Caríssimos irmãos, no dia 2 de Novembro – quinta-feira – a Igreja celebrou todos os Fiéis Defuntos, no Dia de Finados. No dia anterior – 1° de Novembro – comemoramos a Solenidade de Todos os Santos, que, no Brasil, transfere-se para o domingo de hoje.
Estas duas datas do calendário litúrgico – Todos os Santos e Finados – devem ser vistas juntas, e falam a todos nós, pois falam da vida a que somos chamados. Em Finados, rememoramos a verdade da nossa presente condição mortal e os novíssimos que sempre devem estar presentes diante do coração de todos os cristãos. Nós morreremos, e, com a morte, virá o juízo. Após este, aguardamos com esperança a graça do céu, se vivermos segundo a Lei de Deus.
No entanto, ensina-nos a Santa Igreja que somente os perfeitos entrarão diretamente no céu: aqueles que já se purificaram de todas as imperfeições causadas pelos pecados cometidos – seja pela penitência e mortificação, seja pelas indulgências: os mártires, os recém-batizados, os penitentes, os grandes santos.
Para as demais pessoas que morram na amizade de Deus – isto é, sem qualquer pecado grave não-confessado – há uma etapa de purificação antes da entrada no Céu e do gozo da visão beatífica. Aqui falamos da purificação pelo fogo do amor divino, que purga as nossas imperfeições para que possamos ver diretamente a Deus. Essa “grande esperança” que é o Purgatório não é uma espécie de “segunda chance”, como nos explica o Papa Emérito na Encíclica Spe Salvi, mas sim o abrasamento misericordioso pelo amor do Esposo da Alma, o Cristo, dada por Deus àqueles que morram penitentes e contritos, embora imperfeitos.
Em Finados nós rezamos por essas almas, as benditas e felizes almas que estão no Purgatório, purificando-se de suas imperfeições, para que unidas às nossas preces, elas possam adiantar sua entrada no Céu. Nossas preces por elas unem-se às preces delas por nós, dado que, pelo batismo, todos nós somos membros do mesmo Corpo Místico de Cristo, a Santa Igreja Católica. Não devemos, de modo algum, confundir o fogo da misericórdia do Purgatório com o terrível fogo da justiça reservado, no Inferno, àqueles que rejeitam o Bem e a Verdade, negando a Cristo e à Igreja e violando sua Santíssima Lei. A estes, que voluntariamente se excluíram do sacrifício salvífico do Cordeiro e rejeitaram sua proposta de vida e santidade, ninguém mais pode alcançar, porque livremente eles se puseram num terrível lugar inalcançável.
Dessa forma, em Finados nós nos recordamos de um dos três grandes estados que compõem a Santa Igreja de Cristo: a Igreja Padecente, que se purifica no Purgatório.
Hoje, nós – que somos a Igreja Militante, que milita pela salvação das almas sobre a terra – celebramos a memória de Todos os Santos, que compõem a Igreja Triunfante, e que já gozam da visão beatífica de Deus.
“Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!”
Exclama São João na leitura que acabamos de ouvir. Pelo batismo, em verdade, todos nós – criaturas de Deus – somos elevados à condição de filhos de Deus. Filhos adotivos do Altíssimo, irmãos de Cristo e coerdeiros do Reino. O batismo nos transfigura e nos chama à sublime vocação da santidade. Todos os batizados são chamados à santidade: “Sede santos, porque eu sou santo”, diz o Senhor.
E quem são os Santos?
Santo é aquele que vive a vontade de Deus e segue o modelo do Cristo. “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”, diz Nosso Senhor. O modelo de Cristo é a livre aceitação da Cruz.
No dia de Todos os Santos a Igreja não celebra apenas aqueles santos que conhecemos o nome. Não celebramos hoje apenas os santos canonizados. Ao contrário, hoje celebramos, principalmente, aqueles santos que só Deus sabe quem são. Quantos mártires a Igreja não teve ao longo desses dois milênios, mas também quantas pessoas não se santificaram nas pequenas coisas e no sacrifício quotidiano? Em verdade, muitos são os santos que só Deus conhece o nome:
“Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, povos, tribos e línguas, e que ninguém podia contar”
Nem todas as cruzes são iguais
Ainda que vivamos numa época em que o homem negue as verdades mais evidentes, como faz a terrível ideologia de gênero que se infiltra nas famílias e nos lares pela televisão e pelos ideólogos, agentes de Satanás, que travestem-se de pedagogos e filósofos, negando a realidade de que o homem nasce homem e a mulher nasce mulher; ainda que vivamos num mundo que conspira das mais diversas formas contra Deus e contra a família, usando sempre a televisão e as escolas como frentes de batalha, não podemos deixar de ressaltar a grande via de santificação da cruz matrimonial. O matrimônio – como ele foi criado por Deus, indissolúvel e aberto à vida – sem dúvidas foi o estado de vida de grande parte dos santos que festejamos hoje, tal como é o estado de vida da maior parte dos vocacionados à santidade: os batizados.
Ele, que existiu desde a criação de nossos Primeiros Pais, no Jardim do Éden, foi elevado por Cristo à condição de sacramento justamente para ser verdadeira fonte de santidade e de graça.
A todos os ataques feitos hoje contra essa via de santidade, cabe-nos apenas fazer coro ao Profeta:
“Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo e amargo o que é doce!”
A questão que a solenidade de hoje nos propõe é uma só, caríssimos irmãos: ser ou não ser santos? Não se trata da pergunta pela fuga das nossas cruzes quotidianas, porque a estas ninguém pode fugir. Como ensinam os Santos Padres, toda a humanidade está representada nos dois ladrões que foram crucificados ao lado de Cristo no Calvário. Ambos foram crucificados, ambos eram ladrões. A um, pelo seu amor e reconhecimento da própria miséria, foi dado o Céu. Ao outro, que insurgiu-se contra Deus e inflamou-se de ódio, restou a “morte que nunca morre” no fogo dos infernos.
Ninguém tem o poder de fugir da cruz do sofrimento, que entrou no mundo pelo pecado de Adão. Cabe-nos, apenas, escolher uma das duas Cidades apresentadas por Santo Agostinho na sua grande obra. Nossa escolha resume-se a decidir se desejamos amar a nós mesmos até o desprezo de Deus, ou amar a Deus até o desprezo de si.
“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”
É àqueles que aceitam a difícil realidade do sofrimento e, com amor, abraçam as cruzes quotidianas que Jesus faz as promessas das bem-aventuranças que ouvimos hoje.
Ser ou não ser santos? Cristo Jesus já nos deu a resposta com seu exemplo e caminho. Sigamo-lo.
“Todo o que espera nele purifica-se a si mesmo, como também ele é puro”
Peçamos sempre a intercessão de Maria Santíssima, caríssimos irmãos, para que nós, seguindo o exemplo daquela que é “cheia de graça”, esvaziemo-nos de nós mesmos e abracemos nossas cruzes, a fim de que, movidos pela graça, sejamos sempre gratos à infinita misericórdia e amor que o Senhor tem para conosco, e reconheçamos, com Maria, que “o Senhor fez em nós maravilhas”.
Que Nossa Senhora, Rainha de Todos os Santos, interceda por nós, para que possamos ter a coragem de viver a cada dia na esperança da vida eterna, com os olhos fixos naquele que nos chama das trevas à sua luz admirável.
Dom Lourenço Palata Viola, OSB