CADA um de nós é que dá cambiantes sombrios ou luminosos ao que nos rodeia. Podemos, por um esforço criador, inundar a nossa alma de tal luz que torne esplendentes os acontecimentos que se cruzarem com o nosso caminho. Por outro lado, podemos cair num estado de depressão íntima tão profunda e tão cheia de melancolia que só os mais intensos impulsos externos dos sentidos serão capazes de nos despertar da apatia.
Dizem-nos os filósofos que o prazer é uma necessidade para o homem. Aquele que integrou a sua personalidade conforme a natureza desta e orientou a sua ida para Deus, conhece o intenso e indestrutível prazer, a que os Santos chamam alegria. Nenhum acontecimento exterior pode ameaçá-lo ou perturbar a sua felicidade. Muitos, porém, procuram o prazer exteriormente, e esperam que as ocorrências da vida lhes deem a felicidade. Como ninguém pode fazer do universo escravo seu, procurar o prazer no exterior é ficar sujeito à decepção. O excesso de divertimentos fatiga-nos; uma ambição realizada torna-se em tédio; um amor, que prometeu um pleno contentamento, perde o
encanto e a emoção. Jamais poderá vir do mundo a felicidade permanente. A alegria não deriva das coisas que possuímos ou das pessoas com quem privamos; ela destila da própria alma à medida que esta se entrega ao trabalho abnegado.
O segredo duma vida feliz está na moderação dos prazeres, em troca de um aumento de alegria. Mas vários usos do nosso tempo tornam isto difícil. Um deles é o sistema de comerciar que tenta aumentar os nossos desejos, a fim de comprarmos mais coisas. Acresce a isto que a psicologia de criança amimada, de que enferma o homem de hoje, lhe diz que tem o direito de conseguir tudo o que lhe apetece, e que o mundo deve a cada um o satisfazer-lhe os caprichos. Uma vez que o eu se torna o centro, ao derredor do qual tudo o mais gira, somos vulneráveis. A nossa paz pode ser destruída por uma corrente de ar que vem duma janela aberta, pela nossa incapacidade para comprar um casaco de certa pele exótica — tão rara que apenas vinte mulheres, em todo o mundo, o podem usar, — pelo nosso fracasso em conseguirmos ser convidados para um almoço, ou pela nossa incapacidade de pagar mais altos impostos sobre rendimentos que qualquer outro de toda a nação. Se estiver no comando, o eu é sempre insaciável; não há favores nem honras que mitiguem a sua ânsia quer de «música mais tola, quer de vinho mais capitoso», ou dos prazeres espirituosos de jantares de homenagem e de ditirambos jornalescos em tipo 72.
Os homens egocentristas consideram como desgraça a não satisfação de qualquer dos seus desejos: o mundo desses desejos querem dominá-lo, querem puxar os seus cordelinhos e forçá-los a obedecer à sua vontade. Se tais desejos forem contrariados e reprimidos por outro eu, o seu senhor fica desesperado. Multiplicam-se, assim, as ocasiões de desânimo e de tristeza, porque todos nós estamos condenados a não conseguir algumas das coisas que desejamos; a nós cabe escolher se este malogro há de ser aceite de bom grado ou considerado como ultraje e afronta.
Hoje em dia, milhões de homens e mulheres pensam que a sua felicidade é destruída, se tiverem de viver sem umas tantas coisas, com as quais seus avós nem sequer sonharam. O luxo tornou-se uma necessidade para eles; e de quantas mais coisas precisar o homem para ser feliz, maiores serão as probabilidades de desilusão e desespero. O capricho tornou-se o seu senhor, a trivialidade o seu tirano; ele já não é senhor de si mesmo, mas tornou-se escravo de ouropéis.
Platão, na «República», refere-se ao homem, cuja vida é regida por caprichos e veleidades; as suas palavras foram escritas há 2.300 anos, mas ainda hoje são exatas:
«Muitas vezes imaginará gostar de política, põe-se à obra, e diz ou faz o que lhe vem à cabeça; outras vezes, concebe admiração por um general e concentra o seu interesse na guerra; ou por um homem de negócios e, imediatamente, é esta agora a sua vocação. Não conhece qualquer ordem ou exigência na vida; não atenderá a ninguém que lhe diga que certos prazeres vêm da satisfação de desejos bons e nobres, e outros de desejos maus, e que aqueles devem ser acarinhados e estimados e estes disciplinados e encadeados. A tal discurso abana a cabeça e diz que todos os desejos são semelhantes e dignos de igual atenção»
Se quisermos fruir a vida no máximo grau, devemos ordenar hierarquicamente os prazeres. As alegrias mais intensas e duradouras são desfrutadas apenas por aqueles que refreiam os seus apetites e se sujeitam a uma penosa disciplina preliminar. É do cimo dum monte que se contemplam os panoramas mais belos, mas pode ser árduo chegar lá. Nunca ninguém sentiu prazer lendo Horácio, sem primeiro se exercitar nas declinações da gramática. Apenas compreendem a felicidade plena aqueles que a si mesmos negaram alguns prazeres legítimos, a fim de mais tarde terem outras alegrias. Os homens que vivem ao sabor dos impulsos, ou se esgotam de cansaço ou tornam-se ineptos. O Salvador do mundo disse-nos que as melhores alegrias só se conquistam pela oração e pelo jejum; devemos dar, primeiro, as nossas moedas de cobre por Seu Amor, e Ele, depois, nos retribuirá em moedas de ouro, em alegria e êxtase.
Voltar para o Índice do livro Rumo à Felidade, de Fulton Sheen
(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 39-42)