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Tag: filoteia

O Espírito de Pobreza unido à posse de Riquezas

Parte III Capítulo XIV

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.

Malditos, pois, são os ricos de espírito, porque deles é a miséria do inferno. Rico de espírito é todo aquele que tem o espírito em suas riquezas ou a ideia das riquezas em seu espírito; pobre de espírito é todo aquele que nenhuma riqueza tem em seu espírito nem tem o seu espírito nas riquezas. Os alciões fabricam seus ninhos dum modo admirável; a sua forma é semelhante a uma maçã, apenas com uma pequena abertura em cima; colocam-nos a beira do mar e tão firmes e impenetráveis são que, subindo as vagas a praia, nenhuma gota d'água pode entrar, porque se conservam boiando e flutuando com as ondas; permanecem no meio do mar, sobre o mar e senhores do mar.

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Conselhos para Conservar a Castidade

Parte III Capítulo XIII

Estejas sempre de sobreaviso para afastar logo de ti tudo o que te possa inclinar a sensualidade; pois este mal se vai alastrando insensivelmente e de pequenos princípios faz rápidos progressos. Numa palavra, é mais fácil fugir-lhe que curá-lo. Parecem-se os corpos humanos com os vidros, que não se pode levar juntos, tocando-se, sem correr perigo de se quebrarem, e com as frutas, que, embora inteiras e bem maduras, recebem manchas, chocando umas com as outras. A água mais fresca que se quer conservar num vaso perde logo a sua frescura mal um animal a toca.

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Necessidade da Castidade

Parte III Capítulo XII

A castidade é o lírio entre as virtudes e já nesta vida nos torna semelhantes aos anjos. Nada há de mais belo que a pureza e a pureza dos homens é a castidade. Chama-se a esta virtude honestidade; e a sua prática, honra. Denomina-se também integridade; e o vício contrário, corrupção. Numa palavra, entre as virtudes tem esta a glória de ser o ornamento da alma e do corpo ao mesmo tempo. Nunca é lícito usar dos sentidos para um prazer impuro, de qualquer maneira que seja, a não ser num legítimo matrimônio, cuja santidade possa por uma justa compensação reparar o desaire que a deleitação importa. E no próprio casamento ainda se há de guardar a honestidade da intenção, para que, se houver alguma imperfeição no prazer, não haja senão honestidade na vontade que o realiza. O coração puro é como a madrepérola, que não recebe uma gota de água que não venha do céu, pois ele não consente em nenhum prazer afora o do matrimônio que é ordenado pelo Céu. Salvo isso, nem sequer nele pensa voluptuosa, voluntária e demoradamente.

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A Obediência

Parte III Capítulo XI

A caridade sozinha nos faz realmente perfeitos, mas a obediência, a castidade e a pobreza são as principais virtudes que nos ajudam a adquirir a perfeição. A obediência, pois, dedica o nosso espírito a castidade, o nosso corpo a pobreza, os nossos bens ao amor e serviço de Deus. São como que três braços da cruz espiritual, em que estamos crucificados com Jesus Cristo e fundam-se ao mesmo tempo numa quarta virtude, que é a santa humildade. Não pretendo falar-te destas três virtudes com respeito aos votos solenes da religião ou aos votos simples que mesmo no mundo se emitem por graves razões, porque, embora os votos tragam consigo muitas graças e merecimentos, a simples prática destas virtudes é absolutamente bastante para conduzir a perfeição. É verdade que esses votos, principalmente os solenes, elevam uma pessoa ao estado da perfeição; mas há uma grande diferença entre o estado da perfeição e a perfeição mesma, pois que todos os religiosos e bispos estão no estado da perfeição; mas nem todos são perfeitos, como é evidente.

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Deve-se tratar dos Negócios com muito cuidado, mas sem Inquietação nem Ansiedade

Parte III Capítulo X

Grande diferença há entre os cuidados dos negócios e a inquietação, entre a diligencia e a ansiedade. Os anjos procuram a nossa salvação com o maior cuidado que podem, porque isto é segundo a sua caridade e não é incompatível com a sua tranquilidade e paz celestial; mas, como a ansiedade e a inquietação são inteiramente contrárias a sua bem-aventurança, nunca as tem por nossa salvação, por maior que seja o seu zelo. Dedica-te, Filotéia, aos negócios que estão ao teu encargo, pois Deus, que os confiou a ti, quer que cuides neles com a diligencia necessária; mas, se é possível, nunca te entregues ao ardor excessivo e ansiedade; toda inquietação perturba a razão e nos impede de fazer bem aquilo mesmo por que nos inquietamos.

