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História da Igreja 1ª Época: Capítulo XX

São Caio e a décima perseguição

A São Xisto II sucedeu São Dionisio que governou a Igreja onze anos e três meses. A este sucedeu São Felix, que ocupou cerca de três anos a sede de São Pedro Em sua morte subiu ao trono pontifício Santo Eutiquiano, que o ocupou durante oito anos e dez meses; ambos morreram mártires. Depois do martírio de Santo Eustaquiano, elegeram Papa a São Caio, sobrinho do Imperador Diocleciano. Nascera em Solona cidade marítima do Adriático, de pais nobres e ricos; foi enviado a Roma para cursar seus estudos. Tendo tido ali ocasião de conhecer o Evangelho se fez cristão e mais tarde abraçou o estado eclesiástico. Trabalhou muito nos pontificados de São Felix e de Santo Eutiquiano, e quando este último ganhou a palma do martírio, o elegeram para para lhe suceder, no ano 283. Durante o segundo ano de seu pontificado (284) rebentou a perseguição de Diocleciano, que foi a mais sanguinolenta de todas as que a precederam. São Caio, como, sobrinho do imperador, não deixou de o repreender vivamente; porém em vão, porque o imperador, para captar as simpatias dos pagãos, renovou o decreto imperial, no qual declarava que a idolatria era a única religião do império. Acrescentava-se nesse decreto que não podia se fazer compra nem venda, sem primeiro oferecer incenso aos ídolos. Para este fim foram colocadas pequenas estátuas, representando ídolos, em todas as esquinas dos palácios, das ruas, das praças, perto dos poços, das fontes e dos negócios de comestíveis, e nada podia se comprar sem sacrificar antes àquele pequeno ídolo.

Caio, durante o curso dos quatro primeiros anos de seu pontificado, pode permanecer com suficiente segurança em casa de Gabinio, seu irmão; porém quando tomou incrementos a perseguição, ele também teve de esconder-se nas grutas e nas catacumbas, para poder cumprir os ofícios de seu sagrado ministério. Saia dali com muita frequência para socorrer os que perigavam na fé. Ainda que Diocleciano desejasse acabar com os cristãos, repugnava-lhe contudo condenar Caio, pois, sendo seu parente, dele cuidara durante sua infância. Via além disso em Caio um homem de grandes virtudes e como tal sempre o tinha amado e venerado; mas, tão grande era o ódio que concentrava contra a religião cristã que finalmente decidiu-se a pronunciar também contra ele a sentença de morte. Para salvar ao menos as aparências e não passar por verdugo de sua família, mandou que se executasse a sentença ocultamente e de noite. assim foi martirizado São Caio, depois de mais de doze anos de pontificado, no ano 29ó.

São Marcelino e a legião tebana

Tendo morrido São Caio, sepultou seu precioso cadáver um sacerdote chamado Marcelino, o mesmo que lhe sucedeu no pontificado. Em princípios de seu pontificado foram a Roma os soldados da legião tebana sob o comando de São Maurício. Chama-se assim essa legião, porque os soldados que a compunham costumavam se convocar e reunir em Tebas, célebre cidade do Egito. Devendo dar-se começo a uma guerra perigosa contra os Bagáudos, povos da Galia, Maximiano, que tinha sido criado por Diocleciano seu colega no império, chamou do oriente essa legião, que se distinguia no exército romano por seu valor e fidelidade. Ao ir a Itália aqueles soldados passaram por Jerusalém, onde muitos deles que eram catecumenos receberam o batismo administrado por São Lambda, bispo daquela cidade. (V. Bar. An. 297).

Chegando a Roma se apresentaram ao Papa, e pediram que administrasse a confirmação aos que ainda não a tinham recebido. O santo pontífice depois de certificado que se achavam suficientemente instruídos, administrou-lhes esse Sacramento e, ao concluir a sagrada cerimônia, lhes falou do seguinte modo:

“Meus filhos, ide, e para onde fordes, dai-vos a conhecer por verdadeiros soldados de Jesus Cristo, prontos a morrer em qualquer tempo, antes que manchar a pureza dessa fé que há pouco acabais de receber”. (Bar. luqar citado).

