Resumo histórico.
No começo, a festa da Purificação foi celebrada mais como festividade de Nosso Senhor. Na lista gelasiana encontramo-la, pela primeira vez, com o nome de Purificação da Bem-aventurada Virgem Maria. No Oriente deram-lhe o nome de Encontro do Senhor com Simeão. Dela há menção no relatório da peregrina Sílvia (fim do século IV), que descreve sua celebração em Jerusalém. Por ocasião de uma terrível peste em 542, elevou-a o imperador Justiniano I à categoria de feriado nacional para o império bizantino. Pelos anos de 560 Roma também a festejava. O Papa Sérgio I (687-701) prescreveu uma procissão para esse dia, como para as demais festas de Nossa Senhora (Nota do tradutor).
Grandeza do sacrifício de Maria oferecendo a Deus neste dia a vida de seu Filho
A Lei Antiga continha dois preceitos relativos ao nascimento dos filhos primogênitos. O primeiro prescrevia que a mãe estivesse como imunda, retirada em casa por quarenta dias, findos os quais devia ir ao templo purificar-se (Lv 12). Mandava o segundo que os pais do menino o levassem ao templo e ali o oferecessem a Deus. A um e outro preceito quis obedecer a Santíssima Virgem neste dia. É verdade, como virgem pura que era e ficara, não estava sujeita à lei da purificação. Entretanto, por amor à obediência, quis ir, como as outras mães, purificar-se. Obedeceu, pois, ao segundo preceito de apresentar e oferecer o Filho ao Eterno Pai.
“E tendo-se preenchido os dias da purificação de Maria segundo a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor” (Lc 2,22).
Mas a Virgem o ofereceu de um modo diferente do das outras mães. Essas ofereciam os filhos, mas sabiam que esta oblação era uma simples cerimônia da lei, de modo que por meio do resgate os tornavam seus, sem receio de tê-los de oferecer à morte. Maria, pelo contrário, ofereceu o Filho à morte realmente. Estava certa de que o sacrifício que então fazia da vida de Jesus, tinha de se consumar no altar da cruz. Ora, amando vivamente seu Filho, sacrificou a si própria a Deus, ao oferecer-lhe a vida de Jesus.
Omitindo todas as outras considerações sobre os mistérios desta festividade, consideremos quanto foi grande o sacrifício que fez Maria de si mesma a Deus, na oferta da vida de seu Filho. Seja este o assunto do nosso sermão.
Maria deu hoje solene consentimento para a morte de seu Filho
Havia já o Eterno Pai determinado salvar o homem perdido pela culpa, e livrá-lo da morte eterna. Mas exigia, ao mesmo tempo, não fosse frustrada à sua justiça a digna satisfação que lhe tocava. Resolveu por isso não poupar a vida de seu próprio Filho, feito homem para remir a humanidade, e quis sofresse ele em todo rigor a pena por ela merecida.
“Não perdoou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos” (Rm 8,32).
Mandou-o, portanto, à terra a fazer-se homem, destinou-lhe a Mãe, a qual quis que fosse a Virgem Maria. Mas como fez a Encarnação do Verbo Divino depender do consentimento de Maria, também dele fez questão para que Jesus se sacrificasse pela salvação dos homens. Juntamente com a vida do Filho tinha de ser sacrificado o coração da Mãe. Conforme Santo Tomás, o título de mãe dá um direito especial sobre os filhos. Ora, sendo Jesus por si mesmo inocente, e não merecendo suplício algum por culpa própria, parecia conveniente que não fosse destinado à cruz, para vítima dos pecados do mundo, sem consentimento da Mãe, que espontaneamente o oferecesse à morte.
