Capítulo XXXI
Esta foi a oração do bom ladrão, que por sua fé e confiança mereceu de Jesus esta resposta:Domine, memento mei, com veneris in regnum tuum - "Senhor, lembrai-vos de mim quando entrardes no vosso reino" (Lc 23, 42)
Pedira apenas uma simples recordação, e Jesus promete-lhe o seu reino: tão liberal é o nosso bom Mestre! Tão disposto está sempre a dar muito mais do que se lhe pede! Mas quem não se assombrará sobre a profundeza dos conselhos de Deus? No momento em que o bom ladrão dizia a Jesus: “Senhor, lembrai-vos de mim quando estiverdes no vosso reino”, estava este divino Salvador num estado de aflição e humilhação sem exemplo. Seus discipulos haviam-no abandonado, um deles o trairá e vendera, renegara-o outro três vezes, os judeus vomitavam contra ele blasfêmias, expunham-no à irrisão os gentios, quase ninguém acreditava nele. E é neste momento em que Jesus perdia todo o credito para com a maior parte dos que o conheceram, que este bom ladrão, interiormente iluminado da divina graça, o reconhece por seu Rei e seu Deus... Os discípulos de Jesus tinham tanto tempo conversado com ele; ouvido a sua admirável doutrina, tinham um perfeito conhecimento de sua vida, dos seus milagres; e sua fé foi, todavia, terrivelmente abalada, quando o viram pregado na cruz.“Hoje estarás comigo no paraíso”
Capítulo XXX
Jesus acabava de ser pregado na cruz, via circular em volta de si os autores do seu suplício e os seus algozes. Lança sobre eles um olhar, eleva em seguida os olhos ao céu, e exclama:Pater dimitte illis: nom enim sciunt quidi faciunt - "Meu Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34)
Tinha guardado silencio enquanto o crucificavam; eis que o rompe e invoca a seu Pai; escutemos o que lhe vai pedir. Dir-lhe-á ele:“Meu Pai!"
Não, não, tal não será a súplica do nosso bom Jesus. Alma cristã, que isto meditas, atenção, e aprende a conhecer a misericórdia infinita do nosso Salvador.“Meu Pai: vós sois testemunha dos meus sofrimentos, sois testemunha dos ultrajes indignos de que me cobrem e sabeis a minha inocência; fazei, pois cair sobre este povo ímpio todo o peso da vossa vingança?”
Capítulo XXIX
São estas as palavras que nos dirige Jesus a nós, pobres exilados nesta terra de pecado. Ó vós todos, exclama ele do alto da cruz, ó vós todos, que passais pelo caminho da vida, dignai-vos parar por alguns instantes; lançai sobre esta cruz, onde estou cravado, a vossa vista, e vede se há uma dor que à minha se possa comparar; a minha cabeça está coroada de espinhos que me não deixam repouso algum, os meus pés e as minhas mãos estão varados de enormes cravos, o meu corpo não é mais que uma chaga, e o meu sangue corre de todas as minhas chagas. “De todas as partes me cercam as agonias da morte”, e a minha alma está abismada na mais excessiva desolação.O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si est dolor sicut dolor mens - "Ó vós todos que passais pelo caminho, atendei, e vede se há dor como a minha" (Lm 1, 12)
Capítulo XXVII
Quando o Salvador chegou ao Calvário onde devia consumar o seu sacrifício e dar-nos o mais solene testemunho do seu amor, nem tempo de suspirar lhe deixaram. Arrancaram-lhe rudemente a sua veste, que estava colada ás chagas, e mais uma vez renovaram todas as suas dores. Mandam-no em seguida deitar-se sobre a cruz, afim de nela o poderem pregar. Sem demora nem resistência obedece o bom Jesus, estende-se sobre este leito de dor, não tendo por travesseiro senão os espinhos de que estava coroado. Então com uma sorte de furor arremessam-se sobre ele os algozes, pedem-lhe primeiro a mão esquerda, segundo é crença comum, e trespassam-na com um grosso cravo pelo meio dos