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História da Igreja 5ª Época: Capítulo V

Jansênio

Depois da solene condenação do protestantismo no concílio de Trento, pode gozar a Igreja de alguma paz até que apareceu o Jansenismo, heresia que deve seu nome a Cornélio Jansênio, seu autor. Natural de Accoy na Holanda e filho de pobres artistas, foi por um caridoso barbeiro guiado na carreira dos estudos. Mas, para sua primeira desgraça, contraiu amizade com um tal De-Vergel, conhecido na história sob o nome de Abade de São Cirano. Uniu-se a isto o ensino do Dr. Janson, o qual se esmerava em infundir em seus discípulos a doutrina de Baio, doutor da Universidade de Lovaina, condenado pela Igreja. Não obstante isto, como Jansênio ocultava seus erros, e parecia bastante douto nas ciências sagradas e mui apto em fazer obras de caridade, foi nomeado bispo de Iprés no ano 1636. Foi curto seu episcopado, porque dois anos depois morreu de peste, aos 53 ele idade.

Os erros de Jansênio, que em maior parte são em relação à graça, à liberdade, ao pecado original, ao mérito e demérito, estão espalhados em diferentes partes de suas obras, mas especialmente em seu famoso livro chamado Augustinus. Pretendeu expor nele as doutrinas genuínas daquele santo doutor; alterando, porém, o sentido delas, o que na realidade expôs foi a substância do calvinismo sob as aparências de uma doutrina estritamente católica. Ensinava, entre outras causas, que Deus impõe às vezes preceitos impossíveis, e que ao mesmo tempo nega a graça necessária para cumpri-los. Contudo não imprimiu Jansênio seu livro enquanto viveu; mas ao morrer, dispôs que se imprimisse, declarando, entretanto, que o submetia ao juízo da Santa Sé. Antes de expirar pronunciou o seguinte protesto:

“Sei que o Papa é o sucessor de São Pedro e o depositário fiel do tesouro da Igreja; quero, pois, viver e morrer na fé e em comunhão com a cadeira do sucessor do príncipe dos apóstolos, do vigário de Jesus Cristo, do chefe dos pastores, do pontífice da Igreja universal”

Segue-se dai que os erros de Jansênio devem ser efeito, antes da imprudência que da malícia. Seus sectários, porém, longe de seguir o exemplo de seu mestre na submissão, tornaram-se orgulhosos e soberbos; ainda que condenados em di­ferentes vezes se mostraram cada vez mais obstinados. Por isso tal heresia durou longo tempo e causou gravíssimos males à Igreja porque com mil subterfúgios e enganos achou modo de encobrir-se com o manto do catolicismo.

Novas barbaridades no Japão

A perseguição suscitada contra os cristãos por Taicosama, pareceu apaziguar-se algum tanto com sua morte e a de seus sucessores. Porém no reinado de Hogun-Sama e de seu filho, recrudesceu ainda mais, e tornou-se mui atroz. Foram postas em obra, para fazer apostatar os cristãos todas as barbaridades que se puderam inventar. A uns, arrancavam as unhas, a outros furavam os braços e as pernas com verrumas; a muitos metiam sovelas por debaixo das unhas, e repetia-se o tormento durante vários dias consecutivos; suspendiam-os sobre poços cheios de víboras; atavam em seus narizes canos e tubos cheios de enxofre ou de outras matérias de cheiro insuportável, e logo ateavam fogo nelas, e sopravam para fazer fumaça e afogá-los, causando assim sufocações, convulsões e dores indizíveis. Mas não parava ali sua crueldade, pois metiam dentro de seus corpos canos pontiagudos, e suspendendo-os, flagelavam até descobrir-lhes os ossos. Para lacerar ao mesmo tempo o corpo e o coração das mães, davam golpes nelas com as cabeças dos próprios filhos, agarrados nos pés pelos verdugos, que, tanto mais aumentavam sua crueldade quanto mais agudos eram os gritos daquelas inocentes vítimas. Desde o ano 1597 até 1650, calcula-se que foram martirizados mais de um milhão e duzentos mil fiéis, e com tal gênero de tormentos que em sua comparação, a pena do fogo era considerada como uma mercê.

