Podemos expiar nossos pecados aqui e pagar vantajosamente a nossa pena pela penitência. E o sofrimento, suportado pacientemente, ajuda-nos a fazer o purgatório neste mundo. Diz a Imitação de Cristo:
“Aqui tem grande e saudável purgatório o homem paciente, que, recebendo injúrias, mais se dói da maldade do injuriador que da sua própria ofensa; que roga a Deus, sinceramente, por seus inimigos, e de coração perdoa os agravos e, se alguém o ofendeu, não tarda em pedir-lhe perdão; que mais facilmente se compadece do que se ira; que se faz violência a si mesmo e trabalha por sujeitar de todo a carne ao espírito. Melhor é purgar agora os pecados do que deixá-los para os purgar na outra vida” (1)
A doença, olhada pelo prisma da fé, não é um mal. Deus a permite para nosso bem, para a salvação de nossa alma. Fere o corpo para que não morra a alma. Ela nos oferece grandes vantagens. Separa-nos dos loucos e pecaminosos prazeres do mundo. Abate o corpo, que é sempre instrumento do pecado. Afasta-nos das criaturas, da dissipação e de muitas faltas graves. Faz-nos pensar na eternidade e na loucura das vaidades humanas.
Antes sofrer agora... depois... depois será terrível! Agora, nossas orações, sacrifícios esmolas têm um valor de certo modo infinito, pelos méritos do Sangue Preciosíssimo de Jesus Cristo. Podemos fazer por nós, isto é, ganhar para nossa alma aqui, e para as almas que sofrem no purgatório. Depois... ah!, quando nossa alma se separar do corpo, daremos contas até de uma palavra ociosa, como diz o Evangelho, e pagaremos até o último ceitil das nossas dívidas para com Deus. Agora quanto mérito e quanta riqueza para a vida eterna! Aproveitemos o tesouro da misericórdia de Deus. Não abusemos da graça. Aproveitemos, sobretudo, o tesouro infinito da Santa Missa. É o que melhor podemos dar às almas de nossos entes queridos. A Santa Missa é o primeiro e o maior dos sufrágios pelos mortos. Por ela se apagam nossos pecados e aliviadas são as almas do purgatório. Afirma São Jerônimo, um dos grandes Doutores da Igreja: Enquanto a sacerdote celebra a Santa Missa, muitas almas são libertadas do purgatório.
1. Termina hoje o mês das almas. Quanto fizestes por elas durante este mês? Se fizeste pouco, tanto menor desculpa mereces, quanto maior foi a facilidade de ajudá-las. Tens à tua disposição, para este fim, as ricas indulgências, tesouro formado pelos méritos superabundantes de Jesus e dos Santos. Quão pouco custa recorrer a este tesouro em benefício das almas! E ainda podes aliviá-las por outros meios: por orações e boas obras; esmolas, missas, comunhões, mortificações e pelo oferecimento dos teus próprios méritos.
Somos obrigados a executar com justiça e consciência as últimas vontades dos nossos mortos. O que no leito de morte nos pediram, o que deixaram em testamento seja respeitado, porque daremos contas severas a Deus desta tremenda injustiça se lesarmos os direitos dos mortos e não cumprirmos suas últimas vontades. As pobres almas do purgatório são vítimas da Justiça de Deus, porque devem expiar seus pecados, e muitas vezes também vítimas das injustiças dos homens. Herdeiros que defraudam os bens dos mortos e nem se lembram de lhes sufragar a pobre alma com uma só Missa! Filhos que discutem e se odeiam por uma miserável herança e cometem toda sorte de injustiças, lesando-se mutuamente numa louca ambição, ao invés de em paz honrarem a memória dos pais e cumprirem as cláusulas dos testamentos. É uma das mais tremendas injustiças. Lesar os vivos é um pecado, mas lesar os mortos tirando-lhes os sufrágios por injustiça, é um pecado que só pode atrair a vingança de Deus. Diz o Espírito Santo que haverá um juízo sem misericórdia para quem não usou de misericórdia.
“Que juízo tremendo e duro não há de ser o de quem defraudou os direitos dos mortos ? Lesar um pobre, disse o Quarto Concilio de Cartago, é se fazer assassino do pobre”
Que não será o que lesa o direito das pobres almas?
Há em geral entre muitos a ideia de que é impossível entrar no céu logo depois da morte, principalmente quando se pensa na Justiça de Deus, na Santidade Divina e a miséria humana. O purgatório não é sempre inevitável. Pode-se evitar o purgatório e é vontade de Deus que façamos tudo neste mundo para merecer logo o céu. É impossível! É dificílimo!... Sim, difícil, não há dúvida, mas impossível, nunca! Não digamos como tantos: contanto que eu arranje um lugar no purgatório... Por humildade, e em verdade, podemos falar assim, mas por covardia e para afrouxarmos no trabalho da nossa perfeição, nunca o podemos dizer, nem proceder assim. Havemos de fazer tudo para evitar o purgatório.