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A Mansidão para Conosco

Parte III Capítulo IX

Um modo de fazer um bom uso desta virtude é aplicá-la a nós mesmos, não nos irritando contra nós e nossas imperfeições; o motivo, pois, que nos leva a sentir um verdadeiro arrependimento de nossas faltas não exige que tenhamos uma dor repassada de aborrecimento e indignação. É quanto a esse ponto que erram muitos continuamente, agastando-se por estarem agastados e amofinando-se por estarem amofinados, porque assim conservam aceso no coração o fogo da cólera e, bem longe de abrandar deste modo a paixão, estão sempre prestes a exasperar-se a primeira ocasião. Além de que esta ira, pesar e aborrecimento contra si mesmo encaminham ao orgulho, procedem do amor-próprio que se perturba e inquieta por nos ver tão imperfeitos.

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A Mansidão no trato com o Próximo e os Remédios contra a Cólera

Parte III Capítulo VIII

O santo crisma, que a Igreja, seguindo a tradição dos apóstolos, usa no sacramento da confirmação e em diversas outras bênçãos, compõe-se de óleo de oliveira e de bálsamo, que nos representam, entre outras coisas, a mansidão e a humildade, duas virtudes tão caras ao divino Coração de Jesus e que Ele nos recomendou expressamente, dizendo-nos: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; como se unicamente por amor destas duas virtudes quisesse consagrar o nosso coração ao Seu serviço e aplicá-lo a imitação de Sua vida. A humildade aperfeiçoa o homem em seus deveres para com Deus; e a mansidão, em seus deveres para com a sociedade humana. O bálsamo, que, misturado com outro líquido, se afunda, nos representa a humildade; e o óleo de oliveira, que fica nadando em cima, nos faz lembrar a mansidão, que faz o homem passar por cima de todo o sofrimento e que excede a todas as virtudes, porque é a flor da caridade, que, como diz São Bernardo, só possui o auge da sua perfeição quando ajunta a virtude a paciência.

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Modo de Conservar a Reputação juntamente com o Espírito de Humildade

Parte III Capítulo VII

O louvor, a honra e a glória não são o preço duma virtude ordinária, mas duma virtude rara e excelente. Louvando uma pessoa, queremos que outros a estimem, e, honrando-a nós mesmos, manifestamos a estima que lhe devotamos; e a glória é um certo resplendor da reputação que provém dos louvores que se lhe dão e das honras que se lhe tributam, semelhante ao brilho e esmalte de diversas pedras preciosas que, todas juntas, formam uma única coroa. Ora, a humildade, impedindo-nos todo o amor e estima de nossa própria excelência, também não pode consentir que busquemos louvores, honras e glórias, que só são devidas ao merecimento da excelência e da distinção. Entretanto, aconselha o sábio que cuidemos de nosso bom nome, porque a reputação não se funda na excelência duma virtude ou perfeição, mas nos bons costumes e na integridade da vida; e, como a humildade não proíbe crer que temos este merecimento comum e ordinário, também não nos proíbe que amemos e cuidemos da reputação.

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A Humildade nos faz Amar a nossa própria Abjeção

Parte III Capítulo VI

Passando adiante, Filotéia, digo-te que deves amar em tudo e sempre a tua própria abjeção. Perguntar-me-ás talvez o que chamo amar a sua própria abjeção e é isso que começo a explicar-te. Estes dois termos, abjeção e humildade, na língua latina tem a mesma significação; assim, a Santíssima Virgem, exclamando em seu sagrado cântico que todas as gerações proclamarão a sua bem-aventurança, porque o Senhor olhou para a sua humildade, quer dizer-vos que Deus se dignou lançar os olhos sobre a sua pequenez e abjeção, para a cumular de Suas graças e glórias. Existe, contudo, uma notável diferença entre a virtude da humildade e a abjeção; pois a abjeção não é nada mais que a baixeza, mesquinhez e fraqueza que temos em nós mesmos e independentemente de nossas reflexões; mas a humildade é o verdadeiro conhecimento que temos de nossa abjeção, o qual nos induz a reconhecê-la em nós de boa vontade.

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A Humildade Interior é a mais Perfeita

Parte III Capítulo V

Desejarás, Filotéia, que te introduza ainda mais na prática da humildade; este desejo merece o meu aplauso e eu o quero satisfazer; pois, no que tenho dito até agora, há mais prudência que humildade. Encontram-se pessoas que nunca querem prestar atenção as graças particulares que Deus lhes faz, temerosas que seu coração, enchendo-se duma vã complacência, não de toda a glória a Deus. É um falso temor e um verdadeiro erro. Pois, desde que a consideração dos benefícios de Deus é um meio eficacíssimo de amá-Lo, assim, diz o Doutor Angélico, quanto mais O conhecemos, tanto mais O amamos. Mas, sendo nosso coração mais sensível as graças particulares que aos benefícios gerais, é exatamente sobre aquelas graças que devemos refletir.

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