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Desobediência

Desobediência, Tesouros de Cornélio à Lápide

A desobediência é pecado

Se aquele a quem desobedeceis com a violação de seus Mandamentos não fosse mais que vosso Senhor e Dono, diz São Gregório, e não vosso Criador, vosso Redentor e vosso Deus, a transgressão de que vos faríeis culpáveis seria grave; porém, julgai quão grave e vituperável ela é, sendo Aquele a Quem vos negais a obedecer, vosso Deus, vosso Criador, vosso Redentor e Conservador!

Desobedeceis às ordens de vosso Deus que vos tirou do nada, que vos criou à Sua imagem, que vos fez superiores a todos os seres corpóreos, e declarou-vos rei, e rei por toda a eternidade! Não é o vosso Deus, de uma maneira especial, Aquele que vos cumulou de tantos e tão grandes favores?

E, sem embargo, desprezais seus Preceitos, que, embora não sejam comuns a todas as criaturas, vós os deveis observar porque foram feitos para vós, são-vos próprios, e foram depositados sob a guarda de vosso livre arbítrio (Lib. Moral.).

Não obedecer ao Senhor, disse Samuel a Saul, é um pecado equivalente ao de magia; resistir-Lhe é um crime igual ao de idolatria: Quase peccatum ariolandi est, repugnare, et quase scelus idolatriae nolle acquiescere (1 Sm 15, 23).

A desobediência é um pecado equivalente ao de magia; porque não se pode desobedecer a Deus, senão consultando aos demônios e recebendo suas respostas ao pé de seus altares. Resistir a Deus é idolatria; porque aquele que resiste a Deus, adora sua própria vontade e a põe no lugar da de Deus.

Vede a paridade que existe entre a obediência a Deus e o exercício da magia, entra a desobediência e a idolatria.

O adivinho pressagia o futuro por meio de sinais ou indicativos errôneos e enganosos: quem é desobediente interpreta a vontade de Deus ou, melhor dizendo, pisoteia-a, apoiando-se na interpretação de sua razão, de seu juízo, de suas concepções e falsas ideias, nascidas da cegueira, obstinação ou impiedade.

Não e somente isto: à vontade de Deus revelada e conhecida, o desobediente prefere a própria vontade, como se a achasse mais razoável e maior que a de Deus; proclama-se mais sábio e prudente que Ele. Com sua conduta, nega a Onisciência, sua Prudência incomparável, sua Bondade sem limites, seu Poder. Nega, por conseguinte, que Deus seja Deus, e erguendo-se em divindade o seu juízo e a sua vontade, os adora como a seus ídolos.

Porém, o ídolo é um deus mentiroso que emite oráculos falsos. O desobediente que vincula seu juízo e a sua vontade ao juízo e à vontade de Deus, adorando-os como divindades dignas de sua confiança, e consultando-os como oráculos plenos de prudência, é claro que confia e obedece a oráculos enganosos. Combate contra Deus.

Com efeito, o homem que faz sua vontade, despreza a vontade de Deus e declara guerra ao Onipotente, erigindo-se em deus de si mesmo. Assim como o guloso não tem outro deus além de seu ventre; o impudico não tem outro deus além do objeto de sua paixão; o ambicioso, a gloria; o avarento, o ouro; o ébrio, o vinho;… o desobediente também não tem outro deus além de seu próprio juízo.

Isto fez São Bernardo dizer: Compreendeis toda a enormidade de um crime comparado à idolatria e à magia? Os jovens enfermos desse mal tem, ao menos, a obrigação de submeter-se aos anciãos; criticam e desprezam suas ações, e suas palavras com fronte erguida e insolente; julgam-lhes, vituperam-lhes e zombam deles. Porém, sua conduta não ficará impune; com tal comportamento vão de queda em queda; e, longe de prosperarem e serem felizes, caem no infortúnio (Serm. in Psalm.).

Jonas desobedeceu a Deus; o Senhor enviou uma furiosa tempestade; e quando o navio já ia soçobrar, os marinheiros lançaram aquele desobediente ao mar. O mar acalmou-se de repente (cf. Ionas I). Os marinheiros, diz São João Crisóstomo, lançaram primeiro as mercadorias ao mar; porém, não se tornou mais leve o barco. E por que? Porque nada é tão pesado como a desobediência: Nautae jactum fecerunt; navis vero nequaquam alleviatur. Quare? Quia nihil tam onerosum et grave quam inobedientia (Homil. V ad pop.).

Desgraças que a desobediência causa

Se o sol negasse sua luz; se os elementos fossem infiéis à sua missão, e se por desobediência a terra cessasse de ser fecunda, o que seria do homem e do mundo inteiro?