Castigo dos perseguidores

A justiça de Deus, porém, não deixou, como nos primeiros séculos da Igreja, de se manifestar contra os autores de tão horrenda perseguição. Um daqueles sobre o qual mais se fez sentir, foi Brogondono, príncipe da Himbra, que a todos tinha excedido em crueldades. Ao sair de uma conferência, em que se tinha decidido exterminar o cristianismo, foi surpreendido por agudas dores intestinais que o faziam dar horrorosos gritos e sofrer espantosas contorções. Causava horror ver a agitação de seu corpo, as espumas que lançava pela boca, os gritos que dava e as instâncias que fazia para tirarem de sua presença a um cristão armado de uma foice que, segundo dizia, se achava diante dele ameaçando-o continuamente. Caíram-lhe todos os dentes, e acendeu-se-lhe um fogo tão abrasador em seu corpo, que parecia ferver o sangue de suas veias e a medula de seus ossos. Conduziram-no a um banho de água quente onde fizera perecer a muitos cristãos; porém, apenas o mergulharam nele, ficou como cozido e morreu miseravelmente. Outros muitos perseguidores terminaram sua vida de modo a perceber-se que se viu claramente neles o sinal da ira de Deus. Todavia, a perseguição não cessou senão quando se acreditou, que mortos já todos os ministros do santuário e extinto o clero, também se tinham extinguido todos os cristãos. Mas estavam muito enganados. A fé cristã se manteve naquele império ainda sem eclesiásticos; e poucos anos há, tendo novamente entrado os missionários naqueles países, encontraram com admiração, famílias e povos de bastante consideração, inteiramente cristãos.

São José Calazans e as Escolas Pias

Escolheu Deus na pessoa de São José Calazans, um poderoso sustentáculo para a mocidade ameaçada. Nascido em Pedralta, na Espanha, de família nobre, deu desde seus primeiros anos, claros sinais de sua futura caridade para com os meninos, e do cuidado especial que teria com eles, pois, desde então, costumava reuni-los em redor de si, ensinar-lhes as orações e os mistérios da fé leva-los à igreja e a receber os santos sacramentos. Ordenado sacerdote, depois de sérios estudos, correu pregando durante oito anos, diferentes províncias de Espanha. Porém avisado por visões celestiais, foi a Roma no ano 1592. Ali, além de macerar seu corpo com jejuns, vigílias e outras austeridades, dedicou-se com ardor admirável a instruir aos meninos, a visitar e consolar os enfermos, e aliviar aos mais abandonados. Em uma grande mortandade associou-se com Camilo de Lelis para servir aos doentes de peste. Mas, fazendo-lhe Deus conhecer que sua missão era para os meninos pobres, para eles dirigiu suas solicitudes. Para ter herdeiros de seu zelo e caridade, instituiu, sob a proteção da Santa Virgem, uma Congregação de religiosos, chamada dos Escolápios, pela união das duas palavras Escolas pias.

A nova congregação começava já a produzir frutos de bênção, quando o demônio se atirou furiosamente contra ela para destruí-la. O santo instituidor a susteve com incríveis trabalhos, e exercitando de tal maneira sua paciência, que era por todos chamado um novo Jó. Ainda que Superior geral, continuou como antes, varrendo seu quarto, limpando roupas e estendendo a cama. Nada descuidava do que pudesse contribuir para o bem de seus pobres meninos; acompanha­va-os nas diversas ruas da cidade até suas respectivas casas; ouvia-os a qualquer hora do dia, e achava-se sempre pronto para socorrê-los em todas as suas necessidades espirituais e temporais. Apesar de sua débil saúde, perseverou durante 40 anos neste trabalhoso ministério. Costumava recomendar a todos a devoção à Bem-aventurada Virgem Maria, que foi para ele objeto de particular veneração durante o curso de toda sua vida. Um dia, enquanto rezava com seus queridos meninos, apareceu-lhe a Santa Virgem com o menino Jesus, em atitude de abençoá-los. Aos 80 anos de idade teve de padecer muitas aflições por parte de três religiosos, dois deles de sua congregação. Caluniado e levado ante os tribunais, foi deposto do cargo de superior geral; porém, Deus o sustentou com sua graça e com seus celestiais favores. Esclarecido com o dom das profecias e milagres e da penetração dos corações, morreu em Roma, aos 92 anos de idade, depois de ter predito o restabelecimento e incremento da sua ordem, que se achava quase extinta então. Morreu a 25 de agosto do ano 1648. Seu coração e sua língua achavam-se ainda incorruptos 100 anos depois de sua morte.

