Meditação XVII – terça-feira da III semana da Quaresma
Por Dom Henrique Soares da Costa
Reze o Salmo 118/119, 129-136:
129Os teus preceitos são admiráveis;
por isso a minha alma os observa.
130O conhecimento dos teus ensinamentos ilumina
e dá inteligência aos simples.
131Abro, com avidez, a minha boca,
porque tenho fome dos teus mandamentos.
132Olha para mim, tem piedade de mim,
como costumas fazer com os que amam o teu nome.
133Dá firmeza aos meus passos, segundo a tua promessa;
não permitas que me domine qualquer maldade.
134Livra-me da opressão dos homens,
para eu cumprir os teus preceitos.
135Que a tua presença ilumine o teu servo;
ensina-me as tuas leis.
136Dos meus olhos correm rios de água,
porque a tua lei já não é cumprida.
Leitura da Carta de São Paulo aos Gálatas 3, 8-29:
8E como a Escritura previu que é pela fé que Deus justifica os gentios, anunciou previamente como evangelho a Abraão: Serão abençoados em ti todos os povos. 9Assim, os que dependem da fé são abençoados com o crente Abraão.
10É que todos os que estão dependentes das obras da Lei estão sob maldição, pois está escrito: Maldito seja todo aquele que não persevera em tudo o que está escrito no livro da Lei, em ordem a cumpri-lo. 11E que, pela Lei, ninguém é justificado diante de Deus, é coisa evidente, pois aquele que é justo pela fé é que viverá. 12E a Lei não está dependente da fé; pelo contrário: Quem cumprir as suas prescrições viverá por elas.
13Cristo resgatou-nos da maldição da Lei, ao fazer-se maldição por nós, pois está escrito: Maldito seja todo aquele que é suspenso no madeiro. 14Isto, para que a bênção de Abraão chegasse até aos gentios, em Cristo Jesus, para recebermos a promessa do Espírito, por meio da fé.
15Irmãos, vou falar-vos à maneira humana: Mesmo vindo de um homem, um testamento que tenha entrado em vigor ninguém o pode anular ou aumentar. 16Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não se diz: «e às descendências», como se de muitas se tratasse; trata-se, sim, de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.
17Ora, é exactamente isto que quero dizer: um testamento que antes tinha sido posto em vigor por Deus, não é a Lei, aparecida quatrocentos e trinta anos depois, que o vai invalidar e assim anular a promessa. 18É que, se é da Lei que vem a herança, então não é da promessa. Mas foi pela promessa que Deus concedeu a sua graça a Abraão.
19Porquê, então, a Lei? Por causa das transgressões é que ela foi acrescentada, até chegar a descendência a quem a promessa foi feita; foi estabelecida através de anjos pela mão de um mediador. 20Ora, o mediador não o é de um só, ao passo que Deus é único.
21Estará então a Lei contra as promessas de Deus? De maneira nenhuma! Pois, se tivesse sido dada uma lei que fosse capaz de dar a vida, a justiça viria realmente pela Lei. 22Só que a Escritura tudo fechou sob o pecado, para que a promessa fosse dada aos crentes pela fé em Jesus Cristo. 23Antes, porém, de chegar a fé, estávamos prisioneiros da Lei, estávamos fechados, até à fé que havia de revelar-se. 24Deste modo, a Lei tornou-se nosso pedagogo até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé.
25Uma vez, porém, chegado o tempo da fé, já não estamos sob o domínio do pedagogo. 26É que todos vós sois filhos de Deus em Cristo Jesus, mediante a fé; 27pois todos os que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo mediante a fé. 28Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. 29E se sois de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.
1. Em todos estes versículos, nas várias meditações que aqui foram apresentadas até agora, vimos a preocupação do Apóstolo de colocar a Lei de Moisés não como algo absoluto, mas como uma realidade relativa a algo maior, no interior de algo maior e mais fundamental! De fato, para um judeu, a Lei é o centro, é a própria fonte da Vida, a Lei para na Lei, basta a Lei! E a Lei, para o israelita mais estrito é, sobretudo, preceitos.
Para um cristão, para o Apóstolo, a Lei é um instrumento santo dado por Deus ao Seu Povo, para ajudá-lo no caminho da realização da Promessa: a salvação de toda a humanidade (cf. Gn 12,3) através da fé no Descendente de Abraão, que daria a todos os que cressem a efusão do Seu Espírito (cf. Gl 3,8-15).
2. Pense bem: esta é a diferença central entre judaísmo e cristianismo e, por isso, os dois são tão próximos e tão inconciliáveis! Para um cristão, seria uma insensatez voltar à Lei de Moisés (cf. Gl 3,1). Do mesmo modo, é insensatez para um cristão retomar práticas o Antigo Testamento: óleo da alegria, proibição de imagens, de transfusão de sangue, batizar nas águas, fazer distinção entre alimentos puros e impuros, guardar o sábado, retomar costumes israelitas, inventar falso Templo de Salomão, culto à Arca da Aliança e coisas do gênero… Infelizmente, quando muitos cristãos já não têm ideia de que Cristo é o centro e o foco e o fim das Escrituras Sagradas, fica muito fácil cair na armadilha das seitas fundamentalistas: elas leem as Escrituras, mas sem um foco, sem um princípio unificador e interpretativo, que somente pode ser Jesus nosso Senhor!
