Por Dom Henrique Soares da Costa
Meditando no Livro da Sabedoria, dei com estas palavras:
“Nenhum homem pode modelar um deus à sua semelhança: porque, sendo mortal, forja com suas mãos iníquas um morto! De fato, ele é melhor do que aqueles aos quais cultua, porquanto pelo menos vive, mesmo sendo mortal, ao passo que aqueles nunca viverão!” (Sb 15,16b-17).
São palavras contra a idolatria, culto aos falsos deuses e seus simulacros. No sentido bíblico mais profundo, a idolatria consiste em o homem endeusar, divinizar e idolatrar a criatura ao invés do Criador, divinizar a obra de suas mãos, como se fosse um deus que lhe pudesse dar a vida.
Nossa cultura tem modelado tantos deuses: a tecnologia, a razão, as ciências tão avançadas, o divertimento, o culto do corpo e do bem estar, do sucesso e da fama, o prazer em todas as formas possíveis e imagináveis… E tem colocado em tudo isso a sua esperança de uma vida feliz, de realizar sua existência…
Mas, é uma ilusão, uma armadilha: essas coisas não salvam, não dão o sentido, não podem servir de fundamento válido e duradouro para a existência! Elas simplesmente não são Deus; elas são vaidade, isto é, inconsistência! Aliás, como adverte o texto sagrado, o homem mortal – pó que o vento leva – não pode modelar um Deus imortal!
Tudo quanto modelam os filhos de Adão não passa de pó e não pode servir para dar sustento à nossa existência: nem a filosofia, nem a sociologia, nem a psicanálise, nem a economia, nem as ciências várias, nem a tecnologia… Tudo isto pode ter valor, mas nada disto é absoluto, nada disto é Deus! Pode, no máximo, tornar-se um ídolo miserável…
A humanidade nunca foi tão iludida e enganada, tão superficial como nestes nossos tempos! Como diz ainda o texto santo, este homem de agora “ignora Aquele que o plasmou, que nele inspirou uma alma ativa e nele insuflou o espírito que faz viver. Chega a considerar nossa vida um jogo e nossas atividades como voltadas para o lucro; por isso diz que deve tirar proveito de tudo, até do mal” (Sb 15,11-12).
Um dos grandes desafios e uma das maiores responsabilidades nossas, que cremos, é viver de tal modo e colocarmo-nos no mundo de tal maneira que apareça claramente que vivemos na consciência profunda e convicta de que aqui estamos de passagem, de que “não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está para vir” (Hb 13,14).
Crer é viver à luz do Absoluto, é ter como alicerce da vida a convicção de que não somos a fonte nem o fim de nossa própria vida e nossos poucos dias neste mundo não encontram sentido neles próprios nem em nada como possamos fabricar com nossa inteligência. Se pensarmos bem, veremos claramente que o homem é uma seta que indica um Outro, uma Origem e um Destino; o homem é um grito irrefreável chamando e clamando pelo Sentido, pela Finalidade pelo Fundamento de tudo, a começar pela sua própria vida pessoal.
Para nós, valem ainda as palavras do Autor sagrado:
“Tu, ó nosso Deus, és bom e verdadeiro, és paciente e tudo governas com misericórdia. Mesmo pecando, somos Teus, pois acatamos o Teu poder; mas não pecaremos, sabendo que somos contados como Teus. Conhecer-Te é a justiça perfeita, e acatar Teu poder é a raiz da imortalidade” (Sb 15,1-3).