Era pelo fim de nossa excursão de férias. Descansávamos, havia algum tempo, na propriedade dum benfeitor de nossa escola e na hospedagem que nos fôra concedida, levávamos alegre vida de acampamento, em meio à maravilhosa paisagem.
Caia a noite. O céu estrelado se arqueava acima de nossas cabeças. Assentados em silêncio à volta da fogueira do bivaque, gozávamos da quietude noturna.
“Olhem, olhem só”, exclamou o Celsinho de repente, “vejam lá!”
“Que é que você tem?” – alvoroçou-se Carlos. “Por que grita assim?”
“Oh, como era bonito! Não viram? Uma estrela caiu do céu. Que lindo! Sr. Doutor, por obséquio, aonde foi cair essa estrela?”
O professor procurou primeiro acalmar o Celsinho. Celso era o mais novo do grupo. Havia duas semanas que terminara as provas, e teve licença de visitar o irmão mais velho no acampamento.
“Calma, Celsinho”, disse o professor, “você quer saber para onde voou aquela estrela? Ora, para a seu destino fatal. Ela se desprendeu do sol vivificante e acalentador, do seu centro luminoso, e se precipita agora no vácuo, nas trevas!”
“Que pena”, comentou o pequeno, “era tão brilhante! E grande como uma melancia.”
“Ora, um pouco maior já terá sido”, replicou Francisco, o secundarista. “Saiba, Celsinho, que há estrelas que são cem vezes maiores do que nossa terra!”
“Sr. Doutor, o Francisco está a contar lorotas. Aqueles botões de prata lá no firmamento seriam maiores do que a terra?”
Nosso mestre lançou alguma lenha ao fogo e acenou para que nos aproximássemos. A noite estava admiravelmente serena. Apenas o regato murmurava sonolento; raro se ouvia o salto dum peixe no tanque próximo.
“Maior do que a terra? Não somente cem vezes maiores do que a terra, mas mesmo maiores do que o sol. Desses tamanhos e distâncias vocês não têm a mais leve idéia. Se prometerem ficar bem quietos, posso contar-lhes maravilhas do mundo das estrelas”.
Naturalmente prometemos. Francisco adiantou:
“Que sensação estranha nos enche numa noite estrelada? E tão calma! Não sei como externá-la… Como se alguma coisa invisível me levantasse… Sinto Deus tão perto de minha alma!”
“Sim, sim, essa sensação de compreendermos algo de misterioso…” disse o professor. “Quando consideramos o céu estrelado, sentimos e mais profundamente ainda, o mesmo que Aristóteles, o grande sábio grego. Em uma passagem diz ele: ‘Assim como alguém do alto do monte Ida, vê avançar pela planície o exército grego em plena ordem de batalha — à frente a cavalaria, seus ginetes e carros de batalha, em seguida a infantaria — e não pode deixar de pensar que deve haver quem ordene essa massa guerreira e a mantenha em disciplina; ou como o marinheiro, à vista dum navio de velas enfunadas pelo vento, está convencido que nessa embarcação se acha um piloto que a dirige e guia ao porto, assim procuram ao Criador e Mestre desta maravilhosa ordem do universo aqueles que levantam seu olhar ao firmamento, admirando a ordenada multidão de astros, vendo como o sol completa seu curso de leste para o oeste, — e devem forçosamente chegar à conclusão de que tu de isso não podia criar-se pelo acaso, mas há de emanar do poder de um Ser Eterno.'” (Sect. Emp. dogm. III 2, fragm. II, p. 36).
“E, contudo, Aristóteles não dispunha de luneta nem de telescópio, não é?”, inquiriu Carlos.
“Naturalmente que não possuía. Ele perscrutava o firmamento a olhos desarmados. Que não teria dito, se tivesse podido contemplá-lo através dum dos modernos telescópios, que ampliam a imagem cerca de mil vezes! Vocês conhecem certamente as constelações do Zodíaco?”
“Carneiro, Touro, Gêmeos, Câncer,” começou Carlos, mas o mestre interrompeu-o:
“Bem, Carlos! Tomemos os Gêmeos. Nem mesmo a vista mais aguda é capaz de perceber mais de seis estrelas naquela constelação. E através do telescópio? Mais de 3OOO! Isso apenas nos Gêmeos. Reparemos agora a Via Láctea”.
“A Via Láctea!?”
“Sim. À vista desarmada, ela é apenas uma nebulosidade. E com o telescópio? Parece que nós achamos no seio duma tempestade de neve. Milhões de flocos nos rodeiam, mas cada um destes flocos é uma imensa, gigantesca estrela.”
