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Ações de Graças

Ações de Graças, Tesouros de Cornélio à Lápide

Necessidade da Ação de Graças

Graças sejam dadas a Deus que sempre nos faz triunfar em Jesus Cristo, diz o grande Apóstolo: Deo autem gratias, qui semper triumphat nos in Christo (2 Cor 2, 14). Louvado seja Deus, diz em outro lugar, por seu dom inefável: Gratias Deo super inenarrabili dono eius (2 Cor 9, 15). A ação de graças convém mais do que ditos indecentes, etc., escreve aos Efésios: Sed magis gratiarum actio (Ef 5, 4). Não esqueçais a ação de graças em todas as vossas coisas, diz aos Colossenses: Orationi instate, vigilantes in ea in gratiarum actione (Col 4, 2). Dai graças em tudo: In omnibus gratias agite (1 Ts 5, 18). Eu recomendo, pois, antes de tudo, escreve a Timóteo, que se façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças, por todos os homens: Obsecro igitur primo omnium fieri obsecrationes, orationes, postulationes, gratiarum actiones pro omnibus hominibus (1 Tm 1, 1).

Eu te exaltarei, Senhor, diz o Rei Profeta, porque vós me haveis animado[1]. Somos vosso povo e as ovelhas de vossos passos; vos louvaremos, Senhor, por todos os séculos, e nossa posteridade publicará vossos benefícios[2]. Vossas obras, ó Deus meu, recordarão sempre vossos benefícios inumeráveis, e celebrarão vossa justiça[3]. Demos graças em todo o tempo e por todas as coisas a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, diz o grande Apóstolo: Gratias agentes semper pro omnibus, in nomine Domini nostri Iesu Christi, Deo et Patri (Ef 5, 20). Tudo quanto façais, seja por palavra ou por obra, fazei-o em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, dando graças por meio dele a Deus Pai: Omne quodcum que facitis in verbo, aut in opere, omnia in nomine Domini nostri Iesu Christi, gratias agentes Deo et Patri per ipsum (Col 3, 17). Crescei cada dia mais e mais em Jesus Cristo com contínuas ações de graças: Abundantes in illo in gratiarum actione (Col 2, 7).

De geração em geração vos louvaremos, Senhor, para dar graças, diz o Salmista[4]. Cada dia, vos bendirei e celebrarei vosso nome nos séculos e na eternidade[5].

Motivos de Ações de Graças

Os inumeráveis benefícios de Deus nos comprometem a dar-Lhe graças e nos impõem o sagrado dever de reconhecimento. Rios de graças descem do céu; rios de ações de graças devem subir até lá, diz São Bernardo; volta aquela água celestial à sua origem, a fim de que caia de novo com mais abundância sobre a terra. Dai graças a Jesus Cristo, que é a virtude e a sabedoria de Deus, por toda virtude e sabedoria de que creiais vos achar dotados[6].

Senhor, diz o Salmista, rompestes minhas cadeias; eu vos oferecerei um sacrifício de ação de graças[7]. O Senhor não dispensou iguais benefícios a todas as nações, nem lhes deu a conhecer, como a nós, seus altos juízos[8].

Recordarei as obras de Deus, e anunciarei o quanto vi, diz o Eclesiástico[9]. A conservação do mundo não é mais que uma criação contínua. Semelhante conservação equivale a uma criação a cada instante. Assim que se põe o sol, desaparecem os raios que emitia ao seu redor: da mesma maneira cairia o mundo no nada de que foi tirado, se Deus cessasse de operar. É o que nos diz o Rei Profeta. Pela palavra do Senhor, fundaram-se os céus, e pelo espírito de sua boca se formou todo o seu concerto e beleza[10] .

Seja porque Deus vos conceda consolos e bênçãos sensíveis, seja porque que Lhe apraz vos experimentar, bendizei-O sempre. Ele vos acaricia para impedir vossa queda; fere-vos para ajudar-vos a levantar.

A ação de graças, quando Deus fere, é o mais seguro remédio para a ferida. Não há palavras mais santas que as que expressam a gratidão na adversidade, diz São João Crisóstomo; é uma linguagem nada inferior, por certo, ao dos mártires, ambos são coroados da mesma maneira[11].

Bendize ao Senhor, ó minha alma, e bendize também seu santo Nome tudo quanto há em mim, diz o Salmista.

Bendize o Senhor, ó minha alma, e não esqueças jamais seus benefícios[12]. Em vista de seu grande número, exclama o Profeta, transportado de gratidão, “Que hei de dar ao Senhor por tudo o que me deu?” [13].

