Capítulo V
Escreve o grande Santo e grande gênio que foi Santo Agostinho:
«Na Missa o Sangue de Jesus Cristo corre pelos pecadores»
Estas palavras são tão preciosas, tão claras, que ninguém ousaria deturpar-lhes o sentido.
São João Crisóstomo não é menos claro:
«O Cordeiro de Deus imola-Se por nós. O Seu sangue, saído do lado atravessado do Salvador, espalha-se de uma maneira mística sobre o altar e derrama-se no cálice para nos purificar»
Estas palavras do Santo Doutor podem talvez ser comentadas com estas outras de Kisseli:
«Cristo derramou uma só vez o Seu sangue de uma maneira visível e dolorosa. Esta efusão renova-se cada dia na Santa Missa de uma maneira invisível, como se as mãos do Salvador fossem de novo feridas, os Seus pés trespassados, o Seu coração aberto. Nós podemos aplicar-nos os Seus méritos infinitos pelos nossos desejos ardentes, pelo arrependimento, pela penitência, pela Santa Comunhão, mas nunca mais eficazmente que pela Missa»
E depois acrescenta:
«Pelas palavras da consagração o sacerdote haure do peito de Jesus o Sangue divino, para que ele corra em remissão dos vossos pecados, para vossa purificação e salvação»
Poderíamos prosseguir numa imensa série de citações. Basta que mostremos apenas mais esta de Pedro Noel:
«O sangue que corre do lado do Salvador está no cálice e está ali para ser oferecido ainda uma vez pela remissão dos nossos pecados, conforme das próprias palavras da consagração ressalta»
«Este é o cálice do Meu Sangue, que por vós e por muitos será derramado, para remissão dos pecados»
Repete-as o celebrante, por ordem do mesmo Cristo, não como querendo contar apenas o que Jesus disse sobre o cálice (se se tratasse apenas disso não haveria consagração) mas para produzir e afirmar o fato de que o vinho se converte verdadeiramente no precioso sangue derramado pela redenção dos homens.
O sacerdote não se limita a dizer: «Este é o cálice do Meu Sangue», mas acrescenta: «derramado por vós e por muitos», isto é, por vós, que assistis à Missa, pelos ausentes que a mandam celebrar, por todos aqueles que a ouviriam de boa vontade se pudessem, mas que estão retidos pela doença, pelo cativeiro ou por negócios importantes. Desta maneira, segundo a vontade do Salvador, os méritos do Seu precioso Sangue serão aplicados mesmo aos ausentes, contanto que, do lugar em que estejam, se unam ao Sacrifício, ou ao menos, se façam recomendar nele. Que mistério! Jesus, que derramou por nós a última gota do Seu Sangue, quer de novo derramá-lo todos os dias e todas as horas! Que enormes torrentes de graça correm da Santa Missa, sobre aqueles que devotamente a ouvem!
«Porque — insiste Santo Ambrósio — é pelos homens e pela remissão dos seus pecados que o Salvador espalha o Seu Sangue»
Em que consiste a efusão do Sangue na Missa?
Se é certo, por um lado, que o sangue de Jesus Cristo é vertido no Santo Sacrifício, é por outro lado também certo, que ai é espalhado por forma espiritual sobre todos os assistentes e sobre as almas do Purgatório. Encontramos no Antigo Testamento uma formosa imagem deste mistério. Refere-a São Paulo na Epístola aos Hebreus nestes termos:
«Moisés tomando o sangue dos bezerros e dos bodes aspergiu todo o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento feito por Deus em vosso favor»
Na Ceia, Nosso Senhor pronunciou sobre o cálice palavras idênticas:
«Este é o meu sangue, o sangue do novo testamento»
«Era necessário, — acrescenta São Paulo, — que as figuras das coisas celestiais fossem purificadas com o sangue dos animais, mas as coisas celestiais o devem ser com vítimas melhores que estas»
O que é o mesmo que se tivesse dito:
«A Sinagoga, que era apenas uma imagem da Igreja, foi purificada pelo sangue dos bodes e dos touros, mas a Igreja é purificada pelo sangue do Cordeiro de Deus imolado»
Ora para alguém ser purificado pelo sangue ou pela água é indispensável que seja neles embebido. Sendo, pois, as nossas almas purificadas na Santa Missa pelo sangue do Salvador, é porque este sangue divino é espargido sobre elas.
Ma Missa Jesus é nosso Mediador
Ouçamos São João Crisóstomo:
«Ao verdes o Senhor que jaz imolado sobre o altar, o padre a rezar inclinado sobre a Vítima, e todos os assistentes cobertos do precioso sangue, considerar-vos-eis ainda neste mundo e entre os homens?»
