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Dois outros remédios para os extravios da Imaginação

Meditação para a Décima Sétima Terça-feira depois de Pentecostes. Dois outros remédios para os extravios da Imaginação

Meditação para a Décima Sétima Terça-feira depois de Pentecostes

SUMARIO

Meditaremos sobre dois outros remédios que devemos opor aos extravios da imaginação, que consistem em corrigir:

1.° A frivolidade do espírito;

2.º As inclinações do coração.

— Tomaremos depois a resolução:

1.º De repelirmos todos os pensamentos inúteis, e de os substituirmos pelos doces pensamentos a respeito de Jesus Cristo e de seus mistérios;

2.° De nos desprendermos daquilo a que temos mais apego, a fim de evitar as preocupações que distraem a imaginação.

O nosso ramalhete-espiritual será a observação que os evangelistas fizeram acerca da Santíssima Virgem:

“Maria conservava todas as coisas edificantes que ouvia, conferindo lá no fundo do seu coração umas com, outras” – Maria conservabat omnia verba baec, conferens in corde suo (Lc 2, 19)

Meditação para o Dia

Adoremos Nosso Senhor dominando o seu Espírito, o seu coração e a sua imaginação. Admiremos como tudo ali era perfeitamente regulado; e prostrados a seus pés, supliquemos-Lhe que nos ajude a dominar do mesmo modo a nossa imaginação, esse inimigo ávido de independência e fortalecido com tantos anos de poder sobre si, que repelido volta sempre, derrubado se levanta, vencido nos acomete de novo. Roguemos-Lhe que nos infunda no coração um amor que, posto que sempre distraído, volta sempre, que sempre desviado de Deus, se dirige sempre para Ele; e que destrua desta sorte em nós essa frivolidade de espírito, essa inclinações do coração, de onde procedem tantas imaginações desordenadas.

PRIMEIRO PONTO

Devemos corrigir a frivolidade do Espírito, causa habitual dos extravios da imaginação

Quando se teve a desgraça de contrair o hábito desta frivolidade de espírito, que se entretém com pensamentos vãos, que aborrece as reflexões sérias, a imaginação errante e irrequieta, nada tendo que a prenda, corre de objetos em objetos, anda com todos os ventos, como uma escrava fugitiva, a quem  não se dá a ocupação em casa de seu dono. Apenas se começou uma oração, logo a imaginação nos distrai, e vagueia por todos os cantos da terra. Sucede de diferente modo com às almas sérias e refletidas. Os pensamentos graves, de que se ocupam habitualmente, oferecem à imaginação santas imagens, que reprimem a sua leviandade e inconstância. Davi vê Deus tomando-o pela mão para o conduzir (1). Jeremias, no deserto, vê na mente o juízo final, os mortos ressuscitando ao som da trombeta, e o supremo Juiz descendo das nuvens! Santos representam-se o céu com o trono, a coroa e a glória que os espera, as delícias dessa família, celestial, que se compõe de Deus nosso pai, de Maria nossa Mãe, dos santos nossos irmãos. Outras vezes transportam-se pela imaginação ao presépio, a Nazaré, ao Calvário; ou então se afiguram Jesus Cristo conversando com os homens, fazendo as obras que eles mesmo tem a fazer, e tomam-O por modelo.

É deste modo que usamos da nossa imaginação? Não somos nós do número desses homens frívolos, que não sabem empregar esta faculdade volúvel em alguma coisa útil que a interesse e a prenda?

SEGUNDO PONTO

Devemos corrigir as inclinações de coração, causa não menos fecunda dos extravios da imaginação

A imaginação é escrava do coração; segue-o por toda a parte onde vai, e está pronta a pintar-lhe os objetos que o interessam, que provocam a sua afeição ou aversão. Temos uma amizade muito natural a alguma pessoa? A imaginação no-la apresenta; conversamos com ela, e gozamos da sua companhia. Ao contrário, temos aversão a alguma pessoa? A imaginação chama-a perante nós, disputamos com ela, provamos-lhe que não tem razão, e dirigimos-lhe os maiores vitupérios. Tomamos um interesse muito vivo por um negócio? A imaginação preocupa-nos dele, e pensamos menos no que fazemos do que no que desejamos fazer. Deixamos o nosso coração dedicar-se em demasia ao bom êxito duma empresa? A imaginação apodera-se do bem que desejamos, ou do mal que receamos, perturba-nos com a alegria ou abate-nos com o temor. Finalmente, somos dominados pela soberba ou vaidade? Umas vezes a imaginação pergunta-nos o que pensam a nosso respeito, e incita-nos a penetrar na consciência de outrem, para saber o bom ou mau conceito que formam de nós; outras vezes representa-nos os louvores e aplausos como sendo devidos, e faz-nos assistir às conversações em que se revela o nosso mérito. Se alguém tem a desgraça de ofender, por pouco que seja, o nosso amor-próprio, ela afigura-no-lo como uma pessoa odiosa, que contemplamos com indignação e desgosto. Já não há para nós nem reflexão, nem trabalho possível. Ao contrário, se nos mostraram amizade e estima, a imaginação representa-nos os nossos méritos, e faz-nos considerar, de dia e de noite, na nossa própria excelência, transporta-nos ao futuro, entretém-nos com projetos quiméricos, com desejos de que falem de nós.

Concluamos destas observações, a que poderíamos acrescentar muitas outras, quão importante é que nos desapeguemos de tudo o que não é Deus ou segundo Deus, se quisermos reprimir os extravios da imaginação.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Tenuisti (Domine) manum dexteram meam, et in voluntate tua deduxisti me (Sl 22, 24)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 26-29)