Parte III
Capítulo XXI
Desde a primeira tentação que teu coração sentir, por mais leve que seja, vira-o imediata e completamente para o outro lado e com uma detestação oculta, mas firme, destas vaidades sensuais, eleva-te em espírito a cruz do divino Salvador e toma a sua coroa de espinhos, para fazer uma cerca, como diz a Escritura, em redor do teu coração, a fim de que, como ela mesma acrescenta, as pequenas raposas não se aproximem.
Guarda-te cuidadosamente de entrar em alguma combinação com o inimigo; nem digas: eu o escutarei, mas não farei nada do que me disser; dar-lhe-ei atenção, mas recusarei tudo de coração.
Ó Filotéia, arma-te nessas ocasiões com a firmeza mais sólida. Muito estreitamente ligados estão o coração e os ouvidos para se crer que aquele não seja influído pelo que estes recebem; e, como é impossível deter uma torrente que se lança pelo declive de uma montanha, também não se pode impedir que aquilo que o amor fez chegar aos ouvidos não caia no coração.
Uma pessoa de honra nunca dará atenção a voz do encantador. Se acaso o escuta — ó Deus! — que funestos augúrios de perversão completa do coração! A Santíssima Virgem perturbou-se a vista do anjo, porque estava só e muito grandes eram os louvores que lhe trazia, embora viesse do céu. Ó Salvador do mundo! Aquela que é a mesma pureza teme um anjo em forma humana; e nós, que somos tão impuros, não deteríamos temer um homem, embora pareça um anjo, se nos dá louvores cheios de adulações vãs e sensuais?
Semelhantes complacências jamais serão permitidas nem justificadas por razão alguma de boa educação ou respeito; nem mesmo se, procedendo de outra- forma, te mostrares descortês e incivilizada.
Lembra-te sempre que, tendo a Deus consagrado o coração e imolado o teu amor, seria uma espécie de sacrilégio tirar daí a mínima parte que tosse; renova no momento da tentação o teu sacrifício, por toda sorte de boas resoluções e protestos, e, conservando o coração fechado, como o veado no seu esconderijo, suplica a assistência de Deus; e Deus virá em teu auxílio e o seu amor tomará o teu sob a sua proteção, a fim de que permaneça intacto para ele.
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(SALES, São Francisco de. Filoteia ou a Introdução à Vida Devota. Editora Vozes, 8ª ed., 1958, p. 220-221)