Davi, diz o Eclesiástico, em todas as suas ações deu graças ao santo e excelso Deus com palavras em sua glória[14].

Aprendamos de Davi a atribuir a Deus a glória das obras boas que fazemos; e digamos com ele: Não somos nós, Senhor, não somos nós que devemos ser glorificados, senão que o deve ser vosso Nome, vossa misericórdia e vossa verdade[15]. Repitamos com Isaías: Sois vós, Senhor, que haveis operado em nós todas as ações: Omnia opera mostra operatus est nobis (Is 26, 12).

Tudo quanto possuímos e tudo o que somos, vem de Deus, devemos, pois, dar-Lhe graças sempre e em todas as coisas…

Todos devemos dar graças a Deus

Dar-se-á conta de todos os benefícios recebidos e se converterá ao Senhor toda a extensão da terra, diz o Salmista: Reminiscentur et convertentur as Dominum universi fines terrae (Sl 21, 28).

Começo por dar graças a meu Deus por Jesus Cristo e por vós todos, diz São Paulo aos Romanos: Primum quidem gratias ago Deo meo per Jesum Chistum pro ominibus vobis (Rm 1, 8).

Graças a Deus!… nada pode abrigar nossa alma, nada pode expressar nossa língua, nada melhor que estas palavras pode traçar nossa pluma.

Graças a Deus, diz Santo Agostinho. Nada pode se dizer com maior brevidade, nem ouvir-se com maior alegria; nada pode se conceber de maior, nada de mais vantajoso pode se fazer[16].

Nada, diz São João Crisóstomo, nada nos faz crescer tanto em virtude, nem nos põe diariamente em relação com Deus, fazendo-nos conversar com Ele, como o render-lhe o tributo de continuas ações de graças[17].

Outra vantagem da ação de graças a indica o mesmo Doutor. Nas adversidades, os maus maldizem a Deus, e os cristão Lhe dão graças. Vede quão grande é esta filosofia: podeis ganhar a Deus e confundir o inferno[18].

São João Crisóstomo assinala também outra vantagem da ação de graças: Deus, diz, exige de nós manifestações de gratidão, não porque necessite delas, senão a fim de que obtenhamos todo o mérito que elas encerram, e nos façamos dignos de maiores auxílios[19].

A todas estas vantagens, todavia, acrescenta outra São João Crisóstomo, quando diz que a ação de graças tem todo o mérito da profissão de fé do mártir. Davi, diz o Eclesiástico, deu graças a Deus, louvou-o de todo o coração; e o Senhor, para lhe recompensar, fez-lhe triunfar de seus inimigos[20].

Que podemos oferecer a Deus?

O que posso oferecer a Deus que seja digno dele? Buscais, pergunta Santo Agostinho, qual dom podeis oferecer a Deus, a fim de que Ele vos seja propício? Oferecei-vos a vós mesmos; porque o que exige o Senhor senão a vossa alma? Entre todas as criaturas da terra a mais perfeita é o homem; e Deus vos quer a vós, a vós mesmo que vos perdestes[21].

Que darei ao Senhor por todos os bens de que me cumulou? diz o rei Profeta. Receberei o cálice da salvação, me resignarei a bebê-lo por mais amargo que seja, e invocarei o nome do Senhor[22]. É preciso dar nosso coração sem reserva…

A gratidão é rara

A multidão, diz o bem-aventurado Tomás Moras, escreve os benefícios na areia e esculpe as ofensas no mármore: Vulgus hominum beneficia pulveri, maleficia marmori insculpit (Ita Ribadem., in euis vita). Os filhos de Efraim esqueceram-se dos benefícios de Deus, diz o Salmista: Obliti sunt benefactorum ejus (Sl 77, 11).

O filho honra a seu pai, diz o Senhor pelo profeta Malaquias; se sou o Pai de todos os homens, onde está a honra que se me tributa? Se sou dono e Senhor, onde está o temor a mim? Filius honorat patrem: si ergo Pater ego sum, ubi est honor meus? Si Dominus ego sum, ubi est timor meus? (Mal. I, 6).

Deus é nosso Pai:

  1. porque é nosso criador;
  2. porque nos conserva e nos governa; e
  3. porque é o autor de nossa fé e das graças pelas quais nos justifica e nos adota como filhos seus e herdeiros de seu reino.

É Senhor nosso por esses títulos e também pelos seguintes:

  1. por haver-nos resgatado com seu Sangue;
  2. por ser o Rei supremo a quem toda criatura está obrigada a servir;
  3. por haver-nos tomado por servidores e obreiros de sua vinha, propondo-nos em recompensa a glória eterna.

