Na instrução precedente ocupamo-nos do tríplice fim do papado. Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu São Pedro e seus sucessores como doutores, chefes supremos e sumos sacerdotes da sua Igreja; quer dizer, colocou nas mãos do papa a sorte da Igreja. O papa é, pois, o piloto responsável pela nave, que é a Igreja. Para essa tarefa sobre-humana, ele precisa dum auxilio sobre-humano. Com efeito, se o papa não estivesse certo da assistência do Espírito Santo, se pudesse enganar-se quando dá à Igreja de Cristo regras de fé ou de moral, abrir-se-ia na vida da Igreja uma ferida da qual mais cedo ou mais tarde, ela teria de perecer.
Mas Cristo quis que sua Igreja durasse até o fim do mundo. As “portas do inferno” não têm o direito de prevalecer contra a Igreja de Cristo. A Igreja de Cristo não deve cessar, enquanto viver na terra um homem quem ela deve transmitir os tesouros da redenção.
Se a Igreja de Cristo não deve nem cessar nem enganar-se, certamente também não o pode o seu chefe. Porquanto, se o piloto pudesse enganar-se e extraviar-se, a embarcação se esfaleceria contra um rochedo pérfido. Cumpre que o piloto da Igreja de Cristo seja infalível nas questões de fé e de moral.
A infalibilidade do papa! Eis um dogma que é frequentemente objetos dos ataques de pessoas irrefletidas. “Que faz você então papa? Faz um Deus? É coisa inaudita! Dizer de um homem que ele é infalível!…”.
Basta, entretanto, examinarmos com calma essa questão, para não ficarmos chocados com o fato de haver Nosso Senhor Jesus Cristo constituído o papa infalível nas questões de fé e de moral, mas, ao contrario, para nos ufanarmos disso e sermos reconhecidos a Deus. Aquele que sabe
1. Que a infalibilidade do papa é verdadeiramente um dom de Nosso Senhor Jesus Cristo,
2. Que ela decorre da finalidade da Igreja, e
3. O que não se deve entender por infalibilidade,
Não pode verdadeiramente compreender os que atacam esse dogma da nossa fé.
1. A Infalibilidade é um dom de Cristo
A infalibilidade do papa quer dizer que, quando o papa, enquanto doutor supremo do cristianismo, fala oficialmente a toda a Igreja, não pode enganar-se nas questões de fé e de moral. Esse privilégio vai tão de par com a tarefa do papado, que, se não existisse, sentiríamos que uma força essencial faltava ao rochedo que deve triunfar do inferno. Mas assim não é, como sabemos pelas declarações de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A) São interessantes as circunstâncias em que o Evangelho refere o primeiro encontro de Cristo com São Pedro. Era no inicio da vida pública do Salvador. Nosso Senhor viera ter com São João Batista, que à sua vista, exclamou com entusiasmo: “Eis o cordeiro de Deus” (Jo 1, 36). Achavam-se com João Batista dois discípulos seus, André e João (o evangelista), os dois futuros apóstolos. Ambos foram ter com o Salvador, e em seguida André informou disso seu irmão Simão Pedro: “Achamos o Messias”. Mais não foi preciso a Pedro: Que? Achastes o Messias? Onde está ele? – apressaram-se a ir ter com Jesus.
E agora o Evangelho faz uma observação importante. Quando os dois primeiros, André e João, vêm ter com Jesus, o Evangelho nada menciona de extraordinário. Todavia, Jesus terá sem dúvida, contemplado os olhos de São João, olhos de pureza virgem, olhar que um dia se fixará em Cristo suspenso à cruz; assim como os olhos inflamados de Santo André, que um dia morrerá também numa cruz por seu Mestre. O Evangelho, no entanto, não fala nisso. Mas, agora que chega Simão Pedro, o Evangelho escreve: “Intuitus autem eum Jesus”. O texto latino, como o texto grego, indica um olhar penetrante até o fundo da alma. Não é nem “aspexit” nem “vidit”, mas “intuitus”; o Senhor olhou profundamente na alma de Simão e deu-lhe um nome novo: “Tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas, que significa Pedro” (Jo 1, 42).