Se os membros do corpo negassem-se a obedecer à alma que lhes comanda, que seria do homem? Se um exército desobedecesse a seu chefe, o que resultaria disso? Se uma nação desobedecesse ao seu governante, aonde pararia a sociedade, o comércio etc.?

Quantas desordens não estalam em uma família na qual os filhos não obedecem nem a seu pai nem a sua mãe? Pois, consequências todavia mais terríveis acarreta o ato de desobedecer a Deus. A alma fica, então, transtornada, confundida, devastada. Tudo nela é cegueira, escravidão, maldição e morte. O Inferno estabelece-se nela, ou melhor, a própria alma é um verdadeiro inferno, podendo-se aplicar aquelas palavras de Jó: Terra de dor e de trevas, na qual se estende a sombra da morte, e habitam a turbação e o horror eterno (Jó 10, 22).

As mesmas consequências brotam para uma nação ou um governo que desobedeça à Igreja[1]. Aquele que vos escuta a vós, escuta-me a Mim, e aquele que vos despreza a vós, a Mim despreza-me: Quia vos audit, me audit; et qui vos spernit, me spernit (Lc 10, 16).

Como o pecado de desobediência, diz São Gregório, é filho do orgulho, os desobedientes resignam-se a escutar as reprimendas que se lhes dirigem; porém, não querem confessar humildemente sua falta, nem corrigir-se.

A serpente disse a Eva: “- Por que Deus vos proibiu de comer o fruto de todas as árvores deste jardim?” Eva respondeu-lhe: “— Comemos os frutos das árvores deste jardim; porém, no tocante à árvore que está no meio do jardim, Deus proibiu-nos tocá-la, senão morreremos”. A serpente replicou à mulher: “— De nenhuma maneira morrereis”. Então, a mulher percebeu que aquele fruto era bom para comer, e bom e deleitável à vista; tomou-o, comeu, e deu dele ao seu marido, que igualmente o comeu (cf. Gn 3, 1-6).

Vede aí uma desobediência grande e formal de que se fizeram culpáveis Adão e Eva. Qual foi o seu castigo?

1.° A perda da inocência;

2.° O sentimento de nudez;

3.° A vergonha;

4.° O temor;

5.° As desculpas;

6.° A concupiscência;

7.° As tentações;

8.° As reprovações;

9.° As dores do parto;

10.° O domínio do homem sobre a mulher;

11.° A maldição;

12.° A diminuição da fertilidade da terra, o trabalho e os suores;

13.° A expulsão de nossos primeiros pais do paraíso terrestre;

14.° A morte;

15.° A corrupção;

16.° A perda do Céu; e

17.° O Inferno.

Porque Adão não quis se submeter a Deus, diz São Gregório, perdeu o direito que possuía de dominar sua carne, a fim de que a confusão de sua desobediência lhe envolvesse inteiramente; e dominado, escravo, conhecesse aquilo que havia perdido por seu orgulho: Adam, quia Auctori suo esse subditus noluit, jus carnis suae, quam regebat, amissit, ut in se ipso inobedientiae suae confusio redundaret, et superatus disceret quid elatus amississet (Lib. XXV, Moral., c. XIII).

Se a alma deseja reinar em seu corpo, diz São Bernardo, e nos próprios sentidos, é necessário que ela também esteja sujeita a seu Dono; porque encontrará seu subordinado, tanto como tenha manifestado respeito Àquele a quem ela deve estar submetida: Anima, si regnare desiderato super membra sua, necesse est ut sit ipsa Superiori suo subjeta; quoniam tale inveniet inferius suum, qualem se exhibuerit superiori (Serm. I in Fest. Omn. Sanct.).

A criatura arma-se para vingar a injúria da desobediência que cometeu contra o Criador: Armatur enim criatura ad ulciscendam sui injuriam Creatoris (Idem ut supra). Que a alma cuja carne rebela-se, saiba, portanto, que não foi rejeitada como corresponde às potências que lhe são superiores: Et ideo noverit anima, quae rebelem sibi invenit carnem suam, se quoque minus quam oporteat, superioribus potestatibus esse subjectam (Idem ut supra).

Também diz Santo Agostinho, acatai a ordem e obedecei a Deus, e a came vos obedecerá. O que se pode acontecer de mais justo e mais belo? Estai sujeitos ao vosso Senhor, e vosso subordinado[2] vos estará sujeito. Servi, pois, Aquele que vos criou, a fim de que aquilo que foi criado para vós, por seu turno, sirva-vos; porque é evidente que, se desprezais o submeter-se a Deus, jamais conseguireis dominar a própria carne. Se não obedeceis ao Senhor, então o vosso escravo vos perseguirá[3].

