Meditação para a Segunda-feira antes do Pentecostes
SUMARIO
Para nos preparamos a dispôr-nos bem para o Pentecostes, meditaremos durante estes dias os sete dons que o Espirito Santo traz consigo à alma, como outros tantos tesouros inestimáveis para a adornar e enriquecer. Meditaremos:
1.° O Dom de Entendimento, que nos faz conhecer Deus e todos os Seus direitos ao nosso amor;
2.° O Dom de Ciência, que nos mostra o nada das causas criadas e o uso que delas devemos fazer para nos elevarmos a Deus.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De chamarmos a nós com orações jaculatórias os Dons de Entendimento e de Ciência;
2.° De nos entregarmos à meditação como meio de atrair a nós o Espirito Santo, e à vigilância para evitar as numerosas culpas, que poderiam afastá-lO de nós.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Evangelho:
“Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” – Beati mundo crode, quoniam ipsi Deum videbunt (Mt 5, 8)
Meditação para o Dia
Adoremos o Espírito Santo como o amor eterno e pessoal de Deus. Tributemos-Lhe o nosso louvor e amor, rogando-Lhe que nos faça compreender a excelência dos Seus dons, e que Ele mesmo nos prepare para a grande festividade, que está próxima.
PRIMEIRO PONTO
O Dom de Entendimento
O Dom de Entendimento é uma luz sobrenatural, com que o Espírito Santo esclarece a alma para lhe fazer melhor conhecer Deus:
1.º Nas Suas perfeições inefáveis;
2.° Nas riquezas de amor, que encerram os Seus mistérios;
3.° Na Sua palavra, que contém as Sagradas Escrituras;
4.° Na religião tão cheia de sabedoria, que Ele nos revelou;
5.° Na Providência, que preside a todos os acontecimentos da vida.
Oh! Quão apetecível é este dom e com quanto fervor devemos pedi-lo! As luzes da razão a respeito destas sublimes verdades são tão pequenas, as mesmas luzes da fé são tão obscuras! Não é ainda senão o crepúsculo; mas o Dom de Entendimento é o alto dia, por meio do qual penetramos as causas tanto a fundo, que o inteligere é verdadeiramente o intus legere, e que a alma se espanta que haja homens, que se iludam acerca destas verdades ou hesitem em crê-las. Sem este dom, Deus, as Suas perfeições, os Seus mistérios, a Sua religião, a Sua providência, nada falam ao espírito nem ao coração. Com este dom, a alma devota descobre em Deus belezas, que a arrebatam, nos mistérios inexprimíveis encantos, na religião um tão magnifico conjunto, que o coração se enche de amor por ela, e na Providência desígnios tão dignos de Deus, que não é possível conter a sua admiração e o seu louvor. Sem este dom, as Sagradas Escrituras são para nós como uma letra morta; lemo-las, recitamos Salmos, Pai-Nossos, cânticos sagrados com uma inteligência, que nem sequer desperta a atenção; mas com este dom a beleza das Santas Escrituras enleva-nos; cada vez descobrimos nelas novos sentidos, a piedade nelas acha um delicioso alimento e põe a sua felicidade em lê-las ou recitá-las. Era este dom, que celebrava Davi, quando exclamava:
“Senhor, vós descobristes-me os segredos da vossa sabedoria” – Occulta sapientiae tuae manifestasti mihi (Sl 50, 8)
Era este dom, que havia recebido Santo Agostinho, quando profundava tanto os conselhos e procedimento de Deus para com todo o universo e para com Ele mesmo, que não podia saciar-se de os considerar (1). Era com este dom, que Santo Antão achava menos curtas as noites acrescentadas aos dias pela contemplação das maravilhas divinas, e que São Bernardo se queixava de não poder bastar à abundância dos pensamentos e das luzes, que inundavam a sua alma todas as vezes que meditava a vida ou a morte de Jesus Cristo (2).
Peçamos este dom a Deus com todo o fervor dos nossos desejos, e lembremo-nos, que ele só é prometido à perfeita pureza de coração, segundo está escrito:
“Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” – Beati mundo crode, quoniam ipsi Deum videbunt (Mt 5, 8)
SEGUNDO PONTO
O Dom de Ciência
Se o Dom do Entendimento nos ensina a conhecer a Deus, como acabamos de ponderar, o Dom de Ciência não importa menos à nossa salvação que o mesmo conhecimento de Deus.
Por este dom, o Espírito Santo presta três grandes serviços à alma:
1.° Mostra-lhe todas as coisas criadas tais quais são; tira às riquezas, às honras, aos prazeres, a todos os bens terrenos, esse sedutor encanto, que os envolve; e faz conhecer quanto são frágeis, vãos, efêmeros, incapazes de nos tornarem felizes, prejudiciais e perigosos à salvação. A alma, maravilhada desta luz, que lhe aparece, aborrece-os como coisas desprezíveis e indignas dela; e eis aqui o que povoa os claustros, o que dá ao mundo tantos cristãos generosos, caritativos e devotados.
2.º O Espírito Santo, com o Dom de Ciência, ensina-nos a servirmo-nos de todos os seres visíveis como de outras tantas escadas para nos elevarmos a Deus, que os fez para nós (3); a servirmo-nos de toda a natureza como de um grande livro cheio da divindade, onde tudo nos fala de Deus, tudo nos prega o amor; finalmente a considerarmos tudo o que existe como um espelho, em que se refletem de todas as partes a bondade, a sabedoria, o poder, à Providência divina, ou como um harmonioso concerto convidando todos os corações a amar o sumo bem (4). É esta a ciência de todos os santos.
3.° Pelo Dom de Ciência, o Espírito Santo ensina aos pregadores a grande arte de anunciar dignamente a palavra de Deus, e aos diretores das consciências o segredo de guiar as almas, de as fortalecer nas suas fraquezas, de as consolar nas suas aflições, de as fazer seguir o caminho que Deus quer, de corrigir os seus defeitos, e de as levar à prática das virtudes.
Oh! Quão precioso é este dom! Quanto devemos desejá-lo e preparar-nos para bem o receber! Temos nós sabido somente até agora o que era? Nós temo-lo desconhecido, ignorado; não o temos nem desejado nem pedido a Deus. Reparemos este esquecimento.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Non satiabor considerare altitudinem consilii tui (Santo Agostinho)
(2) Nunquam cogitare sufficiamus quia mirabilia fecit (São Bernardo)
(3) Omnis creatura scala est ad Deum
(4) Natura est veluti liber divinitate plenusm est peculum divinorum. Omnia clamant ut diligas
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 94-97)