Cristo dá novo nome a Simão! A quem Deus dá um novo nome, dá também uma qualidade correspondente a esse nome. Nós, homens, não somos capazes disso. Podemos chamar Branca a uma pessoa que não seja branca, ou Rosa a uma que não seja bela, Constância a outra que não seja constante. O mesmo não sucede, porém, com Deus. Ele deu a Abraão o nome de Abraão, e o que significava esse novo nome realizou-se: Abraão tornou-se o Pai dos crentes. E se Ele deu a Simão o nome novo de “Pedro”, deu também a Simão a força da pedra. Tu és Pedro. Acaso uma pedra pode vacilar? Se a pedra, o fundamento, é fraco, todo o edifício rui.
“Intuitus eum Jesus”, o Salvador olhou a Pedro, como Miguel Ângelo olhou o possante bloco de mármore onde queria esculpir o seu “Moisés”. Esse olhar de Cristo, penetrante até o fundo, foi a primeira martelada na estátua do Moisés do Novo Testamento. Efetivamente, Pedro devia tornar-se o Moisés do Novo Testamento, o qual conduziria, sem falhas, o povo de Cristo pelo bom caminho, no deserto da vida.
Dizem que Miguel Ângelo, depois de acabar a sua possante estátua, ficou como que transtornado pela majestade da sua obra, tomou do martelo e bateu fortemente nos joelhos da estátua, dizendo: “Parla, Mose” – “Fala, Moisés”. Porém a estátua, por mais viva que fosse, não podia falar. Mas Nosso Senhor não formou um tal “Moisés” quando instituiu Pedro o seu representante: “Fala, Pedro”, “fala, Lino”, “fala, Cleto”, “fala, Benedito”, “fala, Pio” – e eles falam, e ensinam, e mostram o caminho, são infalíveis, porque são, ainda hoje, o rochedo da Igreja.
B) Depois desse primeiro encontro, São Pedro voltou para casa, certamente perguntando-se a si mesmo o que lhe podia querer o divino Mestre, e porque lhe dera um novo nome. Mas Cristo não tinha pressa de explicar-se. Deixava amadurecer a alma de São Pedro. Esperou dois anos.
Mas um dia, numa conversa perto de Cesaréia, Nosso Senhor perguntou a seus discípulos o que os homens pensavam dele. Deram-lhe diversas respostas. Disseram que alguns o tomavam por Elias, outros por João Batista ou outro profeta. “E vós, quem dizeis que eu sou?” – perguntou-lhes o Salvador. Pedro respondeu em nome de todos, e depois da sua resposta, recebeu de Nosso Senhor estas palavras grandiosas: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E dar-te-ei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. (Mt 16, 18-19).
Agora Pedro compreende claramente a mudança de nome há dois anos passados. Agora nós também compreendemos a relação. “Tu és Simão e chamar-te-ás Pedro”, “Tu és Joaquim Pecci e chamar-te-ás Leão XIII”, “Tu és José Sarto e chamar-te-ás Pio X”, “Tu és Tiago dela Chiesa e chamar-te-ás Bento XV”, “Tu és Aquiles Ratti e chamar-te-ás Pio XI”. E “as portas do inferno não prevalecerão” contra a Igreja de que és a pedra de base. Mas, se te pudesses enganar, então elas prevaleceriam contra ti.
E “o que ligares na terra será ligado nos céus”. Mas, se te pudesses enganar, ensinar uma fala doutrina, ligar os homens por mandamentos errôneos, então o Senhor dos céus, Deus, aprovaria um erro.
E “o que desligares na terra será desligado nos céus”. Mas, se desligares por erro a liberdade do homem em questões de fé e de costumes, então o próprio Senhor do céu se enganaria.
C) Acrescentamos as palavras ulteriores que o Salvador dirigiu a Pedro depois da sua ressurreição: “Apascenta meus cordeiros” (Jo 21, 15). “Apascenta minhas ovelhas” (Jo 21, 17).
Foi a transmissão solene dos poderes do Magistério supremo. Apascentar significa também conduzir. Apascenta-os quer dizer, conduze-os por bons caminhos; confio-tos, para que eles não se extraviem. Mas, se tu mesmo te podes extraviar, eles também poderão perder-se.
Se o pastor pode perder-se, que há de ser então dos cordeiros? Se o papa pudesse errar no seu ensino sobre coisas da fé e da moral, como se realizariam as palavras de São Paulo, segundo as quais a Igreja é “a coluna e a base da verdade” (1Tm 3, 15)?
