! Cordeiro de Deus, que tomais sobre Vós os pecados do mundo, tende piedade dos vivos, que crêem em Vós! Cordeiro de Deus, que tomais sobre Vós os pecados do mundo, tende piedade dos mortos e dai-lhes o repouso! Cordeiro de Deus, que lavais os pecados do mundo, concedei, no Vosso reino bem-aventurado, a paz aos vivos e aos mortos»
Ao Dominus vobiscum, respondiam:
«Que está sentado acima dos Querubins e mergulha o seu olhar no abismo»
Terminada a Missa, a côrte celeste desapareceu, ficando São Conrado só, na Igreja imersa na penumbra, cheio de reconhecimento e consolação. Sobre a cinza que cobria o solo da capela consagrada descobriu os vestígios dos pés de Nosso Senhor e viu na parede os sinais das unções. Na manhã seguinte, foram dizer-lhe para proceder à consagração da capela.
«Não posso fazê-lo — respondeu o Santo — porque já o Céu o fez»
Apesar das suas afirmações, quiseram obriga-lo à cerimônia. Então ouviu-se uma voz do Céu, percebida por todos, dizer:
«Detém-te, meu irmão. O mesmo Deus consagrou esta capela»
Os assistentes, maravilhados, prostraram-se por terra e São Conrado fez de tudo um relato fiel, que enviou a Roma.
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 47-52)