Repare-se na forma como se exprime o santo Doutor: o povo coberto do sangue de Jesus; consequentemente este sangue não se limita a correr, mas é espalhado sobre nós. Marchant confirma esta verdade:
«O precioso sangue é espalhado à Missa, e os fiéis são com ele aspergidos por forma espiritual»
São João expressa-se mais claramente ainda:
«O Salvador amou-nos e lavou-nos dos nossos pecados em Seu sangue»
Esta é também a doutrina de São Paulo:
«Chegastes a Jesus mediador do Novo Testamento e à aspersão do Seu sangue mais eloquente que a efusão do sangue de Abel»
Se, com efeito, leitores, vos pergunto: Quando é que vamos ter com Jesus mediador? Responder-me-eis: É quando comungamos. É certo, vamos então mesmo para junto dEle; melhor ainda: recebemo-lO no nosso coração. Contudo, na Comunhão o que procuramos, não é tanto uma mediação como um alimento necessário às nossas almas. Ao passo que na Missa é propriamente ao Mediador que recorremos, pois que Jesus ai desempenha o ministério de padre, e, com este título, reza oficialmente pelo povo.
O elemento propriamente dito da nossa aproximação do Mediador é o sangue precioso que se verte espiritualmente no altar, e do altar se esparge sobre as nossas almas.
Na Paixão, Jesus vertera já o Seu sangue divino; mas este sangue caiu então apenas sobre os carrascos, na terra e sobre os rochedos. Na Santa Missa, é o mesmo sangue que é vertido, mas corre sobre as almas dos assistentes. O padre asperge o povo cristão com a água benta, como Moisés aspergia os Judeus com o sangue das vítimas; o Salvador asperge as almas com o Seu precioso sangue na Missa.
Esta aspersão mística vale mais que a aspersão material. Os soldados e os Judeus que rodeavam Jesus receberam os borbotões do Seu sangue nas mãos e na fronte; mas longe de serem purificados e convertidos, não ficaram senão mais endurecidos no mal, ao passo que se Jesus tivesse aspergido as suas almas haveriam mudado e ter-se-iam salvo. Pois é assim mesmo que, se à Santa Missa o nosso corpo fosse materialmente regado com o sangue de Jesus, daí tiraríamos menos proveito, que da aspersão deste mesmo sangue sobre as nossas almas, visto que esta última aspersão as purifica, as santifica e embeleza por forma incomparável.
Ouça-se o que diz a este proposito Santa Magdalena de Pazzi:
«A alma que recebe o sangue de Jesus Cristo torna-se tão deslumbrante como se estivesse coberta com um vestuário precioso. Tem tal esplendor, que se pudesse vê-la toma-Ia-íeis pelo Deus de que é a imagem»
Bem-aventurada a criatura ornada com tanta magnificência! Bem- aventurados os olhos dignos de a contemplar!
O Sangue de Jesus está deveras no Cálice Consagrado
Conta um autor eclesiástico que em 1220 havia na Diocese da Colonia, uma reclusa, que se entregava a atos heroicos de penitência e tinha devoção especial pela Santa Missa.
Não podendo o inimigo investir esta alma com nenhuma outra tentação, sugeriu-lhe que o precioso Sangue não estava no cálice consagrado e esta ideia foi tão subtil que a enclausurada cedeu. E tal era a diabólica obsessão, que a infeliz não só cedeu totalmente, mas filtrou o veneno da dúvida às almas dos que com ela vinham conversar. Deus compadeceu-Se, porém, da Sua serva e arrancou-a ao demônio, por um manifesto milagre.
Celebrando um dia nesta Igreja, o pároco derrubou por inadvertência, o cálice consagrado. Alvoroçado com este fato, logo se encheu de temor quando viu que o vinho consagrado tomou a cor e a aparência do sangue. Bem pode imaginar-se a angústia com que terminou a Missa. Logo que acabou, lavou muitas vezes o corporal com vinho quente, mas por mais que o fizesse, a mancha do sangue não desaparecia.
Durante uma semana inteira empregou todos os meios humanos, chorou amargamente a sua falta, suplicou a Nosso Senhor que permitisse o desaparecimento da mancha sanguínea, mas debalde. No domingo imediato, subiu ao púlpito com o corporal na mão e, depois de contar o que lhe acontecera, mostrou ao povo o linho ensaguentado, pedindo aos fiéis estupefatos que rezassem com ele para que Deus fosse servido de que aquela mancha desaparecesse. Rezaram todos fervorosamente e em seguida o cura lavou novamente o corporal. Baldado trabalho. Compreendendo que este fato representava uma extraordinária manifestação da vontade divina, o perturbado sacerdote foi a Colonia consultar um teólogo de grande fama, chamado, o doutor Rodolpho, a quem expôs tudo minuciosamente, mostrando-lhe em seguida o corporal.