D) Mas, se ainda ficasse dúvida sobre a questão de saber se Cristo realmente quis conferir ao papa a infalibilidade, outra palavra do Salvador dissipará qualquer dúvida. Cristo olha para Pedro e diz-lhe com voz comovida: “Simão, Simão”, assim começa. Que vai Ele prometer-lhe agora? Que Pedro nunca mais será exposto à tentação? Que o destino lhe será fácil? Oh! Não. Com efeito, diz-lhe: “Simão, Simão! Eis que Satanás vos reclamou a todos, para vos joeirar como o trigo” (Lc 22, 31). Nosso Senhor não liberta, pois, os apóstolos da tentação. Ao menos teria prometido a Pedro que, se o fazia uma pedra e se as tentações surgissem, ele nunca pecaria? Não, não o prometeu. Com efeito, disse: “Quando fores convertido, confirma teus irmãos”; logo, tu também cairás. Mas então, que é que ele promete a Pedro? “Simão, Simão! Eis que Satanás vos reclamou a todos para vos joeirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça; e tu, quando fores convertido, confirma teus irmãos” (Lc 22, 31-32). É, para que tua fé não desfaleça, que roguei. E quando tu mesmo caísses, que a tua fé se conserve sempre pura, e possas confirmar teus irmãos nessa fé pura. Que é isso meus irmãos, senão a clara promessa da infalibilidade do papa, nos lábios de Cristo?
2. A Infalibilidade decorre dos fins da Igreja
Se examinarmos os deveres que Nosso Senhor Jesus Cristo impôs à sua Igreja, verificaremos que esses deveres, e os fins da Igreja, exigem a infalibilidade do papa. Exigem A) a pureza da fé, B) a unidade.
A pureza da fé exige a infalibilidade do papa
Que vantagem haveria em Cristo ter vivido aqui na terra, ter ensinado a conhecer e a adorar a Deus convenientemente, ter morrido por nós e nos ter adquirido os tesouros da redenção; de que serviria tudo isso, se Ele não tivesse velado também para que os homens, no correr dos séculos, não falsificassem a sua doutrina, não lhe acrescentassem nem tirassem nada, isto é, se não tivesse dado a São Pedro, e aos seus sucessores, o dom que os preserva de todo erro no ensino do dogma e da moral?
A pureza da fé exige que o magistério eclesiástico seja isento de toda possibilidade de erro, e que, se ele declara alguma coisa como doutrina de Cristo, ela o seja, certamente.
O mundo católico sempre soube que São Pedro e seus sucessores são os doutores infalíveis das verdades da fé. Por isto, cada vez que surgia duvida se uma doutrina era, ou não, conforme ao ensino do Evangelho, os maiores sábios e os Doutores da Igreja volviam-se para Roma. Foi o que se produziu em Corinto; em vida mesmo do apóstolo São João. Para obterem uma decisão, os fiéis de Corinto não se dirigiram a São João, que vivia perto deles, em Éfeso, mas ao sucessor de São Pedro, a São Clemente, bispo de Roma, que ficava muito mais longe. Eles sabiam, com efeito, que o divino Mestre rogara por Pedro e por seus sucessores, para que eles fossem isentos de todo erro, quando explicam e pregam a sua doutrina.
B) Assim também, a unidade de fé exige a infalibilidade do papa.Se Cristo realmente quis conservar sua doutrina até o fim do mundo, era necessário instituir um magistério doutrinal infalível. Realmente, vemos com pesar o que seria de toda a Sagrada Escritura se não houvesse uma autoridade oficial incumbida de explica-la, ante as lutas de 300 seitas cristãs atuais, que todas pretendem basear-se na Sagrada Escritura, mas explicam, cada qual de um modo, a mesma passagem dos nossos Santos Livros. Para a conservação da unidade da fé é absolutamente necessária uma autoridade, cujas decisões sejam sem apelação. Mas qual há de ser essa autoridade infalível? Um bispo? Não. Tem havido bispos distintos que se enganaram e a quem o papa teve de advertir pelos seus erros. Qual será então essa autoridade infalível? O conjunto dos bispos? Também não: porque, se individualmente eles não o são. Sem contar que, do ponto de vista prático, não foi por essa forma que Cristo fundou a Igreja.
Seria impossível convocar, para cada dúvida, todos os bispos de todos os cantos do mundo. Só resta, pois, como único e ultimo recurso, o papa, cuja sentença é sem apelação.
