Meditação XVIII – quarta-feira da III semana da Quaresma
Por Dom Henrique Soares da Costa
Reze o Salmo 118/119, 137-144:
137SENHOR, Tu és justo
e as tuas sentenças são rectas.
138Deste-nos os teus preceitos com justiça
e exigiste de nós total fidelidade.
139O meu zelo me consome,
ao ver que os meus inimigos desprezam as tuas palavras.
140As tuas promessas já foram provadas;
por isso o teu servo as prefere.
141Sou humilde e desprezível,
mas não me esqueço dos teus preceitos.
142A tua justiça é eterna,
e a tua lei, verdadeira.
143Estou cheio de angústia e tribulação,
mas encontro alívio nos teus mandamentos.
144As tuas prescrições são sempre justas;
ajuda-me a conhecê-las, e viverei.
Não estranhe, mas, nesta meditação e na seguinte, vamos tomar com atenção e piedade os seguintes textos: Mt 5,17-48 e Mt 9,14-17 para aprofundar o pensamento exposto na Epístola aos Gálatas! Assim, leia agora, rezando, Mt 5,17-48.
Leitura do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo São Mateus 5, 17-48:
17«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. 18Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra.
19Portanto, se alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino do Céu. Mas aquele que os praticar e ensinar, esse será grande no Reino do Céu. 20Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.»
21«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar ‘imbecil’ será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar ‘louco’ será réu da Geena do fogo.
23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»
27«Ouvistes o que foi dito: Não cometerás adultério. 28Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração.
29Portanto, se a tua vista direita for para ti origem de pecado, arranca-a e lança-a fora, pois é melhor perder-se um dos teus órgãos do que todo o teu corpo ser lançado à Geena. 30E se a tua mão direita for para ti origem de pecado, corta-a e lança-a fora, porque é melhor perder-se um só dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado à Geena.»
Jesus e o divórcio (19,3-9; Mc 10,2-12; Lc 16,18) – 31«Também foi dito: Aquele que se divorciar da sua mulher, dê-lhe documento de divórcio. 32Eu, porém, digo-vos: Aquele que se divorciar da sua mulher – excepto em caso de união ilegal – expõe-na a adultério, e quem casar com a divorciada comete adultério.»
«Do mesmo modo, ouvistes o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás diante do Senhor os teus juramentos. 34Eu, porém, digo-vos: Não jureis de maneira nenhuma: nem pelo Céu, que é o trono de Deus, 35nem pela Terra, que é o estrado dos seus pés, nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. 36Não jures pela tua cabeça, porque não tens poder de tornar um só dos teus cabelos branco ou preto. 37Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.»
38«Ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. 39Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. 40Se alguém quiser litigar contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. 41E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas. 42Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado.»
43«Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos?
48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»
1. Hoje, meditaremos neste primeiro texto para colher nas palavras do próprio Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador bendito, aquilo que o Apóstolo São Paulo tem nos ensinado na Epístola aos Gálatas sobre o papel da Lei de Moisés e sua relação com a fé no Cristo Senhor e a salvação por Ele trazida.
2. Tomemos, pois, Mt 5,17-48. Vamos acompanhar passo a passo o ensinamento de Cristo:
a) O Senhor aí deixa claro Seu respeito pela Lei de Moisés: o Salvador ensina a santidade da Lei, também deixa claro sua durabilidade e sua eficácia, sua relação com o Reino dos Céus (quem é hostil ou desrespeitoso para com a Lei, não herdará o Reino dos Céus) e a necessidade de observá-la! Veja que, à primeira vista, pareceria que São Paulo não fora fiel a Nosso Senhor! Mas, vamos compreender as palavras de Cristo!
b) Realmente, o Senhor Jesus não veio revogar a Torá: sendo Palavra do Senhor Deus, ela não pode ser revogada, pois Deus não muda nem volta atrás no que disse e prometeu. Como ensinara São Paulo, Deus concedera a Lei a Israel para indicar-lhe o caminho, para regular sua vida, na perspectiva de uma Plenitude que viria depois: o cumprimento da Promessa em Jesus Cristo nosso Senhor, que daria a bênção da salvação a todo aquele que Nele cresse, fosse de que nação fosse, conforme a palavra do Senhor Deus a Abraão (cf. Gn 12,3)! Neste sentido veja o que diz o Apóstolo em Rm 7,12.14: a Lei é santa, porque vem do Deus santo e a Ele leva; a Lei é espiritual, porque é dada no Espírito de Deus e somente pode ser cumprida quando o homem é sustentado pelo Espírito!
c) O Senhor Jesus Cristo afirma ter vindo dar à Lei pleno cumprimento. Aqui está a chave para compreendermos toda esta questão. “Cumprir”, neste contexto, não significa obedecer, mas sim realizar, cumprir seu objetivo! Se a Lei foi o pedagogo de Israel para o Cristo, ela, entregando Israel a Cristo, cumpriu sua missão e Cristo deu descanso, realização, plenitude à Lei! Cristo, realizando o que a Lei previra, deu cumprimento e “repouso” à Lei!
Dou dois exemplos para ilustrar esta ideia:
(1) um botão de flor: ele não existe para permanecer botão, mas se cumpre na flor: quando a flor desabrocha, o botão desaparece: a flor dá-lhe pleno cumprimento. O botão não foi abolido, mas cumprido, realizado, pleno! Sem ele, a flor não existiria;
(2) os treinos de um time de futebol: a equipe treina, treina, em vista da partida decisiva e, no momento da partida, os treinos são cumpridos! Sem os treinos, a partida seria uma tragédia; sem a partida, os treinos seriam inúteis e sem sentido! No momento da partida, os treinos perdem a utilidade: foram cumpridos e podem passar!