“Senhor Doutor, podem-se contar os astros?”, perguntou Carlos.
“Isso não. Mas podemos falar em geral, de várias centenas de milhões.”
“E essas estrelas são de fato tão grandes? Em verdade maiores do que nossa terra?”, aventurou o Celsinho de novo.
“Escute, rapaz: Urano é 14 vezes maior do que a terra, Netuno, 17 vezes, Saturno, 93 vezes, Júpiter até 1279 vezes maior. E que é tudo isso comparado ao sol! Ele é 1.3OO.OOO vezes a terra, isto é, outros tantos globos terrestres poderiam ser formados com ele. Agora jogamos só com milhões. E vocês podem imaginar que altura alcançaria, por exemplo, um milhão de cartas de jogar empilhadas? Mais de um quilômetro! Experimentem agora imaginar o que seria um milhão de Terras! Se transportássemos a terra com a lua para dentro do sol, e a lua continuasse girando ao redor da terra na mesma distância como agora, poderia girar livremente ao redor do planeta.”
“Simplesmente fantástico!”, exclamou Carlos.
“Espere, meu caro! Sírio é ainda 12 vezes maior do que o sol, e existem outros astros ainda maiores do que Sírio.”
“Então devem estar prodigiosamente afastados, para nos parecerem tão pequenos”.
“Realmente. Nossa inteligência chega a calcular, mas a fantasia dificilmente pode imaginar tais distâncias. Assim, a lua, que parece tão próxima, logo atrás daquela árvore, está a 384.4OO km de nós; o sol, entretanto, a 149.48O.OOO km. Um trem expresso, que fizesse 1OO km à hora, levaria 17O anos de corrida ininterrupta, para chegar ao sol. A luz faz esse trajeto em menos tempo, em 8 minutos e meio nos alcança. Não é, Carlos, já ouviu falar do ano-luz?”
“Sim. Aprendemos que é difícil calcular em quilômetros a distância das estrelas; a fim de não precisar trabalhar com números imensos, calculamos por meio de ano-luz, em vez de quilômetros. A luz percorre 3OO.OOO km por segundo; um ano-luz é, pois o trajeto que a luz faz em um ano.”
“Exato. Já refletiu, porém, que velocidade é essa? Um trem, a 6O km por hora, havia de percorrer o equador no espaço de um mês. A luz percorre-o 8 vezes por segundo! Num ano, a luz faz esse trajeto 236.52O.OOO vezes, ou sejam… 9.46O.8OO.OOO.OOO km. Isto é o ano-luz. Reparem que a luz de certas estrelas treme. São as estrelas fixas. A que enorme distância deve estar a primeira estrela fixa, a Alfa do Centauro, visto que sua luz chega a nós em ‘apenas’ 4 anos e 4 meses! Quer dizer que ela está 26O.OOO vezes mais longe do que o sol. Este já está a 149.48O.OOO km de nós. Essa estrela fixa está, pois, numa distância de 149.48O.OOO km, vezes 26O.OOO. Colossal, o simples enunciado!”
“Desculpe, Sr. Doutor, se alguém quisesse ir à Alfa do Centauro, quanto tempo levaria num expresso?”
“Nessa viagem, se perguntássemos ao chefe: ‘Quando chegaremos à Alfa?’ Receberíamos a tranquilizadora resposta: ‘mais ou menos em 48.663.OOO anos!’”
“Caramba!”, exclamou Carlos, “aqui o raciocínio já não acompanha mais!”
“Senhor Doutor, faça o favor de olhar mais uma vez: acolá brilha também uma estrela muito bonita”, disse o Celsinho.
“ É aquele, que você quer dizer? É Sírio, afastado de 8 e meio anos-luz. No entanto, como brilha! Que tamanho gigantesco deve ter! E Vega, que está a 4O; a Estrela Polar, a 4O e meio anos-luz! Sabem o que isso significa?”
“Oh, sim! Se Vega se apagasse agora de repente, poderíamos vê-la brilhar em seu lugar ainda durante 4O anos.”
“Muito bem. Essa estrela se precipita com uma velocidade de 24 km por segundo, através do espaço (uma bala de canhão percorre apenas meio quilômetro por segundo!) e, apesar dessa velocidade vertiginosa, precisaria nada menos de…. 28O.OOO anos, para alcançar-nos. E notem que isso é apenas rastejar, comparado com a corrida louca de Areturo, que, por segundo faz 674 km.”
Carlos punha as mãos na cabeça, o Celsinho meneava a sua, incrédulo.