De que alegria e de que paz nos enche essa ideia de que o papa infalível empunha o leme da Igreja! Geralmente, nem sequer pensamos nisto, viajamos tranquilamente na nave da Igreja, rumo à vida eterna, e raramente nos acode à mente sermos gratos ao piloto robusto, ao ancião do Vaticano, que com tanta solicitude e amor conduz a Igreja, noite e dia.
3. O que não significa a Infalibilidade do Papa
Mas sinto, meus irmãos, que alguns gostariam de fazer certas objeções. Objeções que ouviram, ou leram, contra a infalibilidade do papa. Não se pode imaginar quanta ideia errônea circula por aí, a respeito desse dogma, e quanta gente há que levanta contra ele objeções, porque tem sobre a infalibilidade do papa uma noção que a Igreja nunca, e em parte alguma, ensinou.
Ouçamos o que alguns dizem sobre essa questão.
A) “Tudo o que ouvimos até agora é certo. É preciso que seja assim. Não duvido. Mas que o papa seja infalível em tudo, não posso crê-lo”.
Mas onde é que a Igreja ensina semelhante coisa, meus irmãos? Onde é que ela ensina que o papa é infalível em tudo? É unicamente nas questões de fé e de moral, e, ainda, somente quando ele não se pronuncia como homem particular, mas quando, oficialmente, como chefe da Igreja, proclama uma decisão que atinge toda a Igreja. É só então – e não noutros casos.
Suponhamos, por exemplo, que seja eleito papa, alguém que antes era um grande matemático. E eis que se apresenta a ele um professor de matemática, e lhe diz “Santíssimo Padre, há anos que lido com um problema, e agora consegui resolvê-lo. Vede se a solução está exata”. O papa examina-a. “Está exata” – diz ele enfim. E agora a solução está certamente exata porque o “papa infalível” assim achou? De modo algum. Por que? Porque Cristo não lhe deu a infalibilidade para isso. E por que não? Porque isso não interessa à salvação dos homens, e a infalibilidade não é necessária nesse caso.
Tomemos outro exemplo. O papa anterior, Pio XI, antes do seu pontificado era o sábio bibliotecário da biblioteca Ambrosiana em Milão. Suponhamos que um historiador fosse ter com ele, levando um velho manuscrito, e lhe dissesse: “Santíssimo Padre, descobri um manuscrito extremamente importante, mas não posso decidir se não é falsificado”. O papa examina-o e responde: “O documento é autêntico”. É ele agora seguramente autêntico porque o “papa infalível” o disse? Absolutamente não. E por que? Porque Cristo não lhe deu a infalibilidade para isso. Se o papa calcula mal, ou engana-se em História, isso não interessa à salvação eterna dos fiéis. Mas, quando decide em matéria de fé e de moral, não pode enganar-se. Porem, mesmo aqui, somente, se ele toma uma decisão aplicável à Igreja universal, e na qualidade de chefe de toda a igreja.
B) Outros apresentam outra objeção. Consideram inconveniente que o papa, em virtude da infalibilidade “seja elevado a uma glória sobre-humana”, como se “deixasse de ser mortal”, e até mesmo que esteja seguro da sua salvação eterna, visto como, – dizem eles, – se ele é infalível, “então não pode mais pecar”.
Precisarei, irmãos, dizer-vos, que absolutamente não se trata disso?
a) “O papa está circundado de glória sobre-humana”?
Quando o papa é coroado, é conduzido solenemente em procissão à Basílica de São Pedro. Mas o mestre de cerimônias faz parar a procissão e, acendendo um punhado de estopa, diz ao papa: “Beatissime Pater, sic transit gloria mundi” – “Santo Padre, assim passa a glória do mundo”. A vossa também passara, – mas sois infalível, porque as duas coisas são independentes.
b) “O papa deixa de ser um mortal”?
Na terça-feira gorda tem lugar o célebre carnaval italiano. Mas, no dia seguinte, as igrejas estão cheias de fiéis para receber as cinzas. Na capela do Vaticano um velho sacerdote, vestido de branco, está ajoelhado diante do altar; outro sacerdote desce do altar e, enquanto impõe as cinzas na fronte do papa e o papa inclina a cabeça branca, a Igreja pronuncia sobre ele a mesma fórmula, que sobre os milhões de fiéis nesse dia: “Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris” – “Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás de tornar”. Também vós, Santíssimo Padre, volvereis ao pó, – mas sois infalível, porque as duas coisas são independentes;
c) “E o papa não pode mais pecar?”