À vista do precioso Sangue, o piedoso doutor caiu de joelhos, beijou o pano sagrado e ficou algum tempo em meditação. Por fim exprimiu a sua opinião nestes termos:
— Evidentemente Deus quer fortificar os fracos na fé do Santíssimo Sacramento: não haverá na sua paroquia alguém que recuse crer neste adorável mistério?
Depois de um momento de silêncio, o pároco respondeu:
—Ha, sim; uma reclusa que duvida da presença real do Precioso Sangue e leva outros a duvidar igualmente.
— Não procuremos outra explicação — volveu o sábio teólogo. — Jesus tornou visíveis no corporal os sinais do Seu Sangue para convencer esta mulher. Vá ter com ela e conte-lhe os fatos que se passaram, mostre-lhe o pano ensaguentado e a sua dúvida desvanecer-se-á.
Aliviado com este conselho, o sacerdote foi visitar a reclusa, interrogando-a sobre a Presença real. Ela respondeu francamente:
— Eu creio que o Corpo do Salvador está presente na hóstia, mas não posso admitir que o Sangue esteja no cálice, porque Jesus não tem o Sangue fora do Corpo.
O sacerdote explicou-lhe que o Sangue de Jesus estava no cálice em virtude das palavras da consagração; mas não podendo este Sangue subsistir fora do Corpo, o Corpo lhe estava unido. Assim ensina a Igreja. A infeliz obstinava-se no seu erro. Sem saber a que outros argumentos recorrer, o sacerdote mostrou-lhe o corporal ensanguentado e contou-lhe os fatos, como haviam passado.
Ouvindo a narrativa do milagre, a reclusa cai de joelhos e pede humildemente perdão da sua teimosia e profissão pública de sua fé:
— Eu creio firmemente que no cálice está o Sangue natural e verdadeiro que o Salvador por nós derramou na Cruz e nesta crença desejo morrer e viver.
O sacerdote lavou então o corporal e o Sangue desapareceu completamente.
O Sangue de Jesus está deveras na Hóstia Consagrada
O Pe. Pedro de Lavegnas, da ordem de São Jerônimo, tinha uma dúvida oposta, que por muito tempo o afligiu cruelmente. Perguntava ele a si próprio como seria possível que o precioso Sangue estivesse na Sagrada Hóstia.
Um dia, celebrando Missa, ao chegar às palavras Supplices te rogamus: nós vos rogamos, ó Deus omnipotente, mandai que estes dons sejam colocados pela mão do Anjo Santo no Vosso altar sublime, na presença da Vossa divina majestade, etc., e quando, segundo a rubrica do missal, se inclinava profundamente, pareceu-lhe que uma espessa nuvem coloriu o altar e lhe ocultou a Hóstia e o cálice. Ficou muito assustado, sem compreender o que aquilo significava, nem como acabaria. Depois de um momento a nuvem dissipou-se e viu com espanto, que a Hóstia e o cálice haviam desaparecido. Cheio de perturbação começou a pensar que Deus não o achava digno de celebrar os Divinos Mistérios, e, com lágrimas, entrou a pedir a Deus que lhe perdoasse os pecados e afastasse de si tão terrível punição. Por fim o cálice reapareceu sobre o altar com o precioso sangue. Mas, — coisa maravilhosa! — por cima do cálice pairava a Hóstia. As lágrimas continuavam a correr, mas agora eram de alegria. Mas enquanto considerava piedosamente a Eucaristia, que por Si mesma Se sustinha no espaço, notou que da Hóstia corriam tantas gotas de vinho que havia no cálice.
Este milagre fez-lhe ver a verdade: as dúvidas dissiparam-se e acreditou firmemente e para sempre na presença do precioso Sangue sob as espécies do pão eucarístico.
Estes dois fatos mostram como a Humanidade do Salvador está contida inteira e simultaneamente sob cada espécie, ainda que, em virtude das palavras de consagração, só o Corpo esteja diretamente na Hóstia e o Sangue diretamente no cálice.
Porque, onde está o Sangue de Jesus Cristo, agora, lá estão Alma e Corpo e Divindade de Jesus. Onde agora está o Corpo, lá estão o Sangue, a Alma e a Divindade como dizem os teólogos, «por concomitância».
Ide, pois, à Missa, leitores queridos, adquirireis também, sob as golfadas do precioso sangue, uma beleza que vos tornará dignos de comparecer perante os Anjos e os Santos, por toda a eternidade de gloria!
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 29-36)