Maria, sem dúvida, já havia consentido na morte de Jesus, desde que se lhe tornou Mãe. Isso não obstante, quis o Senhor que neste dia ela fizesse no templo um solene sacrifício de si mesma, ofertando-lhe solenemente o Filho e sacrificando à divina justiça a sua vida preciosa. Por isso Maria é chamada sacerdotisa, numa homilia que se atribui a São Epifânio. Ora, aqui passemos a ver quanta dor lhe custou este seu sacrifício, e quanto foi heroica a virtude que teve de exercer, subscrevendo ela mesma a sentença da condenação do seu caro Jesus à morte.
Eis que Maria já se encaminha para Jerusalém a oferecer o Filho. Apressa os passos para o lugar do sacrifício, levando em seus braços a vítima tão amada. Entra no templo, aproxima-se do altar, e ali, toda cheia de modéstia, humildade e devoção, apresenta seu Filho ao Altíssimo. Eis que, entretanto, se aproxima Simeão, que de Deus recebera a promessa de não morrer sem antes ter visto o Messias esperado. Toma o Divino Menino das mãos da Virgem, e, iluminado pelo Espírito Santo, anuncia-lhe quanto devia custar-lhe o sacrifício, que então fazia de seu Filho, com o qual há também de ser sacrificada a sua alma bendita. Aqui contempla São Tomás de Vilanova o santo ancião, que, à vista do dever de anunciar à pobre a funesta nova, se perturba e não se atreve a falar. Depois Maria lhe pergunta: Por que, ó Simeão, num momento de tanta consolação vossa, assim vos perturbais? Ao que ele responde: Ó nobre e santa Virgem, não quereria anunciar-vos nova tão dolorosa; mas já que assim quer o Senhor, para maior merecimento vosso, ouvi o que vos digo: Este menino, que agora vos enche de tanta alegria, e com razão, ó Deus! um dia vos há de causar a dor mais acerba, que jamais criatura alguma experimentou no mundo. E será quando o virdes perseguido por toda casta de gente, e posto na terra como alvo dos escárnios e dos tormentos dos homens, até ao ponto de o fazerem morrer justiçado diante dos vossos olhos. Sabei que, depois de sua morte, haverá muitos mártires, que por amor deste vosso Filho serão atormentados e mortos. Mas, se o martírio deles for no corpo, o martírio vosso, ó divina Mãe, será no coração.
Sofrimento de Maria após o seu consentimento na morte do Filho
Sim, Maria sofreu o martírio no coração, porque somente a compaixão com os sofrimentos de seu amado Filho era a espada de dor, que havia de transpassar-lhe o coração de Mãe, conforme a profecia de Simeão.
“E uma espada transpassará até a tua alma” (Lc 2,35).
Já a Santíssima Virgem sabia pelas divinas Escrituras as penas que devia padecer o Redentor em toda a sua vida, e muito mais no tempo de sua morte. Compreendia bem os profetas, que anunciavam que ele devia ser atraiçoado por um seu familiar.
“Até o homem de minha estima, que comia o meu pão, urdiu grande traição contra mim” (Sl 40,10).
Bem sabia dos desprezos, escarros, das bofetadas e zombarias que devia sofrer.
“Aos que me feriram, entreguei o meu corpo, e as minhas faces aos que me arrancavam os cabelos da barba” (Is 50,6).
Estava ciente de que ele havia de se tornar o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe mais vil, a ponto de ser saturado de injúrias e vilanias:
“Eu sou um verme e não um homem; o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe” (Sl 21,7).
Sabia que no fim da vida as suas carnes sacrossantas deviam ser todas laceradas e rotas pelos açoites, de modo a ficar seu corpo todo desfigurado, semelhante a um leproso, todo chagado, deixando aparecer os ossos descobertos.
“Mas ele foi ferido pelas nossas iniquidades, foi quebrantado pelos nossos crimes (Is 53,5). Não tem beleza, nem formosura… e o reputamos como um leproso (53,2 e 44). Contaram todos os seus ossos” (Sl 21,18).
Sabia que o Filho devia ser transpassado pelos cravos, colocado entre malfeitores, pregado finalmente à cruz, na qual morreria pela salvação dos homens.