São Vicente de Paulo e os Lazaristas

A caridade cristã, que já tinha operado tantas maravilhas, devia produzir outras novas, e sob certos aspetos ainda mais admiráveis, na pessoa de São Vicente de Paulo. De humilde pastorzinho, tornou-se pelo estudo e pela virtude, digno do sacerdócio; caiu depois em poder dos Turcos e mais tarde foi, em Paris, vítima de uma calúnia. assim aprendeu a compadecer-se das misérias dos homens. Entregue completamente ao exercício da caridade, não havia infortúnio que não socorresse. Cristãos oprimidos pela escravidão, crianças expostas, jovens licenciosos, religiosos desamparados, mulheres caídas, peregrinos enfermos, artistas inválidos, loucos e mendigos, todos provaram os efeitos da caridade de Vicente. Para manter em seu primeiro vigor as obras de caridade, que ia fundando, instituiu a Congregação dos sacerdotes da Missão, apelidados Lazaristas, por assim chamar-se a casa de São Lázaro em Paris, onde a princípio viveram. Dilatou-se esta por todas as partes do mundo com enorme proveito da cristandade. Também fundou a Congregação das Filhas da Caridade cujo fim principal foi, a princípio, a assistência dos enfermos nos hospitais; porém mais tarde, consagraram-se ao serviço de qualquer instituição onde a caridade precisasse de seu trabalho, tais como escolas, asilos, casa de repouso, cárceres e estabelecimentos para órfãos. Esclarecido por virtudes e milagres, passou Vicente para melhor vida, no ano 1660, aos 80 anos de idade. Os hereges, e até os próprios ateus, não podendo negar um tributo de admiração a São Vicente de Paulo, colocaram sua estátua no Panteon dos homens beneméritos da pátria; e Voltaire, o grande mestre da impiedade, tinha grandes elogios para com as Irmãs da caridade.

Reforma dos Trapistas

A Congregação dos Trapistas foi fundada no século XII por São Roberto sob a observância da regra de São Bento. Deve seu nome à Abadia principal da Diocese de Sez, em França, situada em um grande vale coroado de colinas e montanhas. Durante muitos anos floresceu de tal modo a observância religiosa, que saiu dali um grande número de santos; porém com o andar do tempo, introduziu-se nela tal relaxamento, que no século XVII já tinha perdido completamente seu antigo esplendor. Deus, porém, suscitou, na pessoa de um douto e rico eclesiástico chamado João de Rance, um austero restaurador da primitiva observância. Tinha este, por certo tempo, empregado seu saber e suas riquezas em favor do jansenismo, por cujo motivo levava uma vida mundana e repreensível. Compadeceu-se Deus dele. A morte repentina de um seu parente, e o ter escapado prodigiosamente de um tiro de fuzil, fizeram-no entrar em si, e pensar no juízo divino, ante o qual todos os homens se devem apresentar. Renunciou, pois, às vaidades do século, abjurou os sofismas do jansenismo, repartiu entre os pobres seus haveres, e vestiu o hábito do Cistér na Trapa. Feito pouco depois superior da Abadia, dedicou-se com ânimo resoluto a remediar os abusos que nela se tinham introduzido, e com, seu exemplo e autoridade, conseguiu fazer tornar a observância a seu antigo esplendor.

Eis uma ideia da vida dos Trapistas, em sua solidão. Sofrem muito frio no inverno porque tem sempre a cabeça descoberta e nunca se aquecem ao fogo. Padecem muito calor no verão, pois nem limpam o suor do rosto Levantam-se a meia noite durante todo o curso do ano, e não se deitam até anoitecer. Nunca se encostam quando estão assentados. Durante oito meses contínuos comem uma só vez ao dia; renunciam ao uso do vinho, da carne, do peixe, dos ovos, da manteiga e do azeite. Trabalham sem descanso e em obras mui pesadas; durante as grandes solenidades salmodiam pelo espaço de doze horas; nas festividades comuns; onze, e nunca menos de oito nos demais dias do ano. Um grosso e basto pano lhes serve de hábito no verão e no inverno. Dormem sobre tábuas nuas, observam rigoroso silêncio toda a vida, e renunciam às notícias do século, de seus pais e amigos, demonstrando assim com os fatos, que estão realmente mortos para o mundo.