“Aqui, disse Santa Catarina de Genova, pagamos com um, a dívida de mil, e na outra vida precisamos de mil para pagar um... Está em nossas mãos ganhar muito e preparar a entrada do céu logo depois da morte”
Santa Teresa viu almas entrarem no céu sem terem passado pelo purgatório. Procurar evitar o purgatório é o melhor meio de se livrar dele. Evitemos o pecado venial, sejamos fiéis ao nosso dever, tenhamos uma grande pureza de intenção em nossos atos. Façamos muitas obras de caridade, fujamos de toda vaidade e hipocrisia em nossas ações, sejamos sinceros, humildes, simples, tenhamos paciência em nossos sofrimentos, sejamos resignados à vontade de Deus em todas as coisas. Quantos meios ao nosso alcance para evitarmos o purgatório! Zelemos a pureza de consciência e a pureza de intenção. Não é impossível escapar do purgatório. Está em nossas mãos. Uma alma fervorosa se abrasa neste mundo nas chamas do Divino Amor que purifica cada dia mais e se santifica de tal modo, que logo se lhes abram as portas do céu.
Contam-se fatos prodigiosos e muitas aparições de almas do purgatório. Isto poderia talvez impressionar a alguns e julgarem que podemos desejar ou procurar, com certa curiosidade, indagar a sorte dos mortos ou facilmente ter comunicação com as almas do purgatório. Quanta ilusão perigosa e quanta superstição e crendice em torno disto! É mister discernirmos bem as verdadeiras das falsas aparições, e mostrarmos o pensamento da Igreja e dos Santos Doutores para que se evitem confusões e ilusões numa matéria tão grave e delicada, porque tão sujeita a enganos e erros.Que é uma aparição? É uma manifestação do outro mundo, de alguém que nos vem dizer o que lá se passa. Podemos acreditar nas aparições? Há dois extremos igualmente prejudiciais. Um dos que facilmente aceitam toda sorte de aparições sem exame e não têm a prudência de estudar e esperar a opinião de pessoas criteriosas, teólogos ou autoridades eclesiásticas e superiores, que possam discernir com segurança a verdade de tais aparições. É uma leviandade. Assim o diz a Escritura: “Qui cito credit, levis est corde” (1), quem facilmente em tudo crê, é leviano de coração, é um espírito leviano. Todavia, rejeitar sistematicamente e obstinadamente toda aparição, todos os fatos sobrenaturais, mesmo que tenham os sinais de verdadeiros, é prova de muito ceticismo, de orgulho, e pode levar à infidelidade a graça, como insinua a Escritura: “Qui incredulus est infideliter agit” (2), quem é duro em acreditar, procede contra a piedade.
O cemitério é simplesmente o lugar do repouso dos mortos. A palavra cemitério vem do latim: caemeterium, que literalmente significa dormitório, como a palavra grega donde se origina. Dormitório! Lugar de descanso. Lá estão aqueles sobre os quais reza a Igreja, dizendo: Requiem aeternam dona eis, Domine! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno. Os corpos dos fiéis cristãos dormem, à espera da ressurreição. A Igreja chama o cemitério o lugar onde dormem os fiéis. O Ritual Romano fala na bênção “do lugar onde dormem os fiéis”... Que expressões! Na linguagem cristã, o cemitério chama-se também campo santo. E há lugares onde o denominam também campo de Deus. Os povos pagãos tinham do cemitério uma ideia ou supersticiosa ou muito grosseira e materialista. Os romanos o denominavam putreolli — lugar onde se apodrece. Os pagãos modernos têm horror do cemitério e pensam mesmo em aboli-lo, substituindo-o pelos macabros fornos crematórios. Entretanto, é um lugar sagrado, uma lição perene para os vivos, é a recordação do nosso nada, da nossa miséria, mas também da nossa imortalidade e da ressurreição da carne. É um lugar sagrado.
O simbolismo tocante e belo das cerimônias da Missa dos defuntos não pode ser ignorado de quantos querem assistir com proveito ao melhor e o maior dos sufrágios que se pode oferecer pelos mortos — o Santo Sacrifício dos nossos Altares. Esta Missa é celebrada com o paramento de cor preta, simbolizando o luto. Não tem o Glória. É semelhante às Missas do tempo da Paixão. Mostra a dignidade do cristão assemelhado a Jesus Cristo na Paixão. Não tem o Salmo Judica me, porque nele se diz: quare tristis est anima mea et quare conturbas me? Por que perguntar à alma porque esta triste quando já foi julgada? O sinal da cruz que o sacerdote faz sobre si nas outras Missas, aqui é feito sobre o Missal, para dizer que tudo é agora para os mortos, os frutos e méritos da cruz. Nem o padre nem o diácono beijam o Missal, simbolizando que as almas não receberam o ósculo da paz de Deus no céu.
Funerais vem da palavra “funus”, que por sua vez deriva de “funalia”, tocha, porque outrora se faziam os enterros à noite, e eram acompanhados com tochas acesas ou archotes. O cristianismo purificou esta cerimônia pagã, santificando-a com as luzes empregadas nos ofícios fúnebres, mas as luzes agora simbolizavam, diz São João Crisóstomo, alegria e esperança na ressurreição da carne. Nos primeiros dias do cristianismo, na época das perseguições, a cerimônia do sepultamento dos mártires era festiva e tinha uma nota de alegria e de triunfo. Era a festa da entrada do céu e da glorificação dos que sofreram e morreram por Cristo. Os mártires, dizia São Cipriano, passavam da prisão para a imortalidade. De carcere ad immortalitatem transibant. Assim, o dia da morte era celebrado como dia de festa. Adornava-se festivamente o vestíbulo da casa mortuária com guirlandas e coroas, escreve São Gregorio Nanzianzeno, e o interior era decorado com verduras, flores e tapeçarias e fachos de luz. Tal eram os funerais dos primeiros cristãos. Os de hoje são bem diferentes. Já não têm mais a nota festiva.