“Transpassaram minhas mãos e meus pés (Sl 21,17). Ele foi posto no número dos malfeitores (Is 53,12). E eles porão os olhos em mim, a quem transpassaram” (Zc 12,10).
Todas essas penas de seu Filho eram conhecidas a Maria. Mas, nas palavras que lhe disse São Simeão, lhe foram descobertas, como o Senhor revelou a Santa Teresa, todas as circunstâncias, em particular, das dores assim externas como internas, que deviam atormentar o seu Jesus na Paixão. E ela em tudo consente, e com uma constância que faz admirar os anjos pronuncia a sentença que vota seu Filho a uma tão cruel e ignominiosa morte. Pai Eterno – diz ela -, já que vós assim o quereis, uno a minha vontade à vossa, e sacrifico-vos este meu Filho; contento-me que perca a vida pela vossa glória e salvação do mundo. Sacrifico-vos também com isto o meu coração; transpasse-o a dor, quando vos agradar; basta-me que vós, ó meu Deus, sejais com isso glorificado e satisfeito. Faça-se não a minha, mas a vossa vontade. – Ó constância sem exemplo! ó vitória digna da perene admiração do céu e da terra!
Compreensível nos é agora o silêncio de Maria na Paixão de Jesus, quando o acusam injustamente. Eis a razão por que nada absolutamente diz a Pilatos, que, conhecendo a inocência do acusado, estava inclinado a dar-lhe a liberdade. Ela só apareceu em público para assistir ao grandioso sacrifício do Calvário. Acompanha Jesus ao lugar do suplício e lhe está ao lado, desde que é pregado na cruz até que o vê expirar e consumar o sacrifício.
“Estava em pé, junto à cruz de Jesus, sua mãe” (Jo 19,25).
Assim procedeu em cumprimento da oferta que dela fizera outrora no templo.
Para fazer ideia da violência que Maria teve de fazer a si mesma neste sacrifício, seria necessário compreender o amor que ela tinha a Jesus. Como é, em geral, terno o amor das mães aos filhos, principalmente quando os ameaçam perigos de morte e elas temem perdê-los! Esquecem então todos os defeitos, todas as deformidades deles, e ainda as injúrias que a elas fizeram. Entretanto padecem de um modo inexplicável. Contudo o amor das mães está repartido com outros filhos ou com outras criaturas. Maria tem um único Filho, e este é belíssimo, sobre todos os outros filhos de Adão. É amabilíssimo, pois tem todas as qualidades para ser amado; é obediente, virtuoso, inocente e santo, basta dizer, é Deus. O amor desta Mãe não é repartido com outras criaturas. Ela tem colocado todo o seu amor neste único Filho, e não teme ser excessiva em o amar, porquanto ele é Deus, que merece um amor infinito. E é este Filho a vítima por ela entregue voluntariamente à morte.
Por aí veja cada um, pois, quanto deve ter custado a Maria, e que fortaleza de ânimo teve de exercitar neste ato de sacrificar à cruz a vida de um Filho tão amável. Eis por que Maria é a Mãe mais afortunada, por ser Mãe de um Deus. Porém foi ao mesmo tempo a mais angustiada de todas, por ser Mãe de um Filho que via destinado ao patíbulo, desde a hora em que o concebeu. Que mãe aceitaria um filho, sabendo que depois havia de vê-lo padecer e morrer entre tormentos e opróbrios? Maria, sim, aceita de bom grado este Filho, sujeitando-se a tão dura condição. Mais. Não só aceita, mas neste dia ela mesma, com as próprias mãos, imola-o à justiça divina. Diz S. Boaventura que a Santíssima Virgem preferia aceitar para si os tormentos e a morte do Filho. Para obedecer, contudo, a Deus, fez-lhe a grande oferta de vida divina de seu amado Jesus, vencendo, embora com suma dor, toda a ternura do amor que lhe devotava. Assim, pois, nessa oferta Maria precisou fazer-se mais violência, e foi mais generosa, do que se tivesse oferecido a si própria para sofrer os padecimentos de seu Filho. Superou então a generosidade de todos os mártires, pois que eles ofereceram as suas vidas, enquanto a Virgem ofereceu a vida do Filho, por ela amado e estimado imensamente mais que a própria vida.
