“Sem embargo, esses gigantes do céu não erram em desordem, sem destino pelos ares. O movimento de um regula o de outro. Quase que podemos perceber uma invisível mão a reger o curso deles. É exatamente essa sublime ordem e pontualidade que prende a inteligência do homem que pensa, e nos narra a insuperável sabedoria e poder de um grande Ordenador. A natureza não é um caos, e sim um cosmos (ordem); não é um amontoado de massas e energias, jogadas ao léu, em confusão, senão um maquinismo gigante, construí- do com magnifica exatidão e conservado por meio de intransigentes e intangíveis leis. A floresta, a flor, o pássaro, o animal vivem apenas o momento; ao espírito do homem, porém, foi dado elevar-se acima das coisas perceptíveis pelos sentidos, e prestar homenagem ao Criador onipotente de toda essa beleza. É esse o misterioso sentimento que se apodera de nós, nas noites tranqüilas e estreladas. Donde vem essa comoção? Vem de que todo o nosso interior anela por algo de Maior, Melhor Sublime. Saídos da mão do Onipotente, sua sede é nossa herança divina, a qual em noites serenas eleva sua voz debaixo do manto das estrelas". “Senhor professor”, adiantou Francisco, “ocorreu-me uma idéia estranha. Se eu escolhesse um astro, ao qual a luz da terra chegasse em mil anos, e se nele vivessem homens a nos observarem através dum bom telescópio, eles deveriam ver nossa terra, como ela era há mil anos, nos princípios da Idade Média. Isto é, que os raios luminosos de nossa história do ano 9OO, só agora estariam chegando àqueles habitantes. E quanto mais afastado estiver o astro, tanto mais atrasada estaria a história. Seria como se, num aparelho cinematográfico se introduzisse um filme e se fizesse passar às avessas”. “Sua idéia é, em verdade, bem curiosa”, opinou o professor. Teria dito mais, se Celso não o tivesse interrompido. “Vivem homens nos outros astros?” “Meu filho, é difícil responder a essa questão.” “Eu li que Marte é habitado”, disse Jorge. “E que alguém disse que não havia Deus. Pois se houvesse, por que não escreveu seu nome no firmamento, para que todos o pudessem ver e ninguém pudesse chamar-se ateu?” “Ora, Jorge, você mistura duas coisas", atalhou o professor. “Em primeiro lugar, por que Deus não traçou seu nome no céu? Diga, em que língua devia tê-lo feito? Você imagina, com certeza, o fato assim: a palavra — Deus — a brilhar no céu, formada de grande e luminosas letras, constituídas de estrelas. Mas, assim, só o poderiam ler os povos que falam a língua portuguesa; os outros, não.”
Depois de alguns minutos de inspeção estávamos de volta, junto à fogueira. Carlos e Francisco voltaram rindo.
“Por que se riem, rapazes?”, inquiriu o professor. “Carlos de novo quis dizer um chiste, e desta vez, por acaso, teve espírito.” “Conta! Também queremos rir.” “Ora, só me ocorreu que é interessante que o céu estrelado atrai exatamente tipos humanos opostos: o poeta e o matemático. O lírico o assalta com suaves ritmos; o astrônomo, ao contrário, com rígidos logaritmos.” “Grandioso!”, exclamou Francisco rindo, “vou contar isso amanhã aos companheiros. Mas, senhor doutor, eu me lembrei de outra coisa. Refleti, como devem ser quentes as estrelas para brilharem tanto.” “Que calor têm? Há uns astros apagados, gelados por frio glacial, e outros que são fogaréus chamejantes.” “Por exemplo, o Sol. Deve ser quente lá!” “Ouçam, rapazes,” respondeu o mestre, “a temperatura da camada externa do Sol, na superfície, conta 'apenas' 4.OOO graus, pois é um tanto arrefecida pelo ambiente frio... No interior? A respeito, podemos levantar somente hipóteses, em vista de erupções vulcânicas que, pela crosta solar fendida, se arremessam a algumas centenas de milhares de quilômetros de altura. Essas 'protuberâncias' flamejam com seu fogo incrível espaço a dentro. Já foram observadas erupções de 5OO.OOO km de altura.” “Donde tem o Sol esse horrendo calor?”, perguntou Carlos. “Olhe, você me faz uma pergunta, que ninguém sabe responder. Procurou-se explicá-lo pela contração da massa solar, por irradiações de urânio, pela temperatura que proviria da compressão dos átomos; na realidade ninguém o sabe. O padre Secchi e Ericson calculam a temperatura interna do Sol em 5 a 6 milhões de graus centígrados! Quantos graus tivemos hoje ao meio dia, quando vocês todos, ofegantes e abatidos, procuravam a sombra!” “35 graus C.” "Vejam, rapazes, qual deve ser o poder capaz de acender um fogo como o que chameja no Sol, quem sabe há quantos milhões de anos! E sabem que se julga o Sírio 3O vezes mais quente do que o Sol? Carlos, aqui tenho o livro dos Salmos, leia o início do salmo 18°”
Era pelo fim de nossa excursão de férias. Descansávamos, havia algum tempo, na propriedade dum benfeitor de nossa escola e na hospedagem que nos fôra concedida, levávamos alegre vida de acampamento, em meio à maravilhosa paisagem. Caia a noite. O céu estrelado se arqueava acima de nossas cabeças. Assentados em silêncio à volta da fogueira do bivaque, gozávamos da quietude noturna.
“Olhem, olhem só”, exclamou o Celsinho de repente, “vejam lá!” “Que é que você tem?” - alvoroçou-se Carlos. “Por que grita assim?” “Oh, como era bonito! Não viram? Uma estrela caiu do céu. Que lindo! Sr. Doutor, por obséquio, aonde foi cair essa estrela?”O professor procurou primeiro acalmar o Celsinho. Celso era o mais novo do grupo. Havia duas semanas que terminara as provas, e teve licença de visitar o irmão mais velho no acampamento.