João de Rancé, depois de passados quarenta anos nesta penitência, morreu octogenário, no ano 1700, com a consolação de ver florescer a observância religiosa, em seu maior auge, em toda sua congregação.

História do Galicanismo

Para ter uma ideia clara do Galicanismo ou das liberdades galicanas ou como outros dizem, da igreja galicanas, é bom remontar à sua origem. Alguns querem fazê-la subir até os tempos apostólicos, enquanto outros pretendem que estas liberdades foram decretadas pelo rei São Luiz. Estas asserções, porém, carecem de fundamento. O princípio do Galicanismo acha-se ligado à Pragmática Sanção do ano 1438, solenemente abolida no ano 1516, por uma concordata entre o sumo pontífi­ce Leão X e Francisco I. Estes princípios do Galicanismo foram mais tarde, no ano de 1682, re­duzidos a verdadeiro sistema religioso em desprezo da Igreja, sob o reinado de Luiz XIV. Este príncipe teve um reinado mais longo do que qualquer outro soberano conhecido. Efetivamente regeu os destinos da França desde o ano 1643 até 1715. Teve a mania de imiscuir-se nos assuntos religiosos, e quis, entre outras coisas, reunir os eclesiásticos mais ilustres de seus Estados, para por um limite ao poder do Sumo Pontífice, Chefe da Igreja; como se este que recebeu do Salvador a plenitude de autoridade sobre os cristãos do mundo inteiro, tivesse de deixá-la restringir por um monarca, cujos poderes se limitavam ao reino de França. Achavam-se, pois, naquela assembléia, reunida. em Paris, 35 bispos e 25 deputados, e proclamaram os quatro artigos que constituem a base da chamada Igreja galicana. O quarto desses artigos assim se exprime:

“Ainda que o Pontífice tenha a parte principal nas questões de fé, e seus decretos digam respeito a todas as igrejas e a cada uma delas em particular, contudo, pode seu juízo ser corrigido se não aderir a ele o consentimento da Igreja”

Só este artigo, derruba em sua base o catolicismo, porque põe em dúvida tudo o que fizeram os Papas desde São Pedro em diante. Dai se originaram guerras obstinadas contra a Santa Sé. Os sumos pontífices condenaram o Galicanismo, ao passo que os reis e muitos bispos franceses tomaram com tenacidade sua defesa. Finalmente, ao definir o Concílio Vaticano, que o Romano Pontífice é infalível nas coisas concernentes à fé e aos costumes, deu fim às turbulências que agitaram a Igreja durante duzentos anos. Os bispos de França, reunidos neste concílio com os bispos de todo o mundo, ao declararem infalível o Romano Pontífice, condenaram o Galicanismo com todas as consequências que se pretendiam tirar dos quatro artigos principais das liberdades galicanas.

Progresso do Evangelho no Novo Mundo

Quando os ministros católicos pisaram pela primeira vez aquelas vastíssimas regiões que formam o novo mundo, encontraram dificuldades para a pregação do Evangelho e para a conversão dos selvagens; porém, quando pela ferocidade destes, foram mortos alguns missionários e começou a correr o sangue dos mártires, viu-se logo que o derramamento de sangue seria como nos primeiros tempos da Igreja, semente fecunda de novos cristãos. Aqueles povos entregues desde tantos séculos à embriaguez, à luxúria, ao roubo, e o que mais espanta, acostumados a comer carne humana, à medida que recebiam a luz do Evangelho, depunham sua ferocidade, tornavam-se castos, sóbrios, piedosos, e prontos também para, derramar seu sangue por Jesus Cristo. Desde o golfo do México até o estreito de Magalhães, nas terras banhadas pelo Maranhão e Orenoco, de três mil a três mil e seiscentas milhas, nos lugares pantanosos e nas inacessíveis montanhas dos Mossas, dos Quiquitos, dos Baceros, e até dos Quirinanos, para o outro lado do Taman; entre os Guaranis e outros povos antropófagos, ressoou cheio de encantos, o nome de Jesus. assim, pois, de um extremo a outro do novo mundo, renovaram-se os floridos tempos da igreja primitiva. Ano 1700.