Capítulo XIV
Jesus Instituiu o ato essencial do Sacrifício; a consagração. Aos Apóstolos e à Igreja deixou o cuidado de desenvolver e cercar das cerimônias rituais este ato tão simples mas tão sublime: a Consagração.
Para fazer realçar a grandeza infinita, a indizível majestade do dom divino, a Igreja que tão bem conhece e atende as necessidades dos seus filhos, que não podem elevar-se à meditação dos mistérios sobrenaturais sem o auxílio das coisas sensíveis, estabeleceu ritos exteriores, relativos à majestade do Sacrifício e conformes às nossas necessidades. Assim determinou que certas partes da Missa fossem celebradas em voz baixa e outras em voz alta; empregou as cerimônias mais variadas, as bênçãos, o canto, o incenso, as luzes, os ornamentos sagrados e outras instituições semelhantes, sancionadas pela disciplina eclesiástica.
Os inimigos da Igreja perguntam, às vezes, com tanta ignorância como má fé:
«Para quê tantas cerimônias? Deus quer a simplicidade»
— Mas, senhores, quem então ordenou aos judeus tantos ritos, tantas cerimônias?
E não é o nosso Sacrifício mais santo, mais augusto que todos os sacrifícios da lei antiga?
Os próprios Protestantes cordatos não só admitem a necessidade, a utilidade, a conveniência destas belíssimas cerimônias, mas vêem-se obrigados a confessar a lamentável frieza na liturgia! Protestante que pela sua tristeza apresenta um contraste flagrante ao cerimonial sublime, encantador da Igreja Católica.
Em três categorias podem classificar-se as cerimônias da Missa instituídas pela Igreja:
1.ª Há um grande número delas com um motivo simbólico e têm uma significação moral ou mística. A Igreja instituiu-as para ter uma linguagem, que fale aos olhos dos assistentes, recordando-lhes os ensinamentos da fé ou as lições da moral cristã. Tais são, por exemplo, o uso do incenso, a mistura da água e do vinho ao ofertório, a fração da hóstia e a junção de uma parcela ao Precioso Sangue antes do Pater Noster.
2.ª Outras são por natureza atos exteriores do culto e a expressão sensível dos sentimentos religiosos. Tais são o bater no peito, a inclinação do corpo, as genuflexões.
3.ª A terceira categoria, emfim, é das que a Igreja estabeleceu com o único fim de rodear o Mistério augustíssimo de mais respeito e conveniência, e são inspiradas na veneração devida à Santa Eucaristia. Tais são, por exemplo, as rubricas, que prescrevem ao celebrante que se aproxime do altar com os olhos baixos, o passo grave e a cabeça descoberta.
A maior parte destas cerimônias todas são de um simbolismo transparente, cuja significação facilmente se compreende. Outras, ainda que não menos instrutivas, têm um sentido mais misterioso. Como no exemplo de São João Facundo, podemos apropriar-nos das palavras do Prior:
— A Missa tem mistérios tão profundos que a mente humana enche-se de temor ao meditá-los.
Com efeito, estes ritos sublimes, tão próprios para elevar as nossas almas, não são um mero produto do espírito humano. São uma obra prima composta pela Igreja com a ajuda e inspiração do Espirito Divino. Deste edifício tão belo e grandioso da liturgia, as linhas principais, pelo menos, devem haver sido traçadas por Jesus mesmo. Os Atos dos Apóstolos dizem que, antes de subir ao Céu, Nosso Senhor ficou ainda quarenta dias sobre g terra instruindo os seus Apóstolos em tudo que respeita ao reino de Deus, isto é, em tudo que respeita à Igreja e à sua constituição. Decerto não é temeridade supor que as cerimônias essenciais da oblação da grande Vítima foram o objeto principal destas últimas instruções do Divino Mestre.
Por isso os Apóstolos, depois que partiram para evangelizar o mundo, feitos «dispensadores dos sagrados mistérios», instituíram — diz o Concílio de Trento — «as bênçãos místicas, os círios acesos, os incensamentos, as vestes sagradas, e em geral tudo o que podia fazer sobressair a majestade deste grande sacrifício e levar a alma dos fiéis, por meio de sinais visíveis, à contemplação das coisas sublimes ocultas n’este profundo mistério».
Pelas tradições eclesiásticas sabemos que, dóceis às ordens do Divino Mestre, os Apóstolos estabeleceram em todas as regiões onde levavam o Evangelho, uma liturgia, que, apesar de ligeiras divergências externas, conservava essencialmente um fundo idêntico. São Tiago compôs a liturgia da Missa em uso na Igreja de Jerusalém; São Marcos a de Alexandria; São Pedro redigiu em Roma o cânon da Missa em termos quase iguais aos ainda hoje em vigor.
O Altar
O altar existe em todas as religiões. Até os pagãos tinham altares.