É, precisamente, neste sentido que Cristo afirma não ter vindo revogar a Lei, mas cumpri-la!
d) Com Cristo, a Lei alcança sua gloriosa plenitude, porque sendo cumprida em Cristo, demonstra sua santidade, sua veracidade de pedagogo: o que o Antigo Testamento prometera realizou-se em Cristo Jesus uma vez por todas! A Lei estará garantida para sempre no seu cumprimento: nem um iota passará sem que tudo tenha sido cumprido (cf. Mt 5,18), pois Deus é fiel! Tanto que São Paulo mesmo afirma que Jesus Cristo é o “Sim” e o “Amém” do Pai (cf. 2Cor 1,19-22), pois tudo quanto o Senhor Deus prometera e anunciara na Lei, cumpriu-se em Jesus, nosso Senhor!
e) Com Cristo, a Lei foi consagrada para sempre e jamais passará no seu objetivo: o que ela preanunciara, prometera e preparara realizou-se para sempre no Cristo, agora imolado e ressuscitado para sempre à Direita do Pai! Assim, o Senhor Jesus Cristo não aboliu a Lei, mas cumprindo-a, validou-a para sempre, por toda a eternidade!
f) Jesus, nosso Senhor, sempre submeteu-Se a Lei (cf. Lc 2,22; Gl 4,4), era um judeu observante e praticante. Basta ver como, costumeiramente, ia aos sábados à sinagoga (cf. Lc 4,16), peregrinava a Jerusalém para as grandes festas judaicas (cf. Jo 2,13;5,1;7,2.14) e tinha respeito pelo Templo (cf. Jo 2,13-17). Além do mais, sempre recomendou aos judeus Seus contemporâneos que cumprissem a Lei (cf. Mc 10,17-19). Esta obediência à Lei de Moisés fazia parte do mistério da nossa salvação, pois o Senhor Se esvaziou de Si próprio, tomando a condição se Servo e fazendo-Se obediente e pobre. Leia Fl 2,5-8; 2Cor 8,5.
g) Jesus, nosso Senhor, rejeitava a importância e a centralidade que os fariseus davam à Lei oral (cf. Mc 7,1-8), bem como a absolutização dos preceitos da Lei sem que a prática brotasse do seu espírito, é que o amor a Deus e ao próximo (cf. Mc 12,28-34). Aqui já se percebem as raízes dos embates que São Paulo terá com os cristãos judaizantes, como aparecem na Epístola aos Gálatas!
h) Pela consciência profunda que Nosso Senhor tinha de ser o próprio Filho do Deus Santo de Israel, Ele sabia que estava acima da Lei e dar-lhe-ia a interpretação plena e definitiva (cf. Mt 5,21-48). É impressionante quando Ele diz repetidamente:
“Ouvistes o que foi dito… Eu porém vos digo!”
Ninguém em Israel, absolutamente, jamais teria esta ousadia! Somente Deus poderia aperfeiçoar a Lei de Moisés, Lei do próprio Deus! Por isso mesmo a pergunta dos judeus incrédulos de todos os tempos a Jesus:
“Quem pretendes ser?” (Jo 8,53)
i) Por outro lado, como São Paulo, o Senhor nosso deixou claro aos judeus que eles deveriam crer Nele, se desejassem, de verdade cumprir as obras da Lei de Moisés! As muitas obras e práticas da Lei, agora, transformam-se numa obra só:
“A obra de Deus é que creiais Naquele que Ele enviou!” (Jo 6,29)
Além do mais, Jesus Cristo exortou os judeus a serem verdadeiros filhos de Abraão, crendo na Promessa e no Prometido, Descendente de Abraão:
“Se fôsseis filhos de Abraão, praticaríeis as obras de Abraão”
Qual foi a obra de Abraão? Abraão creu (cf. Gn 15,6). Ao invés, os judeus procuravam matar o Prometido:
“Vós, porém, procurais matar-Me, a Mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus. Isto Abraão não o fez! Vós fazeis as obras do vosso pai!” (Jo 8,39-41a)
Compreendamos bem o sentido: Abraão creu e é pai de quem crê em Cristo-Isaac, realização da Promessa na qual Abraão creu (cf. Gn 15,5s); quem deseja matar Jesus nosso Senhor é filho de outro pai:
“Vós sois do Diabo, vosso pai, e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade… Não credes em Mim!” (Jo 8,44.45)
Assim, com palavras diferentes, o Senhor Jesus ensinara e proclamara o mesmo que Seu discípulo fiel, Paulo Apóstolo, gritou aos ouvidos dos gálatas!
3. Paremos por aqui. Na próxima meditação, farei ainda algumas considerações sobre este texto e passaremos ao segundo: Mt 9,14-17.
4. Agora reze o Sl 104/105, cantando a fidelidade de Deus a Israel. Tudo isto preparando o cumprimento da Promessa em Cristo!
Infelizmente, Israel foi como uma vinha infiel. Leia Is 5,1-7.
Reze o Sl 79/80: observe que a vinha é Israel; o “Homem da Tua direita, o Filho de Adão” do v. 18 é o Messias prometido, no qual a vinda de Israel deveria ter acreditado em peso!