Por Dom Henrique Soares da Costa
Terminado o tempo pascal com a Solenidade de Pentecostes, a Liturgia celebra a Santíssima Trindade.
Após proclamar nos santos mistérios que o Pai entregou o Filho por amor ao mundo na potência do Espírito Santo e, no mesmo Espírito Eterno, O ressuscitou dos mortos para nossa salvação, a Solenidade de agora é um modo que a Igreja encontra para louvar, engrandecer e adorar na proclamação exultante, o amor sem fim da Trindade Santa, o Deus Triuno que nos criou, que nos falou, que veio a nós, que nos reúne como Igreja, que em nós habita e que nos chama e nos conduz à comunhão com Ele por toda a Eternidade.
Estejamos atentos: por confessar a fé na Santa Trindade, os cristãos têm um modo absolutamente original de compreender Deus.
Os judeus sabem que Deus é um só: Aquele que os arrancou da terra do Egito, da casa da servidão. Ouvimos falar Dele na primeira leitura:
“Reconhece hoje e grava em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além Dele”
Os muçulmanos afirmam que não há outro Deus a não ser o único Deus de Abraão. Neste sentido, esta é também a nossa fé. Deus é um só, uma Essência eterna, infinita, onipotente, imutável, que não pode ser limitado, não pode ser compreendida, não pode ser dividida, não pode ser multiplicada e, em Si mesma, não pode ser representada nem por imagem, nem por conceito, nem por palavra… Deus é absolutamente um: Ele é Amor todo inteiro, inteiro na Beleza, inteiro na Infinitude, inteiro na Onipotência e na Onipresença. Pois bem, como os judeus e como os muçulmanos nós confessamos firmemente que só há um Deus, absolutamente uno, Senhor do céu e da terra, diferente e para além de tudo quanto existe, de tudo quanto possamos compreender e imaginar.
No entanto, caríssimos, contemplando Jesus ressuscitado, todo glorificado, todo divinizado na Sua natureza humana por obra do Espírito de Deus, nós proclamamos com o Novo Testamento e todas as gerações cristãs, que o nosso Salvador, o nosso Jesus amado, é Deus bendito pelos séculos, enviado pelo Pai, que é Deus, para nossa salvação; enviado na potência do Espírito que é também divino e divinizante, Paráclito que não é algo de Deus, mas Alguém de Deus, uma Pessoa, na qual o Pai ressuscitou o Filho Jesus e, habitando em nós, dá testemunho da divindade do Pai e do Filho, enche-nos de Vida divina, guia-nos, sustenta-nos, ilumina-nos.
Ouviram, amados, as palavras de São Paulo na segunda leitura? Elas davam testemunho das Três divinas pessoas: do Pai que enviando em nós o Espírito do Filho nos faz filhos no bendito e único filho Jesus. Eis o que dizia o Apóstolo:
“O próprio Espírito Se une ao nosso espírito para nos atestar que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo”…
Então, eis a nossa fé, que transborda a humana lógica, transcende o balbuciar de nossa pobre linguagem, ultrapassa nossos limitados e tateantes paradigmas: Deus é um só, absolutamente. Enquanto a natureza humana, apesar de genericamente uma só, se multiplica nos indivíduos humanos, a natureza divina é absolutamente una, indivisível e imultiplicável, una não só genérica, mas também numericamente; e, no entanto, essa natureza é, ao mesmo tempo e perfeitamente, Pai, Filho e Santo Espírito. A natureza divina está todinha no Pai e, incompreensivelmente, todinha no Filho e, ainda, todinha no Espírito Santo. A unidade em Deus é incompreensível, absolutamente perfeita e eterna. Assim sendo, em Deus não há três vontades iguais, mas uma só vontade; não há três poderes iguais, mas um só poder, não três consciências iguais, mas uma só consciência. Mais uma vez: Deus é absolutamente UM! E, no entanto, os três divinos são absolutamente diversos: só o Pai gera, só o Filho é gerado, só o Espírito é a própria Geração; só o Pai é o Amante, só o Filho é o Amado, só o Espírito é o Amor.
E neste amor que circula de modo eterno, perfeito e feliz, o Pai, eterno Amante, tudo criou através do Filho, eterno Amado, na potência do Espírito Santo, eterno Amor. E, por isso, o mundo existe, as estrelas brilham, a vida brota e, sobretudo, nós existimos. Vimos do Pai, pelo Filho, no Espírito; vivemos no Pai pelo Filho no Espírito; vamos para o Pai, através do Filho no Espírito, Trindade Santa, nossa vida e plenitude eterna. É assim que os cristãos confessam o seu Deus como eterno Amor, Amor vivo e circulante que, gratuita e livremente, Se derrama sobre o mundo e sobre a nossa vida. De fato, nós conhecemos o amor de Deus e Sua Vida íntima porque o Pai amou tanto o mundo, a ponto de enviar o Seu Filho e, pelo Filho, derramou no nosso coração o Espírito do Filho que, em nós, clama Abbá, Pai. Por isso, podemos dizer que Deus é amor e, quem não ama, não conhece a Deus! E toda esta Vida divina, amados, nos é dada desde o Batismo, quando fomos mergulhados no Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; e cresce em nós a cada dia, nos sacramentos e na vida cristã, preparando-nos para nosso Destino eterno: plenos do Espírito, sermos totalmente inseridos no Cristo e Nele configurados, para contemplar eternamente o Pai!
Eis um pouquinho, um balbuciar do mistério da santa, consubstancial e eterna Trindade, a Quem a glória e o louvor pelos séculos dos séculos. Amém.