TODOS nós queremos a felicidade. Mas, se somos sensatos, todos deveríamos nos convencer de que no prazer há três leis, que, uma vez seguidas, tornarão a consecução da felicidade incomensuravelmente mais fácil. Primeira lei — Podemos contar com horas felizes; mas a vida não se há de planear como se constasse somente de horas felizes. O prazer é como a beleza; é condicionado pelo contraste. A mulher que quer fazer sobressair um vestido de veludo preto, não irá colocar-se, se tem o sentido da realidade, em frente duma cortina preta, mas duma cortina branca.
Há uma profunda diferença de qualidade entre os os bens possuídos, de que precisamos, usamos e realmente desfrutamos, e a acumulação de coisas inúteis, que amontoamos por vaidade, avidez ou desejo de ultrapassar os outros. A primeira espécie de posse é uma extensão legítima da personalidade: com o nosso amor enriquecemos um objeto que usamos muito, e ganhamos-lhe afeição. Podemos notar estas duas espécies de propriedade quando observamos as crianças: a que só possui um brinquedo, enriquece-o com o seu amor. A amimada com muitos brinquedos à sua disposição, rapidamente se enfastia e deixa de sentir prazer em qualquer deles.
CADA um de nós é que dá cambiantes sombrios ou luminosos ao que nos rodeia. Podemos, por um esforço criador, inundar a nossa alma de tal luz que torne esplendentes os acontecimentos que se cruzarem com o nosso caminho. Por outro lado, podemos cair num estado de depressão íntima tão profunda e tão cheia de melancolia que só os mais intensos impulsos externos dos sentidos serão capazes de nos despertar da apatia.
NIETZSCHE, filósofo do século XIX, tentou exprimir a índole da sua época, afirmando:
E, com isto, quis dizer que, neste período, os homens iam perdendo a fé. Lançou também olhar profético para o futuro e predisse que o século XX seria de guerras e revoluções. Estas duas afirmações estão ligadas por lógica mais profunda do que o inventor da filosofia do «super-homem» imaginava. Na verdade, os homens que deixaram de amar a Deus, não amarão, por muito tempo, o próximo, e encontrarão particular dificuldade em procurar amar este próximo especial, que é o seu inimigo.«Deus morreu»
TEM o mundo moderno um estranho amor ao subterrâneo... às caves profundas e escuras da existência humana, à introspecção, à análise das regiões subconscientes da nossa vida. Esta atração é, em parte, uma reação contra o extremo oposto. Há cem anos, julgavam os homens que a sua vida alcançara um novo e mais alto escalão. Falavam dum progresso fatal, da vitória sobre a morte, da transformação dos homens em deuses, da conversão da terra num Paraíso. Agora, a presunção dos nossos antepassados deu lugar ao desespero atual. O homem, que sofreu a vertigem duma altura artificial, caiu no abismo do mais terrível desespero. O seu entusiasmo desmedido degenerou em tédio, a sua esperança em prazeres mais intensos deu lugar à saciedade, a sua demasiada complacência em inebriantes expectativas abriu caminho à náusea.
FEZ-NOS Deus do nada... do nada absoluto... e é bom que lembremos, de vez em quando, este fato. Porque Deus nos fez, somos preciosos; mas, porque viemos do puro nada, jamais podemos vangloriar-nos de autossuficiência. E, porque viemos de Deus, temos um desejo insaciável de voltar a unir-nos com a Sua Vida, Verdade e Amor. Mas, como também somos filhos do nada, estamos tão dependentes d’Ele, como, os raios solares, do sol. Quando São João Batista viu, pela primeira vez, Nosso Senhor, o seu sentimento do nada obrigou-o a dizer:
Esta atitude não implica qualquer humildade falsa, nem fingimento, desmentido pelos fatos, de que ele ou o seu trabalho fossem sem valor algum. Foi antes o simples reconhecimento de que até a estrela mais brilhante tem de se ofuscar ao raiar do sol nascente.«Convém que Ele cresça, mas que eu diminua»
PARECE banal e insípida a vida para muita gente. Admiram-se por que não progridem ou se desenvolvem, por que não se aperfeiçoam ou aprendem. Julgam ter caído em marasmo e gostariam de saber como sair dele. É simples a resposta a este problema, embora a sua aplicação não seja fácil. É de desprendimento que tais homens e tais mulheres precisam. O desprendimento é uma questão de quebrar todos os laços que nos prendem à terra, permitindo assim que a nossa alma voe livre para Deus. Somos como balões. E podemos estar presos à terra tanto por cabos de aço, como por débeis fios de teias de aranha; mas, se não são cortados, nunca estaremos livres da prisão das bagatelas, que, cá em baixo, nos prendem e escravizam.
CONCORDAM, universalmente, os grandes psicólogos de todos os tempos, que a origem de toda a infelicidade está no amor próprio ou no egoísmo. O egoísmo é a rejeição do duplo mandamento do amor de Deus e do próximo, e a adoção da própria pessoa como padrão de toda a verdade e moralidade. Os que vivem enclausurados dentro do próprio eu, passam por três fases, a primeira das quais é a complacência desordenada com os seus próprios apetites. Quando o eu se torna absoluto, todas as outras pessoas, acontecimentos e coisas passam a ser meios de lhe dar prazer. Sem olhar a conveniências, o eu, na juventude, deseja satisfazer a sensualidade; na idade adulta, ambiciona o poder; e, na velhice, muitas vezes cambia-se em avareza e em amor de «segurança». Os que negam a imortalidade da alma, substituem-na, quase sempre, pela imortalidade dos meios de subsistência. A renúncia às delícias provindas de Deus termina sempre na rendição aos sentidos.
Só quem desconhece o significado da palavra «felicidade» é perigosamente infeliz. É insuportável a vida apenas para aqueles que ignoram o motivo porque vivem; os homens, em tal estado de alma, equacionam, confundem felicidade com prazer (o que não é a mesma coisa) e identificam alegria com prurido das extremidades nervosas (o que não é verdade). Coisas que sejam do exterior, nunca nos trazem paz interior. Quanto mais persistentemente se procurar a satisfação e a finalidade da existência em alguma coisa fora do nosso domínio, tanto mais precária ela será e mais sujeito se estará a desilusões. Há dois movimentos para a felicidade. O primeiro é o nosso afastamento do exterior... de uma excessiva absorção pelas coisas do mundo. O segundo movimento é muito mais profundo: é uma ascensão do que é inferior em nós para o que é superior, do nosso egoísmo para o nosso Deus. O homem moderno tem experimentado o primeiro movimento; as coisas exteriores têm-se transformado para ele em outras tantas fontes de sofrimento.
A ALEGRIA é o delicioso experimentar de sentimentos de prazer pelo bem adquirido e, atualmente, desfrutado, ou a perspectiva do bem que se espera alcançar. Pode haver alegrias naturais e alegrias espirituais. Alegria natural será a alegria da juventude, antes de ter a alma cansada pela desilusão, ou a alegria da saúde, quando é agradável e saboroso o alimento, ou a alegria do triunfo, quando a batalha foi ganha, ou as alegrias da afeição, quando se é amado. Todas estas alegrias se tornam mais intensas e sólidas, quando têm por base a alegria espiritual. Nenhuma felicidade terrena será permanente e perfeita, se não estiver associada a uma boa consciência. A alegria espiritual é uma tranquilidade de espírito no meio das vicissitudes da vida, semelhante à da montanha, quando o temporal desaba sobre ela. Com aquele que não está arraigado ao Divino, todo o revés se amplifica. Não pode aplicar, plenamente, as suas faculdades a uma só coisa, porque está perturbado por muitas.