No primeiro capítulo, víamos Maria abrir as portas do coração a Deus, respondendo com um sim cristalino àquilo que o Anjo lhe anunciava da parte do Senhor. Como resposta de Deus àquele sim da Virgem, o Verbo se fez carne no seu ventre imaculado.
Não é difícil imaginar como Maria deve ter se sentido depois da Anunciação. Trazia Deus no seu seio. Começava a amar a Deus com amor de Mãe. Teria sido lógico que se ensimesmasse, que ficasse concentrada em si mesma, que se absorvesse no mistério divino que habitava nela. Como não ficar pensando no Filho, na vida nova que começava para ela, no futuro que jamais teria imaginado?
Agir desse modo seria humano, seria lógico. Mas ela não fez assim: não ficou enclausurada em si, concentrada no seu mistério interior, mesmo tendo fortes razões para fazê-lo.
Lembremos o que relata o Evangelho (Lc 1, 39-44):
Por aqueles dias – logo depois da Anunciação -, pôs-se Maria a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias – o marido da sua prima Isabel – e saudou Isabel.
O que a moveu a ir correndo à casa da sua prima Isabel? Sem dúvida, foi a caridade, uma caridade tão grande que a fazia esquecer-se de si e voltar-se totalmente para Deus e para as necessidades dos outros.
No dia da Anunciação – já o víamos -, o Anjo Gabriel, para explicar a Maria que era possível tornar-se Mãe de Jesus e permanecer virgem, deu-lhe uma prova palpável de que nada é impossível para Deus. A prova era que a sua parenta Isabel tinha concebido um filho em idade já avançada e estava no sexto mês, ela a quem chamavam estéril.
O Anjo mencionou isso só de passagem, como ilustração do poder de Deus. Maria, porém, captou nessa notícia um apelo: a prima Isabel, já além da idade própria para engravidar, estava para ter o seu primeiro filho; com certeza precisaria de ajuda. Bastou-lhe tomar consciência dessa necessidade, para se esquecer imediatamente de si mesma e partir à pressa para ajudar Isabel.
A Visitação é um ícone do amor de Maria pelo próximo: pronto, delicado, generoso. Assim como, no primeiro capítulo, púnhamos em destaque duas palavras de Maria na Anunciação, agora pode nos ajudar também meditar em duas palavras, que esclarecem qualidades da caridade de Maria: «adivinhar» e «adiantar-se».
A Caridade «Adivinha»
Um escritor católico francês, Ernest Hello, repetia que «amar é adivinhar», «o amor adivinha». Tinha razão. Quem não é capaz de adivinhar o que o outro precisa, o que sente, o que o faz sofrer, não ama de verdade. Não se trata de ser vidente nem de ter poderes paranormais. Basta ter carinho, porque então vemos.
O marido que ama de verdade percebe, vê, que a mulher precisa de um gesto de afeto, de um sorriso de agradecimento, de uma palavra de consolo. A mulher vê que o marido precisa de bom humor lá em casa, de um ambiente positivo e encorajador, que compense os dissabores de uns dias muito duros no trabalho. O irmão vê que a irmã menor – ou vice-versa – precisa de uma ajudazinha no estudo, porque está aflita na véspera da prova.
Poderíamos acrescentar, no mesmo sentido, que também no ambiente de trabalho, na rua, na pobreza de muitos, na doença de outros, nos sofrimentos e aflições de tantas pessoas que nos cercam, aquele que ama ouve uma voz silenciosa, como um apelo mudo dirigido à sua capacidade de ajudar, de consolar, de acompanhar, de fazer o bem… Ele «adivinha».
Como seria triste que o nosso «aparelho receptor» não captasse essa longitude de onda. Que só apanhasse as vibrações do nosso próprio eu. Para a pessoa egoísta, o que não é do seu interesse não tem voz nem vez. O que incomoda e pede sacrifício é inaudível.
Não adivinhar é, com frequência, uma maneira muito cômoda de ser egoísta. Por exemplo, é o caso de quem diz:
«Eu sou muito distraído; gosto muito de vocês, mas sou meio aéreo, esqueço-me, não me dou conta do que vocês precisam…»
Na verdade, noventa por cento das vezes, o esquecimento é a consequência de pensarmos demais nas nossas coisas e pouco nas dos outros. O eu ocupa tanto espaço na cabeça e no coração que os outros não cabem. O esquecido, o distraído, não consegue «adivinhar».
