ESTÁ a multiplicasse, no mundo moderno, um novo tipo de homem. Se algum leitor vier a reconhecer aqui o seu próprio retrato, que pare, reflita e mude. O novo homem é o homem-massa, que já não preza a sua personalidade, mas pretende submergir-se na coletividade ou multidão. Este homem-massa pode ser reconhecido pelos traços seguintes:
1) Não tem originalidade de opinião; nada lê a não ser o que encontra no jornal diário, na revista ilustrada, ou um ou outro romance. Tem apenas um ponto de vista diferente para emitir sobre um assunto comum, mas não um novo princípio ou solução.
2) Odeia a tranquilidade, a meditação, o silêncio, tudo o que lhe dá ensejo de penetrar nos abismos da sua alma. Tem necessidade do ruído, das multidões, do rádio, quer dê atenção a este quer não.
3) A evasão ou fuga de si mesmo é indispensável. Álcool, cacharoletes, romances policiais, cinema, tomam-se em doses constantes, para encher o vazio do tempo. Como o gênio ama a concentração, assim ele procura a dissipação, particularmente o prazer sexual, para que a excitação do momento possa desvanecer a consideração do problema da vida.
4) Prefere ser influenciado a influenciar, é sensível à propaganda, aos incitamentos da publicidade e, geralmente, tem um articulista predileto que pensa por ele.
5) Crê que todos os instintos devem ser satisfeitos, sem importar que essa satisfação esteja ou não de acordo com a reta razão; não é capaz de compreender a abnegação ou a continência; considera a incontinência da língua como sinônimo de liberdade, e nunca, em questões vitais, é senhor de si mesmo.
6) O que julga bom ou mau muda como o cata-vento; as posições que assume outra coisa não são que uma série de contradições, os carris mentais que assenta num mês remove-os no mês seguinte. Não vai para nenhures, mas tem a certeza de que está a caminho. Para com o passado não se sente grato, nem responsável para com o futuro. Tudo o que importa é distrair-se, de tal maneira que a vida se converta numa estranha manta de retalhos, nenhum dos quais dá a chave do enigma da sua contextura.
7) Identifica dinheiro com prazer, procura ter muito dinheiro para ter muito prazer. O dinheiro, porém, há de ser adquirido com o mínimo esforço possível. O eu é o centro de tudo e tudo há de ser referido a ele, tendo o dinheiro por intermediário.
8) Para quebrar a solidão, recorre a uma comunhão «ersatz» com os outros, nos clubes noturnos, nos saraus e nas distrações coletivas. Mas volta de lá mais solitário que antes, acreditando, finalmente, com Sartre que «o inferno são os outros».
9) Sendo o homem-massa completamente estandardizado, odeia a superioridade, quer real quer imaginária, dos outros. Dos escândalos é que ele gosta, porque parecem provar que os outros não são melhores do que ele. À religião aborrece-a, porque pensa que, negando-a, pode continuar a viver como vive, sem remorsos de consciência.
10) Tanto pode dar por um número como por um nome, tão imerso está no espírito gregário. Até a autoridade que invoca é anônima. Repete sempre: «eles», «dizem», ou «eles usam», ou «eles fazem isto». Para não assumir responsabilidade, protege-se com o anonimato. Nas grandes cidades, sente-se mais livre, porque é menos conhecido, mas, ao mesmo tempo, odeia-a, porque ela apaga a sua distinção pessoal. O perfeito símbolo do homem-massa impessoal é o número de seguro, que o torna ainda mais estranho a si mesmo.
São estas as dez características do homem-massa que é a matéria-prima de toda a forma de totalitarismo, desde o fascismo ao comunismo. Psicologicamente, é também o tipo do homem infeliz, roído de desespero, de ansiedade, de medo, de preocupação pela falta de sentido da vida. Apesar disto, a sua situação não é desesperada, se quiser entrar em si mesmo. A única razão por que quer andar perdido no meio da multidão é não poder suportar a sua miséria íntima. Por consequência, deve segregar-se das massas e agarrar-se a si mesmo. A fuga é covardia e evasão, especialmente a fuga para o anonimato.
É preciso que se seja animoso para se poder olhar para o espelho da própria alma, embora aí tenham de ver-se as deformações causadas pelo mau proceder. Não é asserto banal dizer que os homens devem ser homens, e não átomos duma massa. Uma vez que o homem veja ás chagas que a si mesmo infligiu, imediatamente deve apresentá-las ao Médico Divino, para serem curadas. Foi a estes homens cansados, aos homens-massa, que Ele dirigiu o apelo:
«Vinde a Mim todos os que trabalhais e estais duramente oprimidos, e encontrareis descanso para as vossas almas»
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 202-205)