3. Outra ideia importante é a da Lei como pedagogo para o Cristo. Se pensarmos que, para um judeu, a Lei abrange todo o Antigo Testamento, fica, então claríssimo: toda a história de Israel, todas as Escrituras de Israel caminham para o Cristo: Ele é a razão de ser, a finalidade de Israel, das Escrituras Santas, de suas personagens e das instituições judaicas do Antigo Testamento! Assim, com espírito não somente de estudioso, mas sobretudo com espírito orante e admirado, tomemos alguns exemplos, contemplando o Cristo Jesus nosso Senhor:
a) Pessoas
Adão: como o primeiro Adão foi princípio e síntese da antiga humanidade, marcada pelo pecado, Cristo é o Novo adão, princípio e síntese da nova humanidade nascida no Espírito para a Vida divina (cf. Rm 5,12-21; 1Cor 45-49; Ef 4,17-24).
Abel: como Abel é o modelo de justo e seu sangue clama a Deus por vingança, Cristo, o Inocente, é o Novo Abel e Seu sangue clama pela vingança de Deus contra o pecado, dando a salvação à humanidade (cf. Hb 12,22-24).
Isaac: como Isaac foi o descendente prometido a Abraão, do qual nasceu o antigo Povo e viria a bênção para todos os povos, Cristo é o Novo Isaac, do qual nasceu o Novo Povo, constituído pelos crentes de todos os povos da terra; como Isaac, humilde e manso, deixou-se oferecer em holocausto, assim Cristo, o Filho amado, deixou-Se oferecer por nós (cf. Rm 8,32; Hb 11,17-19)
Moisés: como Moisés foi o mediador da Antiga Aliança e rejeitado pelo seu povo, Cristo é o Mediador da Nova e Eterna Aliança, rejeitado por Israel (cf. Jo 1,17; At 7,35.37.38).
Davi: como Davi foi o rei de Israel e agradou ao Senhor Deus, assim Cristo, descendente de Davi é o Rei eterno, que cumpre todas as promessas do Senhor a Casa de Davi (cf. 2Sm 7,12-16; Sl 88/89,21-30; Lc 2,31; Mt 21,1-11; Rm 1,1,3s).
b) Eventos
A Arca de Noé (cf. 1Pd 3,18-22)
Os dons e a pessoa de Melquisedec (cf. Hb 7,1-3)
A páscoa de Israel prenuncia a Páscoa de Cristo e da Igreja (cf. Jo 13,1s; 1Cor 5,7)
A travessia do Mar dos Juncos prefigura o Batismo no Espírito de Cristo (cf. 1Cor 10,1-11)
O maná prenuncia a Eucaristia (cf. Jo 6,32-33)
A água que sai da rocha e sacia o Povo prenuncia o Espírito saído do lado de Cristo e dado nos sacramentos para saciar a Igreja, Novo Povo (cf. Jo 7,37-37; 19,31-35)
A travessia no deserto prenuncia o caminho da Igreja, Povo fundado em Cristo (cf. 1Cor 10,6-11)
O dom da Lei no Sinai ao Povo reunido no mesmo lugar, entre nuvens, trovões, ventania, tremor de terra e tempestade, prenuncia o Pentecostes, Festa da Lei, quando, no Cenáculo, Cristo deu ao Seu Povo a Lei definitiva, que é o Espírito derramado nos nossos corações (cf. At 2,1-6)
c) Instituições
Israel, Povo de Deus, imagem da Igreja, nascida de Cristo, composta de crentes de todos os povos da terra (cf. 1Pd 2,4-10)
A Tenda de Reunião, que prenuncia Cristo que armou Sua tenda entre nós (cf. Jo 1,14)
O Templo, imagem do próprio Corpo de Cristo (cf. Jo 2,18-22)
O Cordeiro pascal (cf. Jo 19,36)
Jerusalém, imagem da Igreja de Cristo (cf. Gl 4,26; Ap 21)
4. Agora, reflita: Como tudo se cumpre em Cristo, também a vida de todo homem que vem a este mundo e, concretamente, a sua vida, somente em Cristo encontra seu sentido último e seu fundamento. Sem Ele, que sentido tem a vida? “Do que nos valeria ter nascido se não nos redimisse em Seu amor?” – pergunta a Igreja no Precônio Pascal!
Procure responder: Cristo é o centro da sua existência? Ele é, realmente, seu Caminho, sua Verdade e sua Vida? Você consegue interpretar sua existência toda à luz de Cristo? Coisas sérias para serem pensadas!
5. Para meditar e rezar: Sl 88/89. Lembre: Cristo é o verdadeiro Davi: humilhado na Cruz, Ele triunfou e sentou-Se para sempre no Seu trono nos Céus!