“Rapazes, isso é tudo cálculo científico! Atenção. Estamos somente no princípio. Vega está pois a 4O anos-luz distância, e chegaria até nós, em 28O.OOO anos, na velocidade de 24 km por segundo. Que dizer porém de Perseu, que se acha na distância de 17O anos-luz? Com essa estrela aconteceu, aliás, uma coisa estranha. Conte-o, Carlos, você o ouviu de mim, não há muito tempo.”
“Foi assim: No ano de 19O1, notaram os astrônomos na constelação de Perseu, que conheciam muito bem, o aparecimento de uma estrela desconhecida até então, com uma luz de brilho notável. Depois de alguns dias, entretanto, diminuía aos poucos; após um ano e meio aparecia apenas como astro de 12ª grandeza, como se mantém ainda hoje. Que teria acontecido? Provavelmente houve lá um astro apagado que colidiu com outro e, em conseqüência do formidável calor desenvolvido pela colisão, acendeu-se em brilhante luz. O choque mesmo se deu em 1731; a luz, porém, só chegou até nós em 19O1.”
“Então, não acham que isso já é uma distância fabulosa?”
“Mas, Sr. Doutor, Perseu está distante 17O anos-luz; e o que existe atrás dele? É lá o fim do universo?”, perguntou Carlos.
“Nem por sombra! Com telescópios perfeitos descobrem-se sempre novas estrelas; elas brilham, contudo, no instrumento, com luz difusa, pois estão 2.3OO vezes mais longe do que a Alfa do Centauro… Sabem quanto faz isso? Mais de 9.OOO anos-luz… Agora adiante… Segue-se a Via Láctea… Milhões de estrelas, diluídas num único arco luminoso … Onde se acham? Numa distância de 2O.OOO anos-luz! E ainda não estamos no fim do universo. Muito além da Via Láctea, com os mais aperfeiçoados e sensíveis instrumentos, descobrem-se sempre novas nebulosas… em dantescas distâncias estão se formando novos mundos. E isso vai sempre avante… Aonde? Quem poderia dizê-lo? As Plêiades estão ‘apenas’ a 5OO anos-luz. O astrônomo Seeliger calcula, todavia, a distância dos pequenos pontos, só perceptíveis com os maiores telescópios, em 86.OOO anos-luz. A este seguem ainda sempre novas nebulosas, que não podem ser decompostas em estrelas isoladas, nem ainda mediante os mais poderosos aparelhos… A luz, que se propaga com a velocidade do relâmpago, 3OO.OOO km por segundo, isto é, que nesse tempo faria quase 8 vezes a volta da terra, mesmo essa luz, daqueles astros chegaria até nós somente depois de milhões de anos… Os astrônomos falam de astros na nebulosa da Andrômeda e do Cão, que estariam afastados de 5 ou 6 milhões de anos-luz, isto é, seu fraco brilho seria percebido só depois desse período… Se isso for verdade, deve haver estrelas, cuja brilho ainda não chegou até nós, desde a criação do mundo… E sempre adiante, sempre mais! Que há além? Ninguém o sabe. Rapazes, quem criou esse intérmino mundo de astros? Quem fixou os roteiros invisíveis dos corpos celestes, muito antes que a vista humana os pudesse contemplar? Sentimos a verdade das palavras de Pasteur, pronunciadas na oportunidade de sua admissão na Academia Francesa: ‘Que existe acima do firmamento estrelado? Um outro firmamento. E mais além? Sempre de novo se impõe ao espírito do homem a pergunta: que há atrás das estrelas? Não satisfaz responder: Além delas há infinito espaço, tempo, dimensão. Tais palavras não são mais do que palavras, não nos podem satisfazer… Não nos resta, senão ajoelhar-nos reverentes…’”
Nosso professor calou-se. Olhávamos, pensativos, o fogo e rezávamos no íntimo, nesse solene silêncio. Nunca na vida eu sentira tão viva a verdade do canto de Beethoven:
“Os céus louvam a glória do Eterno,
O som propaga seu Nome.
Exaltam-no os mares, o universo o bendiz,
Escuta, homem, sua palavra divina!
Quem sustenta os inumeráveis astros?
Quem faz sair o sol de sua tenda?
Ele vem, brilha e sorri de longe,
Segue seu caminho como um herói…”
De repente, disse o professor:
“Meninos, estamos aqui a conversar e a viajar pelo mundo das estrelas; entretanto, podem roubar todo o acampamento. Vamos ver”.
Levantamo-nos e fizemos uma ronda. A noite estava silenciosa. Só de algumas tendas se ouvia a respiração, rítmica de camaradas cansados que dormiam — nada mais.
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(TOTH Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 5-13)