Por Dom Henrique Soares
“Infeliz de mim! Sou estrangeiro em Mosoc, Moro entre as tendas de Cedar!” (Sl 119/120)
Palavras do Salmista… Mosoc e Cedar eram povos estrangeiros, bárbaros, violentos e idólatras!
O Salmista, portanto, mesmo estando em Israel, sentia-se como se vivesse entre estrangeiros, longe da Terra Santa e, portanto, distante do Senhor.
Para um judeu, estar longe da Terra Prometida era estar distante da Face de Deus. A queixa de Davi, refugiado em Moab, contra Saul reflete bem esta ideia:
“Rogo-te, senhor meu rei, que ouças as palavras do teu servo: se é o Senhor que te impele contra mim, a oferenda do altar o apaziguará; se os homens, sejam malditos perante o Senhor, porque hoje me excluíram da herança do Senhor como se dissessem: Vai, serve a outros deuses! Não se derrame agora o meu sangue na terra, longe da presença do Senhor!” (1Sm 26,18-20)
Mas, observe bem: o Salmista, mesmo entre o seu povo, o Povo de Israel, povo de Deus, sentia-se como estando entre pagãos! E por quê? Porque mesmo sendo fisicamente membro do Povo de Deus, quantos estavam fora dele com o coração! Membro do Povo santo segundo o conceito, o exterior, a profissão formal da fé; mas, longe do Povo de Deus por não aderir realmente ao Senhor e à Sua santa vontade!
O Salmista sentia-se assim: no meio de um povo que era de Deus com a boca, mas não de Deus com o coração!
Quem dera que eu e você sejamos realmente Povo de Deus, com a nossa vida, com o nosso sentimento, com nossa palavra, com nosso procedimento!
Como é triste quando membros da Igreja, vivendo entre nós, sentem-se em Cedar ou Mosoc! Como seria triste que nossas atitudes fossem como as dos pagãos!
Nosso comportamento não deve ser mundano, mas, ao contrário, no mundo, entre os modismos, deveríamos sempre nos saber estranhos e estrangeiros. É a mesma ideia, portanto, do apóstolo São Paulo:
“Enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa mansão, longe do Senhor, pois caminhamos pela fé e não pela visão…” (2Cor 5,6)
Também São Pedro, na sua Primeira Epístola, considera os cristãos como estrangeiros da Dispersão: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos estrangeiros da Dispersão…” (1,1). Por isso mesmo, ele considera este tempo na terra como exílio: “… portai-vos com temor durante o tempo do vosso exílio” (1,17).
Mosoc, Cedar, são símbolos do exílio no qual o homem caiu por viver na mentira, na ilusão da idolatria. E qual a mentira fundamental da existência humana? Qual o engodo no qual nos meteu e nos mede a maligna língua do Diabo, tantas vezes, ecoada nas línguas do mundo? Ei-la – é tão antiga e tão tristemente atual:
“Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal!” (Gn 3,4s)
Ser como Deus, isto é, viver pensando que tem a vida em si mesmo, que se basta a si próprio, sem referência alguma ao Senhor Deus, esquecido de que Dele vimos, para Ele caminhamos e somente subsistimos Nele! Que mentira, que ilusão, a humana, quando pensa que pode ser feliz e plena prescindindo de Deus!
E o tempo todo somos tentados por esta atitude que, ao fim das contas, nos exila da verdadeira vida, do real sentido da existência! Essa mesma mentira aparece na Escritura repelida pelo Senhor nosso Jesus Cristo:
“Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4)
A mentira aqui é que o homem vive somente de pão, ou seja, daquilo que ele provê e cria, daquilo que esta vida lhe pode oferecer! O homem vive sim de pão: trabalho, amor, família, diversão, bens materiais, saúde, boa fama… Tudo isto é pão, de tudo isto o homem vive! O problema é pensar que vive só disso e isso basta e isto é o essencial, atrofiando a saudade que o coração possui do Infinito!
A consequência de tal queda, de tamanha ilusão é trágica:
“O Senhor Deus chamou o homem: ‘Onde estás?’, disse Ele” (Gn 3,9)
Não é que o Senhor pergunte para saber onde o homem está. Ele deseja, sim, é que esse homem tome consciência da sua situação. Deus sabe muito bem onde o homem está; o homem é que muitas vezes não se consegue ver com objetividade nem consegue compreender sua situação de alienado do Deus vivo que é sua vida!
Não é este, precisamente, o drama da nossa cultura ocidental?