TODOS nós queremos a felicidade. Mas, se somos sensatos, todos deveríamos nos convencer de que no prazer há três leis, que, uma vez seguidas, tornarão a consecução da felicidade incomensuravelmente mais fácil.
Primeira lei — Podemos contar com horas felizes; mas a vida não se há de planear como se constasse somente de horas felizes. O prazer é como a beleza; é condicionado pelo contraste. A mulher que quer fazer sobressair um vestido de veludo preto, não irá colocar-se, se tem o sentido da realidade, em frente duma cortina preta, mas duma cortina branca. Ela carece do contraste. O fogo de artifício não deliciaria, se, ao ser lançado, tivesse por fundo clarões de um incêndio ou esplendor de um sol do meio-dia; é preciso que surja da escuridão.
Os lírios dão-nos um prazer especial, porque as suas pétalas se erguem, contra toda a expectativa, das águas de lagos imundos. O contraste é necessário para nos ajudar a ver as coisas na sua vívida realidade.
Pelo mesmo princípio, o prazer é mais apreciado quando vem até nós como um «regalo», em contraste com as nossas experiências pouco agradáveis. Cometemos um grande erro se, em todas as noites, tentarmos organizar um sarau. Ninguém apreciaria o Dia de Ação de Graças (1), se, em todos os jantares, se comesse peru. A véspera do Ano Novo não nos divertiria, se as sirenes vibrassem todas as noites à meia-noite.
Do contraste depende não só a graça mas ainda o prazer colhido de uma situação engraçada. Se um mestre de cerimônias pouco atento coloca na cabeça do Bispo a mitra a pender para um lado, isso far-nos-á rir; tal não sucederia, se todos os Bispos usassem sempre as mitras obliquamente.
O prazer de viver é largamente aumentado, se seguirmos o preceito espiritual de aplicar à nossa vida a mortificação e abnegação. Esta prática preserva-nos de nos cansarmos do prazer; não deixa embotar-se o gosto sadio e a alegria de viver. As cordas da harpa da nossa vida, se se afrouxam, desafinam; se, porém, as retesarmos, contribuímos para a sua harmonia. A autodisciplina devolve-nos a emoção da infância, quando eram racionados os nossos prazeres, quando nos servíamos da sobremesa sempre ao fim da refeição e não ao princípio.
Segunda lei — O prazer, que sobreviveu a um momento de tédio ou dor, adquire profundidade e realce. Esta lei ajuda os nossos mais apreciados prazeres a perdurar. Para isso, devemos prosseguir naquilo que estamos a fazer até os ventos correrem outra vez favoráveis. Depois de passado o primeiro momento de fadiga deprimente, mais se aprecia a ascensão duma montanha. Depois de vencido o primeiro impulso para desistir de um trabalho encetado, mais interesse se porá nele.
Do mesmo modo os casamentos só se tornam estáveis, quando a desilusão acabou com a lua de mel. O grande valor do voto conjugal está em manter unido o casal na primeira desavença; entretanto, ajuda-os a vencer dificuldades do primeiro período de ressentimento, até de novo soprarem ventos propícios que lhes façam sentir a felicidade de estarem juntos. As alegrias conjugais, como as grandes alegrias, nascem de qualquer dor. Assim como é preciso quebrar a noz para saborear a polpa, também, na vida espiritual, a cruz é o prelúdio da coroa.
Terceira lei — O prazer é um produto acessório, nunca um fim. A felicidade deve ser a nossa dama de companhia, e não noiva. Cometem muitos o grande erro de pôr a sua absoluta finalidade no prazer; esquecem-se de que o prazer provém somente do cumprimento do dever ou da obediência à lei, porque o homem foi feito para obedecer, tão necessariamente, às leis da sua natureza, como à lei da gravidade. Um rapaz sente prazer ao sorver um gelado, porque satisfaz um dos deveres da natureza humana: comer. Se, porém, comer mais do que as leis do corpo permitem, já não alcançará o prazer que procura, mas antes a aflição duma dor de estômago. Buscar o prazer, com desprezo da lei, é perdê-lo.
Há de o prazer estar no princípio ou no fim das nossas ações? Para esta questão, há duas respostas: a cristã e a pagã. A cristã diz:
«Começai por jejuar e terminai por um banquete, e, então, saboreá-lo-eis realmente»
A pagã diz:
«Começai por um banquete e terminai, na manhã seguinte, com uma dor de cabeça»
Referências:
(1) A última quinta-feira de Novembro, em que a América do Norte agradece a Deus as Suas mercês, e desfruta um festivo feriado com um alimento próprio do dia. – Nota do Tradutor.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 46-48)