A PRIMEIRA decisão que toma qualquer viajante é escolher o seu destino. Depois de saber para onde vai, pode, então, decidir que meios de transporte usará na viagem – automóvel ou ‘ a pé, avião ou comboio. O homem prudente procederá pelo mesmo insubstituível método ao planear como há de viver, porque a vida também é uma viagem. Também ela deve ter um destino, escolhido com critério, antes de podermos decidir a melhor maneira de despender as nossas energias e passar os nossos dias.
O homem que orienta conscientemente as suas ações de tal jeito que possa salvar a sua alma, tem como meta a Eternidade e Deus. É este o modo de proceder normal ao homem. Como Macbeth, há pessoas que consideram a vida como uma «história contada por um idiota, cheia de estrépito e de frenesi, e sem significado algum». Mas, como Macbeth, só chegam a esta desesperada conclusão, quando os seus crimes impenitentes os fazem temer o juízo do após-vida. O ateísmo é o que desejavam se cumprisse aqueles que não querem acreditar que alguém, seja embora um Deus Misericordioso, existe «acima deles»: ninguém nega a imortalidade, a não ser que sinta que a sua vida lhe dá razões para a temer. Os clínicos não chegaram às suas presentes crenças, por um caminho premeditado; pecaram e depois adotaram uma justificação, para parecer legítimo o pecado. Primeiro viveram; e, mais tarde, imaginaram um conjunto de crenças, para justificar as suas orações. Os arrazoados vieram depois do mau proceder; não o precederam.
Muitos ateus e agnósticos procuram emprestar à vida algum significado e finalidade, escolhendo um único e temporal valor supremo e fazendo dele a sua meta. Escolhem um «destino» e fazem somente aquilo que parece aproximá-los dele. Assim os gozadores andam toda a vida à cata de prazeres. Os orgulhosos procuram apenas fazer que os outros os considerem como deuses. Um homem pode, facilmente, descobrir qual é para si o supremo valor: é aquilo, cuja falta mais o contristaria, aquilo que, uma vez alcançado, mais o alegraria.
Hoje em dia, há muitas pessoas que consideram a obtenção de riquezas como a meta da sua vida. Isto é um «destino» inferior, porque rebaixa a dignidade do homem, obrigando-o a servir a alguma coisa que é menor que ele mesmo — visto que os bens materiais são inferiores à pessoa humana. Há outros que correm após honras, publicidade e fama. Estes são também fins indignos e demasiado mesquinhos; quem quer que se exponha a um chuveiro, onde não possa levar os seus recortes de jornais, reconhece que a sua celebridade não o elevou acima dos outros homens. Fazer «do que se diz» uma meta na vida, é andar a mendigar uma depressão nervosa, tornando-se escravo do capricho de qualquer palrador.
Numa verdadeira meta da vida há que ter em conta a natureza do homem: aquilo para que foi feito e o que anseia possuir. As faculdades que o distinguem dos animais, são a inteligência (que naturalmente procura conhecer toda a verdade) e a vontade (que deseja abraçar todo o bem). Mas nós sabemos que a Verdade perfeita e o Bem perfeito só em Deus se podem encontrar; a completa satisfação da nossa natureza é portanto impossível, exceto n’Ele. E a felicidade que desfrutamos de procurar a Deus como valor supremo, como meta, não está sujeita aos acidentes da nossa vida sobre a terra; brota do íntimo da própria alma. O homem que tem a Deus como fim, conhece uma paz que o mundo não pode dar, nem destruir.
Quando Deus é escolhido como valor supremo, teremos uma medida para aferir as ações e para saber o grau da sua bondade ou da sua malícia. «Faz bem» o homem, contanto que dirija o seu rumo para Deus; faz mal, quando d’Ele se desvia. A viagem para Deus nesta vida é uma preparação para a Luz da glória, para a posse beatífica de Deus na Eternidade. Romper por todos os obstáculos até chegar a este êxtase perene é o verdadeiro fim para que os homens nasceram; quando rumamos em direção a ele, somos «bons», isto é, estamos a servir à finalidade para que fomos criados. Um lápis é «bom», se escrever bem ; um cavalo de corrida é «bom», se correr bem; um homem é «bom» se cumprir bem o
seu fim, que é conhecer, amar e servir a Deus, como preparação da Eternidade.
Por isso, apenas a vida centrada em Deus pode dar-nos um meio adequado para medir o valor desta ação em relação com aquela. Fazendo do prazer o seu destino, o materialista pode pensar que viverá alegremente ; mas engana-se, porque os prazeres egoístas, pela repetição, tornam-se insípidos e perdem o seu travo. O orgulhoso pode imaginar que o poder e o prestígio satisfarão o seu coração esfomeado; mas também se ilude, porque tais alvos fazem-nos cruéis e desleais, e deixam-nos olimpicamente isolados da nossa raça. Depressa a vida perde gosto e significado para aqueles que, para regular os seus dias, não encontram meta mais elevada que eles mesmos.
Mas quando a verdadeira meta é Deus, tudo é ordenado pela lei do amor. Então a paixão dominante é manter laços de amizade, em primeiro lugar com Deus e depois, como consequência, com a família, com os amigos, com os companheiros e até com os inimigos, por amor de Deus. O mundo já não será povoado de pessoas e coisas sobre as quais projetamos os reflexos da nossa vontade egoísta, mas será povoado de criaturas, que são preciosas e deleitáveis, porque todas podem, de algum modo, fazer-nos avançar na viagem para a nossa meta, que é Deus.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 123-126)