DE todas as coisas que conhece o homem, aquela que ele menos conhece é a si próprio. Não cessa de tentar decifrar o enigma de si mesmo, de sondar qual o sentido da sua natureza. Esforçam-se alguns escritores modernos por encontrar uma solução simplista, reduzindo o homem apenas a um dos seus numerosos instintos — o instinto sexual. Enleados na dificuldade de entender o homem total, apagam do seu conhecimento tudo quanto lhe diz respeito, exceto uma minúscula região, e, depois de a estudarem, simulam ter esgotado as incógnitas do homem. Esta «resposta» ganha popularidade entre aqueles que perderam a compreensão do autêntico sentido da vida: desconhecendo o seu verdadeiro fim, agarram-se à intensidade das experiências sensuais e usam-nas como droga para escapar ao tormento que o significado supremo da vida lhes causa.
O sexo é uma pequena parte do homem, mas proporciona sempre uma ponte para o infinito, para o sobrenatural: se não for divinizado por um amor desinteressado, torna-se diabolicamente perverso. O homem não pode ser «um mero animal» como os animais. Para os jovens, cujos desejos sexuais são mais fortes, o infinito é o clima normal do espírito. Os jovens vivem de sonhos e esperanças do futuro, e todos os seus desejos são infinitos no seu alcance; e é por isso que um falso misticismo reveste qualquer veemente aspiração juvenil. É tão intensamente sentido tudo o que o jovem pensa que não é capaz de lhe pôr limites. O «namorico» não é exceção à regra.
O sexo, mesmo entre aqueles que negam a Deus, não é de molde algum um assunto que não encerre mistérios. O pudor ou a sua negação implicam que este instinto é daqueles que envolvem o espírito, o que não acontece com os outros. Mesmo quando a fome é intensa, ninguém cora pelo desejo de comer. E todos os homens coram, se os acusam de estar secretamente apaixonados. Sentem intuitivamente que há algo de sagrado e reservado nesta paixão e que, portanto, não deve ser propalada tão descuidadamente: envolve segredos que só o céu deve conhecer. É por isso que o casamento, até entre os selvagens, tem sido sempre rodeado de ritos religiosos.
O espírito não pode ser banido do sexo. O desejo humano de fidelidade e amor perene, de lealdade e verdadeira dedicação, não brotam da carne, mas do espírito. O sexo, portanto, atua como um laço entre os mundos do espírito e da matéria. O pudor serve para proteger o aspecto espiritual, de modo a não ser descoberto pelas mãos grosseiras do mundo. E é pelo espírito que os homens se abraçam ao infinito.
O amor, que é propriamente a origem e a finalidade do sexo, é infinito sob outro aspecto: é destinado a dar-se, irradiando do pequeno centro do coração para distâncias sem limite. O amor é centrífugo; foge do «eu» e procura o seu objeto em Deus e em todos os Seus filhos, que lhe surgem no caminho. O amor é uma coisa que não se pode acumular, uma coisa que se tem de gastar para se possuir. Isto é esplendidamente exemplificado na família, porque o amor, que inicialmente só existe entre marido e mulher, vai aumentando, cada vez mais, ao ser despendido por ambos, com os filhos e um com o outro.
Uma vez dado o amor, segundo os desígnios de Deus, nunca mais há de ser retirado. Tem por fim romper caminho, incessantemente, de nós até ao Seu Amor Infinito, até que amemos todas as coisas porque as vemos como pertença Sua. Mas, se o sexo for separado do amor, e se converter apenas em meio de auto-satisfação, o seu curso providencial ficará invertido. A outra pessoa é, então, considerada como um meio de prazer e não como pessoa que exige amor. O «entretenimento» passional converte-se assim em simples intercâmbio de deleites egoístas. E, como jamais foi da natureza do amor regressar ao amante, fazê-lo desse modo, voltar ao eu é envenená-lo, torná-lo um peso sobre o coração e transformar-lhe a energia em ódio. O movimento centrípeto do amor… vindo do próximo e de Deus para o eu… significa desilusão, ódio e amargura. Pode vir Deus até nós por quem quer a quem amemos, contanto que o nosso amor por ele seja dádiva, e se preocupe com os seus melhores interesses e não com os nossos. Mas a atividade sexual, que é egoísta, destrói as nossas relações com Deus e com o próximo. Entra-se no infinito, por meio do amor, pela porta do esquecimento de si próprio; voltar-se, de novo, para si mesmo é retroceder para o finito, e abraçar o descontentamento que acompanha todos os esforços para alcançar a felicidade pela complacência com os apetites.
Das funções humanas a mais «psicossomática» é o sexo: nenhuma outra há em que corpo e alma, finito e infinito, carne e espírito estejam tão intimamente entrelaçados. Quando o sexo conseguir unir os dois, resultarão daí a paz e a alegria; quando a carne e o espírito estiverem divorciados, e somente se buscar o prazer sexual, resultarão o enfado e o tédio. Conservar na devida ordem as relações da alma com o corpo é a empresa de toda a vida. Uma filosofia sexual que, ignorando esta necessidade, estimule a gente a amar o corpo de outro, condena o amor à ruína; porque só perdurará o amor, quando o seu objeto é o corpo mais a alma. O que dá possibilidade ao homem e à mulher de permanecer no amor, é o Infinito que existe para além de ambos. Se tentam excluir o espírito… para limitarem as suas relações amorosas a um simples Tu, e Eu… não há amor. Porque ou o Tu acaba por ser absorvido pelo Eu (o que é domínio e sedução), ou o Eu se rende ao Tu (o que é idolatria). Duas pessoas completas e dedicadas só podem amar, se atraírem as bênçãos do Infinito, de Deus.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 79-82)