Há uma profunda diferença de qualidade entre os os bens possuídos, de que precisamos, usamos e realmente desfrutamos, e a acumulação de coisas inúteis, que amontoamos por vaidade, avidez ou desejo de ultrapassar os outros. A primeira espécie de posse é uma extensão legítima da personalidade: com o nosso amor enriquecemos um objeto que usamos muito, e ganhamos-lhe afeição. Podemos notar estas duas espécies de propriedade quando observamos as crianças: a que só possui um brinquedo, enriquece-o com o seu amor. A amimada com muitos brinquedos à sua disposição, rapidamente se enfastia e deixa de sentir prazer em qualquer deles. A qualidade do amor diminui com a quantidade de objetos a este oferecidos, como um rio que, quanto mais se espalha pela planície, menos profundo é.
Quando visitamos um grande palácio, habitado apenas por duas pessoas, sentimos lá dentro a frialdade da solidão. É que é vasto demais para o amor humano fazer dele seu lar. Pela presença, cada um de nós pode dar fidalguia a uns poucos de metros cúbicos, mas sempre em número restrito. Quanto mais se possuir além do limite que podemos amar e fazer aderir a nós, tanto mais se sofrerá de tédio, aborrecimento e saciedade.
Apesar disso, os homens e as mulheres nunca deixam de procurar aumentar as suas posses muito para além do que podem gozar. A causa disto é a errada convicção de que a sua fome de Infinito pode ser saciada por uma infinidade de coisas materiais: o que realmente desejam é a Infinidade do Amor Divino.
Quando uma vez começamos a ter ânsias de riqueza, facilmente a nossa imaginação se desencaminha à procura duma falsa infinidade; porque riqueza e dinheiro são coisas que falam à imaginação, que é insaciável nos seus desejos. Bens reais, tais como aqueles de que precisa o nosso corpo, não gostam dessa qualidade; é bem reduzido o limite da quantidade de alimento que o nosso estômago pode ingerir e, quando for atingido, nada mais queremos. Nosso Senhor alimentou no deserto, com peixe e pão, cinco mil pessoas, e todas ficaram saciadas. Mas se, em vez disso, lhes tivesse dado 20.000 dólares em títulos de dívida de guerra, nenhuma teria dito: «para mim, basta-me um».
Dinheiro posto a crédito — ações, títulos, balanços bancários — não têm limite fixo em que se diga: «mas não». Neles há uma caricatura do infinito, que permite aos homens usá-los como falsas religiões, como substitutos da verdadeira Infinidade de Deus. Como o dinheiro, também o amor e o poder se podem tornar religiões «ersatz»: os que buscam estas coisas como fins, jamais encontrarão satisfação. Tais homens andam todos à procura de Deus, mas desconhecem o Seu Nome e onde encontrá-Lo.
Dado que todo o incremento de quantidade nas Coisas que amamos, conduz a uma diminuição na qualidade do amor, dois meios há de manter puro o amor. Um é dar na medida em que recebemos; lembra-nos esta disposição de espírito que somos apenas administradores das riquezas de Deus e não seus donos legítimos. Poucos, porém, se arriscam a isto; têm receio de tocar no seu «capital», e cada centavo que lhe acrescentam, torna-se parte integrante do sacratíssimo monte, ao qual nada se pode subtrair. Identificam-se com o que amam; se se trata de riqueza, não podem tolerar que lhes tirem a mais minúscula parte do seu opressivo fardo.
O segundo modo que nos preserva de uma torpe cobiça indecorosa é a virtude heroica, o completo desprendimento da riqueza, como foi praticado por São Francisco de Assis e por todos aqueles que fazem voto de pobreza. Há um paradoxo em tal renúncia porque o homem, que até à segurança do seu futuro renunciou, é o homem mais rico do mundo; ele é o mais seguro de todos, porque nada deseja e isso é uma glória de que nenhum milionário se pode gabar. O poder de renúncia em nós sobrepuja o poder de posse; nenhum homem pode ser dono da Terra, mas qualquer um pode renunciar à sua posse.
Os avarentos podem encher os alforjes, mas nunca os corações, porque não podem acumular toda a riqueza que são capazes de imaginar e desejar. Os pobres de coração, porém, são ricos de felicidade. Deu-nos Deus amor suficiente para dispensar na viagem de regresso para Ele até que n’Ele pudéssemos encontrar o infinito: não nos deu, porém, amor bastante para amontoar.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 43-45)