Antes de Deus dar no monte Sinai a Sua lei, os homens piedosos erguiam altares com pedras, ou um pequeno montão de seixos, aplanado na parte superior. Noé ao sair da arca ergueu um destes altares, como mais tarde o fizeram Abraão, Isaac, Jacó, Moisés.
No templo de Jerusalém havia dois altares; o dos holocaustos e o do incenso.
A lei nova não podia deixar de ter também altar, onde se celebrasse o ato mais solene, mais alto, mais santo do seu culto; o Sacrifício da Vítima eterna e puríssima.
O altar cristão é uma superfície horizontal, destinada exclusivamente à celebração do Santo Sacrifício.
O primeiro altar da Lei Nova, foi a mesa sobre a qual foi servida a Última Ceia de Jesus com os Seus discípulos. E é crível que nos primeiros tempos da Igreja o Sacrifício da Missa fosse celebrado sobre mesas de madeira. Segando a tradição, dois altares de madeira existentes em Roma, um em São João de Latrão, outro em Santa Pudenciana, serviram a São Pedro para celebrar Missa, durante o seu pontificado romano. Num deles lê-se esta inscrição em latim:
«Sobre este altar oferecia São Pedro o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, pelos vivos e defuntos, para aumentar o número dos fiéis»
A simplicidade e dificuldades da Igreja nascente e a necessidade de transportar o altar em caso de perseguição, tornam plausível a opinião de que os altares foram a princípio de madeira. Mas logo que o culto pode ser exercido com mais liberdade e foi possível construir Igrejas, os altares começaram a ser de pedra e adornados com maior magnificência. Não se sabe ao certo de quando data a proibição dos altares de madeira, que alguns atribuem ao Papa São Silvestre (314); é certo que em 517 um concílio ordenava que só altares de pedra poderiam ser consagrados. Antes disso, quando à Igreja foi dada a liberdade civil, a munificência do imperador e de muitos particulares mandava fazer altares de ouro, prata, pedras preciosas, etc. tornando-se célebre o altar da basílica da Divina Sabedoria (Santa Sofia), em Constantinopla, reputado uma das maravilhas da época.
Durante as perseguições, o Santo Sacrifício era celebrado sobre a sepultura dos mártires, nas catacumbas. Daí a forma de túmulo que ainda hoje se dá ao altar e o uso de depor nos altares as relíquias doa santos, que também nos recordam a nossa comunhão com os santos. O uso das velas é também derivado das catacumbas, onde os cristãos precisavam de luzes para se alumiarem nas longas galerias subterrâneas. Já diremos a significação das Velas.
Hoje os altares devem ser de pedra ou, pelo menos, é necessário um pequeno quadrado de pedra (a pedra d’ara) consagrada pelo bispo, que contenha relíquias de Santos; sobre esta pedra é que se coloca a hóstia e o cálice, porque Jesus Cristo, que deve repousar sobre o altar, é o fundamento e a pedra angular da Igreja.
O altar é coberto com três toalhas de linho, para prevenir o acidente de se derramar o Precioso Sangue e também para significar como Jesus estava envolto no presépio e no túmulo.
Sendo o altar destinado à renovação do Sacrifício da Cruz, ergue-se sobre ele um crucifixo, para recordar aos fiéis a paixão e morte de Jesus, que se estão repetindo incruentamente no altar.
As Velas
De cada lado do crucifixo coloca-se uma vela de cera, acesa. A luz é o símbolo da alegria.
Por isso é costume dos povos acender muitas luzes, em sinal de regozijo. Daí as danças à luz dos archotes, a iluminação dos edifícios, etc. No altar, as luzes significam a nossa alegria por receber a luz do Evangelho. Usam-se velas de cera por ser esta o produto mais puro do reino animal, como o azeite, usado nas lâmpadas, o é do reino vegetal. Além disso a vela de cera simboliza Jesus Cristo, a verdadeira luz do mundo; a cera significa a natureza humana; a chama, a Sua divindade. Da mesma sorte que a chama se alimenta da cera, assim a divindade de Jesus se manifesta na natureza humana pelos milagres e doutrina; assim como a vela se consome para alumiar os outros, assim Jesus Cristo imola a Sua humanidade para noa ajudar a chegar à luz da bem-aventurança eterna.
A Cruz
Sobre o altar, a que o sacerdote sobe, está a cruz. Antes de começar o Sacrifício augustíssimo, o celebrante faz o sinal da Cruz. A cruz sobre o altar, a cruz nos paramentos, o sinal da cruz que o sacerdote faz sobre si, sobre o cálice, sobre o povo, repetido um sem número de vezes durante o Sacrifício, mostram ainda mais claramente que a Missa é o Calvário, é a imolação do Filho de Deus pelo pecado.
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 100-105)