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Mortificação do Gênio

Meditação para a Décima Sexta Quarta-feira depois de Pentecostes. Mortificação do Gênio

Meditação para a Décima Sexta Quarta-feira depois de Pentecostes

SUMARIO

Meditaremos sobre a mortificação de gênio, e veremos:

1.° As tristes consequências do gênio não mortificado ou do mau gênio;

2.° As vantagens do gênio mortificado ou do bom gênio;

3.° Os meios de corrigir o nosso gênio.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De pedirmos muitas vezes a Deus a reforma do nosso gênio;

2.° De nunca falarmos, obrarmos ou tomarmos uma decisão, quando estivermos de mau humor, mas de tomarmos tempo para refletir antes de obrar, ou de falar.

O nosso ramalhete espiritual será o conselho do Espírito Santo:

“Não façais todas aquelas coisas, que quereis” – Non quaecumque vultis, ilia faciatis (Gl 5, 1)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo aconselhando-nos, pelo seu Apóstolo, que nos deixemos guiar em todas as coisas pelo Espírito de Deus (1), e não pelos caprichos do gênio. Demos-Lhe graças por tão importante conselho.

PRIMEIRO PONTO

Tristes consequências do gênio não mortificado ou do mau gênio

O mau gênio é a ruína da caridade, a desonra da virtude, a porta aberta a todo o mal.

1.° É a ruína da caridade: com efeito, os gênios diferem entre si como os rostos; e deste desacordo resulta que, se não os mortificamos para os conciliar entre si, é impossível que duas pessoas vivam uma com a outra em boa harmonia. Haverá friezas, azedumes e discórdias. A caridade não é possível senão com a condição de sofrer o que nos é antipático nos outros, e de diminuir, violentando-nos, o que em nós é antipático aos outros. Não se diga: «Tenho mau gênio»; ou: «O gênio de certa pessoa não me agrada». Nenhuma destas desculpas valerá diante de Deus para nos dispensarmos da lei da caridade, e justificar as nossas antipatias e impaciências.

2.° O mau gênio é a desonra da virtude. Vemos algumas vezes almas boas, é verdade, mas de um gênio arrebatado, áspero, ríspido, que aflige os outros; de um gênio leviano e volúvel, brando e sem energia, que nada tem de regular e estável no governo da vida; de um gênio inconstante e caprichoso, que não quer o bem senão a seu modo, segundo as suas idéias e os seus gostos; que são cheias de ardor para o que lhes agrada, e de frieza para o que lhes desagrada; que tomam as suas resoluções, não segundo a razão ou a fé, mas segundo a inclinação e o temperamento, e desistem das melhores obras, logo que lhes desagradam. Ora tais modos de proceder são evidentemente a desonra da virtude, e desconsideram a devoção. Se consiste nisto a religião, diz o mundo, é melhor não a ter.

3.° O mau gênio é a porta aberta a todo o mal. O gênio invejoso imolou Abel, desterrou José, perseguiu Davi. O gênio austero transviou Novato, Tertuliano, Lúcifer de Cagliari. O gênio soberbo e melindroso precipitou Ario na heresia e Phocio no cisma. Ainda quando o gênio não mortificado não chegue a estes excessos, estraga tudo aquilo em que se envolve; introduz a desordem nas famílias; em vez de corrigir, irrita; em vez de converter, perverte, e até mesmo incita algumas vezes os meninos ao mal com a aspereza com que os trata. Procede sem ordem, fala sem reflexão, faz tudo atropeladamente; e o homem, que é razoável em tudo o mais, é desarrazoado em tudo o que concerne o seu gênero.

Examinemos a nossa consciência; nada temos de que arguir-nos a este respeito?

SEGUNDO PONTO

Vantagens do gênio mortificado ou do bom gênio

1.° Com um bom gênio consegue-se o amor dos outros. É impossível não amar um gênio sempre igual e afável, que acolhe e fala sempre com bondade, humilde sem baixeza, digno sem altivez, ativo sem ser arrebatado nem petulante, sempre pronto a prestar serviços, a esquecer as ofensas, a sofrer os desgostos que os outros lhe causam, sem que ele os cause a ninguém.

2.° Amado de toda a gente, ainda mais amado é de Deus, porque o bom gênio é o resumo de todas as virtudes em prática: é a humildade, a mansidão, a caridade em ação; é a paciência, a abnegação, a obediência, presidindo às palavras e obras; é finalmente a perfeição. Inspirado por um bom gênio, faz- se tudo bem, porque se obra sempre com sossego e reflexão, e nunca com precipitação; não se luta com os obstáculos, pensa-se nos meios de conseguir os fins, e com o tempo tudo se arranja, tudo se acha bem feito.

3.° Com um bom gênio honra-se a religião. O mundo não pode ver um cristão dominando-se sempre, tranquilo e paciente sempre, sem que venere a religião, que forma tão perfeita virtude. Este espetáculo edifica-o, e o espetáculo contrário, não.

TERCEIRO PONTO

Meios de corrigir o nosso gênio

1.° É necessário estudar bem o que há de repreensível no nosso gênio. Em todos os gênios há algum defeito que reformar; e só se conhece este defeito, estudando-nos a nós mesmo ou consultando um amigo prudente.

2.° Conhecido este defeito, é preciso procurar cada dia reformá-lo obrando em sentido contrário, e não descansar sem que o tenhamos dominado; é preciso que o gênio muito ativo se modere, que o muito tardo se excite e se anime, que o gênio arrebatado ou melindroso se cale e espere para
falar que a alma esteja tranquila e senhora de si. São Francisco de Sales tinha recebido da natureza um gênio forte e colérico; Santo Inácio, um gênio arrebatado e impaciente; São Vicente de Paulo, um gênio austero e áspero: mas estes grandes santos, à força de combater o seu gênio, chegaram a tomá-lo tão bom, tão afável, que a sua memória será agradável sempre a Deus e aos homens.

3.° É necessário examinar-nos todos os dias a este respeito, e por cada omissão impôr a nós mesmos uma penitência, ainda que só seja por de lado por cada vez uma pequena quantia para dar aos pobres. Isto terá a vantagem de despertar a nossa atenção sobre nós mesmos e nos fazer conhecer, para as confessar, o número exato de nossas omissões.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Spiritu ambulate (Gl 5, 16)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 204-207)