Nem aqui acabou a pena desta dolorosa oferta, antes começou. Pois que, de então em diante, por toda a vida do Filho, Maria sempre teve presente a morte de todas as dores que ele devia padecer. Quanto mais Jesus se ia revelando belo, gracioso e amável, tanto mais por isso aumentava a angústia de seu coração. Ah! Mãe dolorosa, se vós fôsseis menos amante de vosso Filho, ou se vosso Filho fosse menos amável, ou não vos tivesse amado tanto, menor de certo teria sido a vossa pena em o oferecer à morte. Mas nunca houve, nem haverá, mãe mais amante de um filho, que vós. Isso porque j amais existiu, nem existirá, filho mais amável e amante de sua Mãe, que o vosso Jesus. Ó Deus, se tivéssemos visto a beleza e majestade do semblante daquele divino menino, teríamos tido porventura ânimo para sacrificar a sua vida pela nossa salvação? E vós, ó Maria, que lhe sois Mãe amantíssima, pudestes oferecer o vosso Filho inocente, pela salvação dos homens, a uma morte, a mais dolorosa e horrível das mortes, que jamais padeceu algum réu sobre a terra?
E que cena funesta, depois disto, devia o amor continuamente pôr diante dos olhos de Maria, representando-lhe todos os tormentos e desprezos, que haviam de fazer-se ao pobre Filho! Eis que o amor lho mostra agonizante de tristeza no jardim das Oliveiras; dilacerado pelos açoites e coroado de espinhos no pretório, pendente por fim do madeiro de opróbrio sobre o Calvário. Vede, ó Mãe, dizia-lhe o amor, que o Filho amável e inocente oferecestes a tantas dores, a uma morte tão horrível! De que serve subtraí-lo às mãos de Herodes, para o reservar depois a tão lastimoso fim?
Maria não cessa de oferecer seu Filho
Não foi só no templo que Maria ofereceu o Filho à morte. Ofereceu-o em todos os momentos de sua vida. Ela mesma revelou a Santa Brígida que essa dor, profetizada por Simeão, só se apartou de sua alma quando de sua Assunção ao céu. Diz-lhe por isso Eádmero:
“Ó Senhora, eu não creio que pudésseis viver assim um só momento, se o próprio Deus, doador da vida, não vos tivesse confortado com sua divina virtude”.
Também São Boaventura fala da grande aflição que Maria experimentou precisamente neste dia, afirmando que ela “vivia morrendo a cada instante”. Pois a cada instante era assaltada pela dor da morte de seu amado Jesus, “dor mais cruel que qualquer morte”.
De que sublime grandeza é por isso o mérito que, na salvação do mundo, adquiriu Maria por meio de tão grande sacrifício! Justamente, pois, Santo Agostinho a chama “reparadora do gênero humano”; São Epifânio, redentora dos escravos; Eádmero, renovadora do mundo perdido; São Germano, auxílio em nossas misérias; Santo Ambrósio, mãe de todos os fiéis; André de Creta, a mãe da própria vida. O Abade Arnoldo de Chartres diz que Maria na morte de Jesus uniu de tal modo sua vontade à do Filho, que ambos ofereceram um só e mesmo sacrifício. Por isso ambos operaram a humana redenção e obtiveram a eterna salvação aos homens: Jesus, satisfazendo pelos nossos pecados, e Maria, impetrando que nos fosse aplicada uma tal satisfação. Pelo mesmo motivo igualmente afirma o Venerável Dionísio Cartuxo que a divina Mãe pode chamar- se salvadora do mundo. E isso porque pelas penas sofridas em compadecer o Filho (por ela voluntariamente sacrificado à Divina Justiça), mereceu que fossem comunicados aos homens os merecimentos do Redentor.