Jesus Cristo curou a dez leprosos; somente um Lhe foi dar graças. Esta ingratidão dos nove leprosos sentiu-a vivamente o Deus de bondade, e se queixou amargamente. Não curei a dez? disse. E onde estão os outros nove? Nonne decem mundati sunt? Et novem ubi sunt? (Lc 17, 17).

O povo, diz o Salmista, esqueceu-se dos benefícios de Deus e de sua maravilhas: Obliti sunt benefactorum ejus et mirabilium ejus quae ostendit eis (Sl 77, 11). Esqueceu-se do Deus que lhes havia dado a liberdade, que encheu o Egito com seus milagres, a terra de Cam com seus prodígios e no mar Vermelho fez resplandecer suas terríveis maravilhas (Sl 105 21).

A ingratidão é um crime

Alimentei a meus filhos, diz o Senhor por Isaías, eduquei-os, e ele me desprezaram: Filios enutrivi, et exaltavi, ipsi autem spreverunt me (Is 1, 2). O boi conhece a seu dono, o jumento seu estábulo: Israel não me conheceu (Is 1, 3).

O povo engordou, diz o Deuteronômio, e se rebelou: grosso, pesado e farto, abandonou a seu Criador, e se distanciou de Deus, sua salvação: Impignatus, incrasatus, dilatatus recessit a Deus, salutar suo (Dt 32, 15).

O homem de minha paz, diz o Senhor pelo Salmista, em quem eu tinha posta minha confiança, e que comia em minha mesa, demostrou as intenções traidoras que abrigava contra mim[23]. Se meu inimigo houvesse sido ingrato, eu teria tolerado; porém tu, querido de meu coração, que assistias a meus conselhos e vivias familiarmente comigo, me esqueceste (Sl 54, 12-13).

Levarei este povo à terra pela qual fiz um juramento a seus pais, disse o Senhor ao Moisés, a terra pela qual correm rios de leite e mel. Porém, quando estejam saciados e tenham engordado, dirigir-se-ão a deuses estranhos e lhes oferecerão seus serviços; far-me-ão ultrajes e farão ilusória minha aliança[24].

É assim que agradeces os benefícios do Senhor, povo estúpido e demente? Não é Ele o teu Pai, teu Dono e Criador (Dt 32, 6).

Tu abandonaste ao Deus que te gerou; tu te esqueceste do Senhor que te criou: Deum qui te genuit dereliquisti et oblitus es Domini creatoris tui (Dt 32, 18). Céus, emudecei de assombro; portas do céu, chorai profundamente, exclama o Senhor pela voz de Jeremias; meu povo cometeu duas faltas: abandonou- me a mim, manancial de água viva, e cavou cisternas cheias de rachaduras e incapazes de conter água[25].

O ingrato, diz o Eclesiástico, abandonará a seu libertador: Ingratus derelinquet liberantem se (Eclo 29, 22).

O copeiro do Faraó, carregado de ferros no fundo de um calabouço, teve um sonho misterioso; José explicou-lhe o sonho anunciando-lhe que em três dias obteria a liberdade. Rogo-vos tão somente que, quando estiverdes feliz, recordeis de mim, acrescentou José, e me alcanceis misericórdia, fazendo que Faraó me tire deste cárcere (Gn 40, 14). Assim, prometeu-lhe o copeiro; porém, esqueceu-se do intérprete: Oblitus est interpretis sui (Gn 40, 23). Quantos ingratos se esquecem de Deus, e imitam o crime daquele copeiro…!

Males e desgraças que a ingratidão causa

A ingratidão, diz São Bernardo, é inimiga da alma, dissipa os méritos, afugenta a virtude, impede que nos aproveitemos dos benefícios; a ingratidão é um vento abrasador que seca o manancial da piedade, o sereno da misericórdia, os canais da graça; é inimiga da graça e da salvação. Nada é mais desagradável a Deus. Fecha as vias que podem nos comunicar seus dons; ali onde se ache, a graça não pode mais aproximar-se nem tomar lugar[26].

Castigos que a ingratidão atrai

O povo ante os prodígios operados em seu favor pelo Altíssimo esqueceu no deserto a seu Benfeitor. Por este motivo, o fogo da cólera divina se incendiou contra a raça de Jacó, e seu furor estalou contra Israel, diz o real Profeta[27]. Levantou sua mão sobre eles, a fim de exterminá-los no deserto, abatê-los e dispersá-los.