A infalibilidade não significa isso. Ele não pode enganar-se nas questões de fé e de moral, mas pode enganar-se na sua própria vida moral. As fraquezas da natureza humana subsistem no papa, ele também pode cometer pecados e – ai! – a história narra tristes quedas morais relativamente a alguns. Cristo, que suportou até mesmo um Judas entre seus apóstolos, não escolheu os papas unicamente entre os santos. Sim; tem havido entre eles mais santos e personagens virtuosos do que em qualquer família reinante; mas houve também – infelizmente – um Alexandre VI. E não há papa que ouse aproximar-se do altar sem recitar, nas orações ao pé do altar, o que todo padre recita: “Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa”.
Uma tarde em cada semana, quando os derradeiros raios do sol poente iluminam as janelas do Vaticano, por trás de uma dessas janelas, um sacerdote de vestes brancas levanta-se da mesa de trabalho, percorre um corredor silencioso, e bate a uma porta. Um simples padre levanta-se para lhe atender ao chamado. “Queria confessar-me”, e o papa ajoelha-se no confessionário. Ao cabo de alguns minutos, sobre o papa ajoelhado, sobre o papa que se confessou, descem as palavras da absolvição: “Ego te absolvo”. Então o papa se confessa? Certamente. O papa infalível também pode pecar? Sim, pode, pois as duas coisas são independentes.
Nós não fazemos, pois, do papa “um ente sobrenatural”; o papa não deixa de ser “um homem mortal, frágil e suscetível de cair”, apesar do que cremos e confessamos a seu respeito: cremos e confessamos que o que ele ensina é o ensino de Cristo, que o que ele proíbe Cristo proíbe, e que o que ele ordena Cristo ordena também. Cremos que o que ele liga na terra, será também ligado no céu, e que o que ele desliga na terra será desligado no céu.
***
Meus irmãos, os caminhos da Providência são admiráveis. Quantos erros, quantas heresias têm surgido na Igreja há dezenove séculos! Cada século, por assim dizer, tem criado a sua heresia, e podem-se mesmo ver bispos de igrejas fundadas pelos apóstolos – bispos de Jerusalém, de Éfeso, de Alexandria, de Antioquia – caírem na heresia ou no cisma: só o bispo de Roma nunca vacilou. Sem dúvida, a História censura alguns dos 262 papas, por não se haverem mostrado dignos da sua alta função; mas, até agora, é impossível afirmar que sequer um só, se haja enganado no ensino da fé. Eles podem ter-se enganado na sua vida privada – mas nunca nas coisas da fé.
Por isto, hoje em dia ainda, nós todos, católicos, olhamos com alta obediência para Roma, porque sabemos que, quando o Santo Padre nos fala, fala-nos como mestre infalível de todos os fiéis, dos padres e dos bispos. Sabemos que, quando ele nos instrui nas coisas da fé, a prece do divino Fundador da Igreja o protege, a graça do Espírito Santo o conduz, de tal modo que, no seu ensino, tudo aquilo que afirma tem sua raiz na revelação divina, e, por conseguinte, nunca se engana.
Quando se vai de Nápoles a Capri, avista-se, no mar tempestuoso, um rochedo que se ergue a pique. Há milhares de anos esse rochedo ergue-se no meio das ondas espumantes. Pequenos barcos volteiam em redor dele e nem lhe dão atenção. Navios pesadamente carregados, vapores possantes e ufanos passam ao lado dele, e mal o notam.
Isso me faz pensar: eis aí a imagem da Igreja; o oceano da vida rebenta em torno da Igreja, e as barquinhas quotidianas dos destinos humanos, os navios carregados dos homens de dinheiro, os orgulhosos vapores dos homens de ciência, passam soberbamente ao lado dela e não julgam digno dum olhar o velho rochedo. Mas passam os anos, passam os séculos. E, enquanto as ondas brincam, há longo tempo, com os destroços dos orgulhosos vapores, é em vão que batem o velho rochedo, que permanece sempre de pé, e, do alto do farol levantado por Cristo, o papa infalível empunha, com força inabalável, acima dos povos do mundo, o facho rebrilhante da fé e da moral. Amém.
(Toth, Mons. Tihamer. A Igreja Católica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942, p. 85-97)