Martírio da legião tebana

Saindo de Roma, atravessaram a Itália, e passando os Alpes Apeninos, ali onde se levanta agora o grande São Bernardo, foram unir-se com Maximiano, que com o resto do exército os estava esperando nas planícies de Valés, perto de uma cidade chamada então Otoduro e hoje Martigny. Vendo Maximiano que naquela região havia muitos cristãos, quis que todos os seus soldados o ajudassem a persegui-los e a dar-lhes a morte, e entretanto participassem dos sacrifícios que por sua ordem se ofereciam as divindades do império. Três coisas exigia pois incontinente Maximiano: que todo o exército fizesse um sacrifício aos deuses; que jurasse fidelidade ao Imperador, invocando seus ídolos e finalmente que todos prometessem ir em busca dos cristãos para os condenar a morte como inimigos dos deuses do império. Os soldados idólatras obedeceram sem demora, porém assim não se deu relativamente aos valentes tebanos. Quando chegou aos ouvidos de Maurício, seu chefe esta resolução, resolveu juntamente com todos os seus soldados, resistir a estas ordens injustas. Ele com sua legião se achava a umas dez milhas do lugar onde estava Maximiano Augusto, em lugar chamado Agauno, hoje São Mauricio, perto do grande São Bernardo. Informado Maximiano de sua resistência, ordenou que a legião tebana fosse a primeira a executar sua ordem, ameaçando com os efeitos de sua cólera aos que desobedecessem. Todos os tebanos responderam a uma voz: Christiana religione impedimur; a religião cristã no-lo proibe. Enraivecido o imperador por tão desdenhosa resposta, mandou que fosse dizimada a legião isto é, que de dez se sorteasse um para lhe dar a morte. A legião foi dizimada, mas os que ficaram vivos não perderam a coragem; por isso Maximiano mandou-a dizimar pela segunda vez. E aqueles heróis, longe de se oporem, submeteram­-se com alegria a tão cruel carnificina; e até os que sobreviviam invejavam a sorte de seus companheiros mortos pela fé. Como todos, porém, permanecessem firmes nela o imperador ordenou uma matança geral; em cumprimento de suas ordens o exército rodeou a legião que se compunha de uns soldados e os passou pelas armas. Este fato deu-se aos 22 de Setembro do ano 297. São Avito, bispo de Viena em França, fazendo o panegírico dessa legião de soldados, disse que nenhum deles se condenou porque todos morreram por Jesus Cristo.

Era dos mártires

Havia já dezoito anos que Diocleciano governava o império, e ainda que durante esse espaço de tempo, sempre tivessem sido perseguídos os cristãos, contudo a perseguição se achava muito longe de ter chegado àquele espantoso estado de crueldade que alcançou durante os últimos anos do reinado de Diocleciano. Ao findar o ano 302 achava-se este em Nicomedia com Galério, que já tinha sido criado Cesar do império do Oriente. Animado este por um ódio implacável contra a religião de Cristo, dizia ao imperador:

“Já é tempo de acabarmos com esses miseráveis cristãos; é gente obstinada, e enquanto houver um deles sobre a terra, existirá uma semente de desventura para o império”

Diocleciano de idade já avançada, posto que detestasse os cristãos, tivera não obstante de admirar muitas vezes a sua fidelidade e virtude heroica. Representavam-se-­lhe as belas qualidades de seu irmão São Gabinio, de seus sobrinhos São Caio Papa, Cláudio, Máximo e outros muitos companheiros seus que ele mesmo tinha condenado a morte. Recordava além disso as virtudes de Cromácio, prefeito de Roma, de Sebastião, general de seus exércitos, e de outros muitos heróis mortos pela fé. Ainda era recente o fato da legião tebana, martirizada por seu colega Maximiano. Tão pouco ignorava ele imperador que sua consorte Serena, Valéria sua filha e outros da corte, muito queridos dele, eram cristãos. Por todas essas razões, respondia a Galério, que não era prudente voltar a perturbar a paz do império e derramar rios de sangue. Por outra parte, acrescentava, com os suplícios não conseguiremos nada, porque os cristãos nada mais desejam do que morrer. Galério consultou a opinião dos ministros do Estado, que, para não lhe desagradarem, votaram pela perseguição. Hesitando ainda o imperador, quis que se consultasse o oráculo de Apolo. Este respondeu:

“Os justos espalhados sabre a terra me impedem de falar”

Perguntou-se aos sacerdotes dos ídolos quem eram os justos, e estes disseram que com esse nome se designavam os cristãos.

