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Ainda sobre as vantagens do exercício da Presença de Deus

Meditação para o Décimo Nono Sábado depois de Pentecostes

SUMARIO

Continuaremos a meditar sobre as vantagens do exercício da presença de Deus, e veremos:

1.° Que é a força do cristão;

2.° Que é a sua alegria.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De fazermos, consistir a nossa felicidade em estar na presença de Deus aplicando-nos nela sem contenção de espírito, mas com a expansão de um coração que se delicia em Deus e se regozija de tão augusta companhia;

2.° De reprimirmos a dissipação dos nossos sentidos e a vagueação do nosso pensamento.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Davi:

“Eu me lembrei de Deus, e nele achei a minha alegria” – Memor fui Dei et delectatus sum (Sl 76, 4)

Meditação para o Dia

Adoremos a Deus presente em toda a parte; abismemo-nos com amor na sua imensidade, como em um vasto oceano que nos penetra da sua essência; regozijemo-nos de estar nEle pela necessidade do nosso ser, assim como todas as criaturas, e tributemos-Lhe a nossa adoração, nosso louvor e amor.

PRIMEIRO PONTO

O exercício da presença de Deus é a força do cristão

O homem por si mesmo não é mais do que fraqueza e miséria. Cercam-nos o perseguem-nos tentações mais fortes do que nós (1). Umas vezes assaltam-nos pensamentos desanimadores; outras vezes desesperam-nos e põem em perigo a nossa virtude as tribulações da vida. Mas logo que nos unimos a Deus, o temos a nosso lado, oferecendo-nos o seu socorro e a sua graça na terra, com as suas recompensas na vida futura, esperando que o nosso coração fale para nos proteger e defender, imediatamente recobramos ânimo e confiança; sentimo-nos cheios da própria força de Deus, e cantamos com o Salmista:

“O Senhor é o meu esteio, o meu refugio, o meu salvador; Deus é a minha ajuda, e eu esperarei nele; é o meu defensor e a força de que depende a minha salvação: louvando-o, o invocarei, e ele me salvará dos meus inimigos” – Dominus firmamentum meum, et refugium meum, et liberator meus. Deus meus adjutor meus, et sperabo in eum, Protector meus, et cornu salutis mem, et susceptor meus. Laudans inuocabo Dominum; et ab inimicis meis salvbus ero (Sl 17, 8ss)

A hera desamparada não faz senão rastejar pelo chão; mas unida a uma grande árvore, eleva-se até às maiores alturas: imagem fiel do cristão, que anda unido a Deus: triunfa do demônio, do mundo e da carne, sem que nenhuma tentação possa abalá-lo, nem nenhuma paixão dominá-lo.

Se examinarmos a nossa consciência, veremos que as nossas culpas e fraquezas não provém senão da dissipação em que vivemos, a qual nos entrega, como uma cidade sem defesa, a todos os assaltos do inimigo.

SEGUNDO PONTO

O exercício da presença de Deus é a alegria do cristão

“Tive momentos de cruéis angústias, nos refere o santo rei Davi, a minha alma recusava consolar-se” – Renuit consolari anima mea (Sl 76, 8)

“Lembrei-me de Deus, e nele achei a minha alegria” – Memor fui Deu et delectatus sum (Sl 76, 4)

“No dia da minha tribulação busquei a Deus, estendi as minhas mãos de noite para ele, e não fui enganado” – In die tribulationis meae Deum exquisivi, manibus meis nocte contra eum: et non sum deceptus (Sl 76, 3)

“Via-o à minha mão direita para me amparar; por isso o meu coração se alegrou; a minha língua cantou cânticos de jubilo e o meu corpo descansou na paz” – Providebam Dominum in conspectu meo semper: quoniam a dextris est mihi, ne commovear. Propter hoc laetamea requiescet in spe (Sl 15, 8)

Experimentamo-lo nós mesmos. Quando estamos aflitos, sentimos uma indizível consolação em representar-nos Deus ao nosso lado, e em expandir no seu coração paternal o nosso coração aflito.

Quando temos alegria, ela é mil vezes mais doce expandida no coração de Deus e gozada por Deus.

Quando nos sentimos como que desamparados neste lugar de desterro, basta que nos lembremos que não estamos sós, que temos Deus conosco: o Pai, que se chama o Deus de toda a consolação (2), o Filho, que nos amou, até morrer por nós; o Espírito Santo, que se chama o Paráclito ou o consolador das almas; e a sua providência mais que maternal, que nos ama, que nos quer bem: e lembrando-nos disto, consolamo-nos.

Finalmente, em qualquer posição que nos achemos, sentimos uma inefável alegria e como que um antegosto do paraíso em pensar que vivemos em Deus, em Deus infinitamente bom e, perfeito; e com estes bons pensamentos, o nosso coração dilata-se, sentimos que Deus só é tudo, amamo-lO e somos amados por Ele. Que mais é preciso para ser feliz?

“Os justos, exclama Davi, se regozijem e se transportem de alegria na presença de Deus” – Justi epuientur et exultent in conspectu Dei; et delectentur in laetitia (Sl 67, 4)

Nada poderia perturbar aquele que sabe conservar-se na presença de Deus, e dizer consigo cheio de fé:

Eu estou em Deus, meu melhor amigo, meu protetor e meu amparo, em Deus que vela sobre mim, como se eu fosse só no mundo e Ele não tivesse que pensar senão em mim, em Deus, que é as minhas delícias e o meu sumo bem, em Deus que eu possuo e gozo à minha vontade.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Pericula inferni inoenerunt me (Sl 114, 3)

(2) Deus totius consolationis (2Cor 1, 3)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 84-87)

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