Efeitos do sacrifício de Maria
Pelos merecimentos, pois, de suas dores e da oferta de seu Filho, Maria tornou-se Mãe de todos os remidos. Portanto é justo crer que só por sua mão se dê o leite das graças divinas, isto é, os frutos dos méritos de Jesus Cristo. É ao que alude S. Bernardo, quando diz que Deus tem posto na mão de Maria todo o preço na nossa Redenção. Com o que nos faz o Santo entender que, por meio da intercessão da Santíssima Virgem, se aplicam às almas os merecimentos do Redentor, já que por suas mãos se dispensam as graças que são justamente o preço dos merecimentos de Jesus Cristo.
Abraão mostrou-se pronto a oferecer seu filho a Deus. Essa disposição foi tão agradável ao Senhor, que lhe prometeu em recompensa multiplicar os seus descendentes como as estrelas do céu.
“Pois que tu fizeste esta ação, e que por me obedeceres não perdoaste a teu filho único, eu te abençoarei e multiplicarei a tua raça como as estrelas do céu” (Gn 22,16ss.).
Diante disso devemos crer com certeza que muito mais grato foi ao Senhor o sacrifício incomparável, que de Jesus lhe fez a excelsa Mãe. Por isso foi a ela concedido que, pelas suas súplicas, se multiplique o número dos escolhidos, isto é, a afortunada descendência dos seus filhos. Pois como tais considera e protege todos os seus servos.
São Simeão teve promessa do Senhor, de não morrer antes de ver nascido o Messias. Mas esta graça ele não a recebeu senão por intervenção de Maria, porquanto não achou o Salvador, senão nos braços de Maria. De onde vemos que quem achar Jesus não o achará senão por meio de Maria. Vamos, pois, à Mãe de Deus, se queremos achar Jesus. Mas vamos com grande confiança. Certa vez disse Maria à sua serva, Prudência Zagnoni, que cada ano, neste dia de sua Purificação, se faria uma grande misericórdia a um pecador. Quem sabe se por acaso algum de nós será hoje este afortunado pecador? Se são grandes os nossos pecados, maior é o poder de Maria. O Filho não sabe negar coisa alguma a esta Mãe e infalivelmente a atende, diz São Bernardo. Se Jesus está irado contra nós, Maria depressa o aplacará. Narra-nos Plutarco que Antípatro escreveu a Alexandre Magno uma longa carta de acusações contra Olímpia, mãe deste monarca. Depois de lê-la toda, respondeu Alexandre: Ignora Antípatro que uma pequena lágrima de minha mãe basta para apagar infinitas cartas de acusações? Imaginemos que também assim responda o Senhor às acusações que lhe apresenta contra nós o demônio, quando Maria roga por nós: Não sabes, Lúcifer, que uma súplica de minha Mãe, a favor de um pecador, basta para fazer-me esquecer de todas as acusações de ofensas a mim feitas?