Novo decreto contra os cristãos: Decreto de Diocleciano

Em vista disto, Diocleciano firmou o fatal decreto de extermínio universal de todos os cristãos, com a data de 23 de Fevereiro de 303. Entre outras iniquidades, ordenou o seguinte:

“Sejam arrasadas as igrejas dos cristãos, queimados os seus livros; qualquer de nossos súditos reconhecido como cristão, seja despojado imediatamente de suas riquezas, de suas dignidades e seja condenado a morte. Também poderá ser ele citado e apresentado perante os tribunais, mas ele não poderá citar nem chamar a juízo; nem terá direito de pedir que se lhe restitua o roubado, nem de pedir satisfação por injúrias ou por ultraje. Os escravos que obtiveram liberdade, se forem cristãos, voltarão a ser cativos”

Em força deste edito infernal, os cristãos, estavam fora da lei; isto é, já não podiam gozar do apoio da autoridade civil; de modo que qualquer pessoa podia impunemente insultá-los, desprezá­-los, despojá-los, roubá-los, sem que eles de modo algum pudessem defender-se. Um decreto especial mandava que se atirassem as chamas todos os seus livros, e havia pena de morte para aquele em cuja casa ou pessoa se encontrasse um livro da religião cristã.

Um terceiro decreto, dirigido especialmente contra os bispos e sacerdotes, dizia que estes deviam ser procurados com preferência para serem condenados a morte. Maximiano confirmou no Ocidente tudo o que o seu colega estabelecera na parte oriental do império.

Efeitos dessa perseguição

Essa perseguição não conseguiu o resultado que esperavam os idólatras, e o que alcançaram com ela unicamente, foi dar a conhecer mais e mais a divindade de nossa santa religião, pois que os cristãos de todo o império preferiram sofrer todos os tormentas e derramar seu sangue, antes que renunciar a sua fé. O Céu se povoou de santos mártires, a Igreja resplandeceu pela virtude heroica de seus filhos, e os que por temor dos sofrimentos apostataram, ao terminar a perseguição, fazendo sincera penitência, voltaram ao seio de sua mãe, a Igreja; de modo que os esforços de Satanás para destruir a religião de Jesus Cristo não serviram senão para tornar mais brilhante o seu triunfo. Nesses supremos momentos o Papa Marcelino se rodeou de varões peritos em pregar com zelo e integridade as verdades do Evangelho, e com eles trabalhou heroicamente até que lhe cortaram a cabeça, a 26 de Abril do ano 304.

Fim de Diocleciano

Tendo firmado Diocleciano, o sanguinolento decreto transcrito anteriormente, começaram a cair sobre ele várias desgraças. Galério que o tinha instigado a perseguir os cristãos, rebelou-se, ameaçando-o com a morte se não abdicasse. Diocleciano fatigado pela idade e pelos trabalhos, cedendo as ameaçadoras instancias de seu filho adotivo, renunciou ao trono e se retirou para Solona, sua pátria. Mas a mão de Deus que pesava sobre ele, o acompanhou por todas as partes; perdeu quase completamente a uso da razão, e restaram-lhe tão somente as luzes suficientes para sentir todo o peso de seu envelhecimento. Apoderou-se dele um humor acre, que o foi consumindo pouco a pouco; languído, triste, continuamente agitado, já não tomava quase alimento; tornava-se-lhe impossível descansar de dia e dormir de noite. Frequentemente se encontrava chorando como uma criança. Oprimido pelos seus sofrimentos e pelos açoites da vingança divina, entregou-se aos mais violentos arrebatamentos, e cego por sua cólera, se golpeava, ou se atirava ao chão, dando horrorosos gritos. Finalmente não podendo mais carregar uma vida tao miserável, terminou-a com um último crime, deixando-se morrer de fome. Ano 313.