A esperança dos ingratos se derrete como o gelo do inverno; correrá como água inútil, diz a Sabedoria: Ingrati enim spes, tamquam hibernalis gracies, et tabescet (Sb 16, 29).


Referências:

[1] Exaltabo te, domine, quoniam suscepisti me (Psalm. XXIX, 2).

[2] Nos enim populus tuus et grexpascuae tuae confitebimur tibi in sempiternum (Psalm. LXXVIII, 13).

[3] Memoriam abundantiae suavitatis tuae eructabunt (Psalm. CXLIV, 17).

[4] In generationem et generationem adnuntiabimus laudem tuam (Psalm. LVIII, 13).

[5]  Per singulos dies benedicam tibi et laudabo nomen tuum in saeculum et in saeculum saeculi (Psalm. CXLIV, 2).

[6] Ad locum unde exeunt, revertantur flumina gratiarum, ut iterum fluant; remittatur ad suum principium celeste profluvium, quo uberius terrae refundatur in omnibus gratias agentes quidquid sapientiae, quidquid te habere virtutis confidis, Dei virtuti, Dei sapientiae, deputa Christo (Serm. XIII, In Cant.).

[7] Dirupisti vincula mei; tibo sacrificabo hostiam laudis. (Psal. CXV 16-17).

[8] Non fecit taliter omni nationi, et judicia sua non manifestabit eis (Psal. CXLVII, 20).

[9] Memorero operum Domini, er quae vidi, annuntiabo (42, 15).

[10] Et spiritus oris eius omnis virtus eorum (Psal. XXXII).

[11]  Nihil hac lingua sanctius, quae in adversis gratias agit; certe non inferior est lingua martyrum, utraque pariter coronatur (Homil. ad pop.).

[12]  Benedic, anima mea, Domino, et omnia quae intra me sunt, nomini sacto ejus. Benedic, anima mea, Domino, et noli oblivisci omnes retribuitiones ejus (Psal. CII, 1-2).

[13] Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? (Psalm. CXV, 1-2).

[14] In omni opere dedit confessionem santo, et excesso in verbo gloria (Eclo. XLVII, 9).

[15]  Non nobis Domine non nobis sed nomini tuo da gloriam super misericordia tua et veritate tua (Psal. CXIII, 9).

[16] Deo gratias quid melius, et animo geramos et ore promamus, et calamo exprimamos quam [Deo] gratias? Hoc, nec dici brevis, nec audire faetius, nec intelligi grandius, nec agi fructuosus potest (Epist. V. ad Marcellinum).

[17] Nihil aeque fecit in virtute crescere, atque cm Deo assidue versari et colloqui, et perpetuo gratias [agere] (In Psalm. XLIX).

[18]  In adversis infideles maledicunt, Christiani gratias agunt. Vide quanta sit haec filosofia; tum Deum laetificas, diabolumpudefacis (In Psalm., VII).

[19]  Deus exigit a nobis gratitudinem, non quod mostra celebratione opus habeat, sem ut quidquid est lucri, iterum ad nos redeat, ut dignos nos faciamus majoribus subsidiis (Homil. VII in Epist. Ad Coloss.).

[20] De omni corde suo laudabit Dominum, et dilexit eum: et dedit illi contra inimicos potentiam (Eclo. XLVII, 10).

[21]  Quid dignum offeram Domino? Quaerebas quid offeres pro te? Offer te: quid enim Dominus? Quaerit a te? Quia in omni criatura terrena nihil melius fecit te. Quaerit te a te, quia tu perdideras te (Sententiis).

[22] Calicem salutares accipiam et nomem Domini invocabo (Psal. CXV, 13).

[23]  Etenim homo pacis meae in quo speravi qui edebat panes meos magnificavit super me subplantationem (Psalm. XL, 10).

[24]  Cumque comederint et saturati crassique fuerint avertentur ad deos alienos et servient eis et detrahent mihi et irritum facientpactum meum (Deut. XXXI, 20).

[25]   Obstupescite caeli super hoc et portae eius desolamini vehementer dicit Dominus duo enim mala fecit populus meus me dereliquerunt fontem aquae vivae ut foderent sibi cisternas cisternas dissipatas quae continere non valent aquas (Jer. II, 12-13)

inimica salutis. NIhil ita displicet Deo. Vias obstruit gratiae; et ubi fuerit illa, jam gratia accessum nom invenit, locum non habet (Serm. XI, I, in Cant.).

[27]  Obliti sunt benefactorum eius (Psal. LXXVII, 11). Ideo… et ignis accensus est in Iacob et ira ascendit in Israhel (Psalm. LXXVII, 21).

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