Eis em prova disto o seguinte:
Exemplo
Este exemplo não está registrado em livro algum. Contou-mo, porém, um sacerdote meu companheiro, dando-se o fato com ele mesmo. Enquanto estava confessando numa igreja (cala-se o lugar por discrição, embora o penitente tenha dado licença para publicá-lo), viu um jovem, em pé, que parecia querer confessar-se. Olhando para ele o padre muitas vezes, finalmente chamou- o e perguntou-lhe se queria confessar-se. Respondeu que sim e que a confissão seria muito longa. Levou-o então o padre a um lugar mais retirado. Aí começou o penitente a dizer que era estrangeiro e nobre, e que não entendia como Deus quisesse perdoar-lhe, depois da vida criminosa que tinha levado. Além de inúmeros pecados de desonestidade, homicídios etc., disse que, desesperado de sua salvação, se pusera a cometer pecados, não tanto por paixão, mas por desprezo e ódio a Deus. Disse, entre outras coisas, que maltratara um crucifixo que consigo trazia, e que pouco antes, naquela manhã, tinha ido comungar sacrilegamente. Isto fizera para depois calcar aos pés a partícula consagrada. De fato queria pôr em execução o terrível projeto, mas não o fizera por causa das pessoas que o podiam ver. Com efeito entregou ao confessor a partícula, embrulhada num papel. Contou em seguida que, tendo passado por aquela igreja, sentira um grande impulso de entrar nela, e, não podendo resistir, entrou. Veio- lhe, então, logo um grande remorso de consciência, com certa veleidade e irresolução de confessar-se. Pusera-se por isso em frente ao confessionário. Mas aí era tão grande sua confusão e desconfiança, que queria ir embora. Alguém parecia, entretanto, retê-lo à força, ali perto. Até que – disse o jovem -, vós me chamastes, padre. Agora vejo-me aqui, e estou confessando-me nem sei como. Perguntou-lhe o padre por alguma devoção que talvez, durante esse tempo, praticara em honra de Maria Santíssima, pois que tais conversões extraordinárias são sempre obra das mãos poderosíssimas da Virgem. – Nada, senhor padre, respondeu o jovem; que devoção poderia eu praticar? Pois eu me julgava condenado. – Recordai-vos melhor, tornou o padre. – Nada, meu padre, insistiu ele. Mas, metendo a mão no peito, recordou-se, e viu que trazia o escapulário de
Nossa Senhora das Dores. – Ah! filho, disse então o confessor, não vedes que foi Nossa Senhora que vos fez esta graça? E notai que esta igreja lhe é consagrada. Ouvindo isto, o pecador estremeceu e cheio de arrependimento começou a chorar, continuando depois a manifestar os seus pecados. Confessou-os entre lágrimas de tal compunção, que caiu sem sentidos aos pés do confessor. Este fê- lo tornar a si, e finalmente, terminada a confissão, absolveu-o com suma consolação. Ele, todo contrito e resoluto a mudar de vida, voltou à sua pátria, depois de ter dado licença ao confessor de pregar e publicar por toda parte a grande misericórdia em seu favor
Oração
Ó santa Mãe de Deus e minha Mãe, Maria! Vós tanto vos interessastes pela minha salvação, que chegastes a sacrificar à morte o objeto mais caro ao vosso coração, o vosso amado Jesus. Se tanto desejastes ver-me salvo, é justo que em vós, abaixo de Deus, ponha todas as minhas esperanças. Ó Virgem bendita, por isso é que confio em vós inteiramente. Ah! pelo merecimento do grande sacrifício da vida de vosso Filho, que oferecestes a Deus neste dia, rogai-lhe que se compadeça da minha alma, pela qual o Cordeiro imaculado não recusou morrer na cruz.
Quereria, ó minha Rainha, também eu neste dia, à vossa imitação, oferecer meu pobre coração a Deus. Mas temo que o recuse, vendo-o tão manchado e imundo. Se vós, porém, lho oferecerdes, não recusará certamente. Ele aprecia e recebe todas as ofertas que lhe são apresentadas por vossas mãos puríssimas. A vós, pois, ó Maria, apresento-me hoje, miserável como sou, e a vós inteiramente me consagro. Oferecei-me como coisa vossa, juntamente com Jesus, ao Eterno Pai. Rogai-lhe que, pelos méritos do FÜho e por amor de vós, me aceite e tome para si. Ah! Mãe dulcíssima, por amor desse Filho sacrificado, ajudai-me sempre, e não me abandoneis. Não permitais que eu venha um dia a perder por meus pecados este meu amabilíssimo Redentor, hoje por vós oferecido à cruz com tanta dor. Dizei-lhe que sou vosso servo; dizei-lhe que em vós pus toda a minha esperança; dizei-lhe, enfim, que me quereis salvar e ele não poderá deixar de atender-vos. Amém.
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