1.° Quando Adão rebelou-se contra Deus, viu e sentiu que os animais, a terra, seus próprios membros e seus sentidos desobedeciam e rebelavam-se;

2.° Na época do Dilúvio, os homens não quiseram obedecer a Noé que lhes ameaçava com a justiça de Deus; e pereceram todos;

3.° Os sodomitas não quiseram obedecer a Deus; e uma chuva de fogo e enxofre exterminou-lhes;

4.° O Faraó não quis obedecer a Deus; e viu-se obrigado a obedecer aos mosquitos e aos gafanhotos;

5.° Os egípcios não quiseram obedecer a Deus, e foram sepultados no fundo do mar, afundando como chumbo: Submersi sunt quase plumbum in aqui vehementibus (Ex 15, 10);

Se desobedecerdes à voz do Senhor Deus, perecereis, disse Moisés a seu povo: Peribitis, si nobedientes fuerit você Domini Dei vestri (Dt 8, 20). Mas quem se ensoberbecer – acrescentou Moisés, dirigindo-se ao povo – e não quiser obedecer ao mandato do sacerdote, que por aquele tempo for ministro do Senhor vosso Deus, nem ao decreto do Juiz, esse tal será morto; com o que arrancareis o mal do meio de Israel: Qui superbierit, nolens obedire Sacerdotis império, qui ministrat Domino Deo tuo, et decreto Judicis, morietur homo ille, et auferes malum de Israel (Dt 17, 12).

Coré, Datã e Abiron desobedeceram: a terra abriu seus abismos e os sepultou com tudo o que lhes pertencia (cf. Nm 16).

Saul desobedeceu a Deus; e Deus lhe rejeitou. E Samuel disse ao Rei: O Senhor quer que sua voz seja obedecida, pois a obediência vale mais que o sacrifício. E, porque desprezastes a palavra do Senhor, o Senhor despreza-vos, a fim de que não sejais mais rei: Pro eo ergo quod abjecisti sermonem Domini, abjecit te Dominus, ne sis Rex (1 Sm 15, 22-23). Pela desobediência, diz São Gregório, Saul caiu e perdeu a glória da grande dignidade com que havia sido investido: Ideo per inobedientia cecidit, gloriam tantae dignitatis amissit (In haec Verba Script.). Este castigo de Saul foi justo. Em não decidindo submeter-se a Deus, Saul devia ter sido privado de seu reino.

Jonas quer desobedecer a Deus e é lançado ao mar. Passou três dias no ventre de uma baleia, e somente se salvou quando pediu a graça. Jonas, diz São Gregório, caiu em falta, foi precipitado no abismo, e um peixe engoliu-o. A tempestade encontrou o fugitivo de Deus, a sorte algemou-o, o mar recebeu-o, e em uma baleia achou seu cárcere (Lib. VI Moral., c. XII).

Considerando dura a ordem de Deus, Jonas fugiu para longe de Deus, que é a salvação segura daqueles que Lhe obedecem; e entregou-se aos ventos desencadeados, ao mar tempestuoso, às ondas que se levantavam até ao Céu, aos marinheiros infiéis que lhe jogaram ao mar, a um navio que o separava da morte por tão somente uma tábua de quatro dedos de espessura.

Insensato e estúpido é o pecador que desobedece; porque abandonando a seu Criador, coloca sua esperança nas criaturas, entre aquelas nas quais não acha mais que inquietude, turbação, perigos, tempestades, naufrágios e monstros que devoram.

Ouvi a Santo Agostinho: Tenha o cuidado de apaziguar a ira de Deus aquele que queira fugir dela: Qui vult fugere Deum iratum, fugiat ad placatum (Homil.). Obedeçamos a Deus por temor de que Ele nos persiga!

O homem está criado para obedecer a Deus; se Lhe desobedece, obedece ao Inferno. Aquele que não faz a vontade da bondade e da misericórdia de Deus, será submetido à Sua justiça e vingança.


Referência:

[1] Entenda-se “Igreja Católica Apostólica Romana” (Nota do tradutor).

[2] O corpo (Nota do tradutor).

[3] Agnosce ordinem: Tu Deo, tibi caro (obediat) quid justius? Quidpuchrius? Tu majori; minor tibi. Servi, tu, ei qui fecit te, ut tibi serviat quod est factum propter te. Si autem contemnis, tu, servire Deo. Numquam efficies ut tibi caro; qui non obtemperes Domine, torqueris a erro (In Psalm. CXLVII).