É a graça de Deus um tesouro muito grande e muito desejável para todas as almas. O Espírito Santo lhe chama um tesouro infinito, pois por meio dela somos levados à honra de amigos de Deus.
“É ela um tesouro infinito para os homens: do qual os que usaram têm sido feitos participantes da amizade de Deus” (Sb 7, 14)
O Divino Salvador diz, por isso, aos que se acham no estado de graça:
Afirma o beato Amadeu que nossa Rainha está na presença da Divina Majestade, continuamente intercedendo por nós com as suas poderosas orações. Profunda conhecedora que é de nossas misérias e aflições, não pode desapiedar-se de nós. Levada pelos sobressaltos de um coração maternal, compassivo e benigno, procura como nos socorrer. A cada um de nós, por miserável que seja, exorta por isso Ricardo de São Lourenço a recorrer confiadamente a tão amável advogada, ha firme certeza de achá-la pronta a vir em nosso auxílio. Ela está sempre disposta a orar por todos, escreve Godofredo abade.
"Ó Maria, nós, miseráveis pecadores, não sabemos achar outro refúgio fora de vós. Sois nossa única esperança a quem confiamos a nossa salvação; perante Jesus Cristo sois nossa única advogada, a quem nos dirigimos"
Astro precursor do sol é Maria, nas revelações de Santa Brígida. Quer isto dizer: Quando em uma alma pecadora desponta a devoção a Maria, é sinal certo que dali a pouco Deus a virá enriquecer com a Sua graça. Para avivar nós pecadores a confiança na proteção de Maria, recorre o glorioso São Boaventura à imagem de um mar agitado pela tempestade.
Maria é Rainha de Misericórdia até para com os mais miseráveis
Podemos porventura temer que Maria desdenhe empenhar-se pelo pecador, por vê-lo tão carregado de pecados? Ou acaso nos devem intimidar a majestade e a santidade desta grande Rainha? Não, diz o Papa São Gregório; porque quanto ela é mais excelsa e mais santa, tanto é mais doce e mais piedosa para com os pecadores, que se querem emendar e a ela recorrem. A majestade dos reis e das rainhas causa temor e faz com que os súditos temam chegar à presença deles. Mas onde estão, pergunta São Bernardo, os infelizes que podem ter medo de apresentar-se a esta Rainha de misericórdia? Nela nada há de terrível nem de severo. É toda benigna e amável para os que a procuram. Maria não só dá quanto lhe pedimos, mas ela mesma nos oferece a todos nós leite e lã. Leite de misericórdia para animar-nos à confiança, e lã de refúgio para nos defender dos raios da justiça divina.
Durante sua vida na terra, tinha a Virgem um coração cheio de piedade e ternura para com os homens, observa São Jerônimo; mas tinha-o de tal forma que ninguém pode sentir tão vivamente suas próprias aflições, como Maria sentia as alheias. Bem o mostrou nas bodas de Caná, de que já temos falado. Na falta de vinho, diz São Bernardino de Sena, a Senhora assumiu espontaneamente o ofício de compassiva consoladora. Compadecida da aflição dos noivos, empenhou- se junto ao Filho e obteve o milagre que fez abundar o vinho nas talhas de água.
Maria é, Rainha. Mas saibamos todos, para consolação nossa, que é uma Rainha cheia de doçura e de clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós pobres pecadores. Quer por isso a Igreja saudemo-la nesta oração com nome de Rainha de misericórdia. O próprio nome de rainha, considera Santo Alberto Magno, denota piedade e providencia para com os pobres, enquanto que o de imperatriz dá ares de severidade e rigor. A magnificência dos reis e das rainhas consiste em aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto que os tiranos governam tendo em vista apenas seu interesse pessoal, devem os reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na sagração dos reis se lhes unge a testa com óleo. É o símbolo da misericórdia e benignidade de que devem estar animados para com seus súbditos.
Tão grande é o prestígio de uma mãe, que nunca pode tornar-se súdita de seu filho, ainda que ele seja monarca e tenha domínio sobre todas as pessoas do seu reino. É verdade, sentado agora à direita de Deus Pai, no céu, reina Jesus e tem supremo domínio sobre todas as criaturas e também sobre Maria. E o tem mesmo como homem, diz Santo Tomás, por causa da união hipostática com a pessoa do Verbo. Todavia, é também certo que nosso Redentor, quando vivia na terra, quis humilhar-se a ponto de ser submisso a Maria.
Inegavelmente foi a alma de Maria a mais bela que Deus criou. Depois da Encarnação do Verbo foi esta a obra mais formosa e mais digna de si, feita pelo Onipotente neste mundo. Uma maravilha enfim que só é excedida pelo próprio Criador, como diz Nicolau monge. Por isso não desceu a graça em Maria, gota a gota como nos outros santos. Desceu ao contrário tal como, “a chuva sobre o velo” (Sl 71, 6). Semelhante à lã do velo sorveu a Virgem com alegria toda a grande chuva da graça, sem perder uma só gota. Era-lhe, pois lícito exclamar:
"Na plenitude dos santos está minha morada" (Eclo 24, 16)
É impossível que se perca um devoto de Maria, que fielmente a serve e a ela se encomenda. À primeira vista talvez pareça um tanto ousada esta proposição. Antes, porém, que se a rejeite, peço que se leia o que a respeito eu vou apresentar. Afirmo que é impossível perder-se um devoto da Mãe de Deus. Não me refiro aqueles que abusam dessa devoção para pecarem com menos temor. Desaprovam alguns que muito se celebrem as misericórdias de Maria para com os pecadores, dizendo que estes dela abusam para mais pecarem. Mas injustamente desaprovam, pois esses presumidos, por esta sua temerária confiança, merecem castigo e não misericórdia: Falo tão somente daqueles devotos de Maria que, ao desejo de emenda, unem a perseverança em obsequiá-la. Quanto a estes, repito, é moralmente impossível que se percam. O mesmo afirma o padre Crasset em seu livro sobre “A verdadeira devoção à Virgem Maria”. E antes já o afirmaram Vega em sua Teologia Mariana, Mendoza e outros teólogos. Que não falaram irrefletidamente, vê-lo-emos pelas afirmações dos Doutores e dos santos. Ninguém se admire à vista de tantas sentenças uniformes dos autores. Quis referi-las todas, a fim de provar o acordo geral dos escritores sobre este ponto.
Que seja Jesus Cristo único Mediador de justiça, a reconciliar-nos com Deus, pelos seus merecimentos, quem o nega? Não obstante isto, compraz-se Deus em conceder-nos Suas graças pela intercessão dos santos e especialmente de Maria, Sua Mãe, a quem tanto deseja Jesus ver amada e honrada. Seria impiedade negar semelhante verdade. Quem ignora que a honra prestada às mães redunda em glória para os filhos? Os pais são as glórias dos filhos, lemos nos Provérbios (17, 6) . Quem muito enaltece a mãe, não precisa ter receio de obscurecer a glória do filho. Pois quanto mais se honra a Mãe, tanto mais se louva o Filho, diz São Bernardo. E observa Santo Afonso:
É tributada ao Filho e ao Rei toda a honra que se presta à Mãe e à Rainha. Ao mesmo tempo está fora de dúvida que pelos merecimentos de Jesus Cristo foi concedida a Maria a grande autoridade de ser medianeira da nossa salvação, não de justiça, mas de graça e de intercessão, como bem lhe chamou Conrado de Saxônia com o título de “fidelíssima medianeira de nossa salvação”.