nervos. Tendo-se estes comprimido pela violência da dor e não podendo a mão direita estender-se até ao buraco que no outro braço da cruz tinham aberto, foi necessário estender esta mão com cordas; outro tanto foi necessário fazer aos pés, de sorte que todo o corpo de Nosso Senhor ficou deslocado. Que amargas dores!!! Calava-se porém o inocente Cordeiro e não deixava escapar de sua boca uma lastima; consertava fixos no céu os olhos; e oferecia a Deus por nossa salvação, os seus sofrimentos e a sua vida...Crucifixerunt eum, et eum eo alios duos, hinc, et hinc, modium autem Jesum - "Crucificaram-no, e a outros dois com ele, um a um lado, outro do outro, e Jesus no meio" (Jo 19, 18)
Sumário. Representemo-nos muitas vezes Jesus agonizante sobre a cruz; detenhamo-nos em contemplar algum tempo as suas dores e o afeto com que sofreu, e disso tiraremos copiosos frutos de vida eterna. Da cruz de Jesus parte uma aragem celeste que suavemente nos desliga das coisas terrenas e nos torna leves todos os nossos trabalhos; acenderá em nós um santo ardor para sofrer e morrer por amor daquele que quis padecer e morrer por nosso amor. É sobre o Calvário que se formaram e ainda se formam os santos.Sub umbra illius quem desideraveram sedi; et fructus eius dulcis gutturi meo - “Eu me sentei debaixo da sombra daquele a quem tanto tinha desejado; e o seu fruto é doce ao meu paladar” (Ct 2, 3)
Sumário. Levantemos os olhos e vejamos Jesus morto no patíbulo da cruz, o corpo coberto de chagas, das quais ainda dimana sangue. A fé ensina-nos que é Ele nosso Criador, nosso Salvador; aquele que nos ama mais do que qualquer outro e só nos pode fazer felizes. Expandamos diante d'Ele o nosso coração, fazendo atos de fé, de esperança, de arrependimento, de agradecimentos e de amor. Sobretudo façamos atos de oferecimento de nós mesmos, protestando que queremos empregar em amá-Lo toda a vida que ainda nos resta.Pro omnibus mortuus est Christus, ut et qui vivunt iam non sibi vivant, sed ei qui pro ipsis mortuus est et resurrexit - “Cristo morreu por todos, para que também os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que morreu por eles e ressuscitou” (2 Cor 5, 15)
Sumário. Antes de expirar, soltou Jesus um grande brado para nos dar a entender que morria, não pela malevolência de seus inimigos, mas por sua própria vontade. Entrega o espírito nas mãos de seu Pai e recomendando-Lhe a própria pessoa, recomendando-Lhe juntamente todos os fiéis, que pelos seus merecimentos deviam ser salvos. Se formos devotos da Paixão de Jesus Cristo, oh, que conforto nos darão na hora da morte estas suas palavras: Senhor, em vossas mãos encomendo a minha alma!Clamans voce magna Jesus ait: Pater, in manus tuas commendo spiritum meum - “Jesus, dando um grande brado, disse: Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito” (Lc 23, 46)
Tire o maior proveito desta Meditação seguindo os passos para se fazer a Oração Mental proposta por Santo Afonso!
Segunda Meditação para a Quarta-feira Santa
Sumário. Imaginemos que junto com a divina Mãe presenciamos a crucifixão de Jesus Cristo. Eis que, plantada já a cruz, o Filho de Deus está neste patíbulo infame, suspenso em suas próprias feridas, e sofre tantas mortes, quantos momentos durou aquela longa agonia. Ó Deus! Jesus pensou então em cada um de nós, e a previsão de nossas culpas tornava-Lhe a morte mais dolorosa. Unamo-nos em espírito com a Santíssima Virgem, e aproximemo-nos para beijar a preciosa Cruz com coração contrito e amante.Crucifixerunt eum, et cum eo alios duos, hinc et hinc, medium autem Iesum - “Crucificaram-No e com Ele outros dois, um de uma parte, e outro da outra, e no meio Jesus” (Jo 19, 18)