A Caridade «Adianta-se»
Maria nunca andava esquecida, nunca estava distraída ou desligada do que afligia os outros. Basta lembrar a cena das Bodas de Caná (cf. Jo 2, 11). Naquela festa de casamento, a Mãe de Jesus foi a única a captar que, por um descuido, por não terem calculado bem a quantidade de vinho, a alegria das bodas podia acabar em fiasco.
Então «adiantou-se», falou com Jesus; e conseguiu que o Filho fizesse – porque ela intercedeu – o primeiro milagre: a conversão da água em vinho. Amar é adivinhar, e, depois, adiantar-se, como Maria fez ao visitar Isabel e em Caná. É claro que amar não se reduz a essas duas atitudes, mas elas são fundamentais.
Na prática, adiantar-se é dedicar-se ao serviço dos outros sem necessidade de que nos peçam e sem esperar que nos retribuam. Há quem fique aguardando que os outros se manifestem para dar uma mão; mas muitas vezes, quando lhe pedem de fato alguma ajuda, reage com má vontade: e então, ou se desculpa dizendo que não pode ou presta o serviço de cara fechada.
Maria amava o próximo como Deus nos ama. O Novo Testamento põe em destaque que o amor de Deus sempre nos precede, sempre se “adianta” ao nosso. Lembremos a seguir dois textos que exprimem isso claramente:
O primeiro é de São Paulo, e diz:
Deus demonstra o seu amor para conosco pelo fato de Cristo haver morrido por nós quando ainda éramos pecadores (Rom 5, 8)
Quer dizer, Deus deu tudo, antes de que nós lhe tivéssemos dado coisa alguma, e sem aguardar que lhe retribuíssemos a sua doação.
O segundo texto é de São João:
Nisto consiste o seu amor – o amor de Deus -: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou primeiro e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados (1 Jo 4, 10)
O próprio Jesus fez o seu autorretrato por meio da imagem do Bom Pastor. O Bom Pastor toma a iniciativa, adianta-se e sai à procura da ovelha perdida, mesmo daquela ovelha que continua fugindo – dessa ovelha perdida ou meio-perdida que somos todos nós -, e não descansa até encontrá-la. E a sua maior alegria é carregá-la de volta, com carinho, sobre os ombros, até o lugar seguro, o redil de Deus.
Haverá mais alegria no Céu – diz Jesus – por um pecador que se arrependa do que por noventa e nove justos que não têm necessidade de penitência (Lc 15, 7)
«Que coisa admirável, Senhor» – exclamava Santa Teresa -, «que procures quem não te procura, e que cures quem não quer ser curado e até ama a sua doença»
Sim, o Bom Pastor nos mostra que a alegria de Deus é a alegria de nos salvar. A alegria é inseparável do amor e do serviço bem vividos.
Mas também é inseparável do serviço a elegância, que consiste em servir sem exibir- se, dar sem cobrar, sacrificar-se sem fazer-se de vítima, fazer o bem e esquecer-se.
Basta que pensemos em coisas muito pequenas do dia a dia, como procurar, lá em casa, pôr no lugar o que outros bagunçaram, desligar a luz que esqueceram de apagar, atender a campainha que fica tocando sem que ninguém atenda…, e fazer isso sem queixar- nos nem reclamar dos que se omitem.
Aproveitemos esta reflexão para nos perguntarmos coisas muito concretas. Por exemplo:
«Será que, nestes dias próximos do Natal, estamos nos esforçando por adivinhar necessidades alheias que antes nos escapavam? Quantas vezes nos antecipamos? Quantos serviços ocultos prestamos, quantas ajudas e colaborações já demos, daquelas de que só Deus e nós ficamos sabendo?»
Esse balanço pode nos fazer acordar de um mau sono e levar-nos a descobrir – com a luz do exemplo de Maria – o fantástico panorama de amor e de serviço que temos todos os dias à nossa espera. Peçamos à nossa Mãe Santíssima que nos ajude a parecer-nos, nisso, um pouco mais com ela.
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