Um embaixador da França na Inglaterra caíra gravemente doente em Londres. Um após o outro, vinham os amigos visita-lo e consolá-lo. Um dos seus amigos anglicanos fez-lhe esta curiosa pergunta:
“Você não tem medo de morrer aqui? Se o enterrarem aqui, metê-lo-ão num túmulo no meio dos hereges…”.
Mas o doente deu esta resposta magnifica:
“Absolutamente não tenho medo. Pedirei que cavem meu túmulo um metro mais abaixo: estarei então no meio dos católicos…”
Na verdade, uma resposta bem justa. Hoje em dia – ai! – há 300 seitas cristãs pelo mundo, e cada qual reivindica a Cristo; mas, se cavarmos apenas um pouco mais fundo na História, encontraremos por toda parte a Igreja Católica. Se cavarmos 500 anos para trás, acharemos que não havia então 300 espécies de cristãos, mas apenas duas: quem era cristão, era ou católico-romano, ou grego-oriental. Se recuarmos 1.000 anos, então não encontramos mais que um só cristianismo: a Igreja Católica Romana. Não há outra religião cristã que remonte a além de 1.000 anos, e, além de 1.900 anos, até os apóstolos, até Nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje em dia, há na terra cerca de 300.000 sacerdotes católicos, mas cada um deles recebeu seus poderes, sua dignidade sacerdotal, do seu bispo, que por usa vez os recebeu dos seus predecessores, e, assim por diante, até os apóstolos. Atualmente é 262º papa que reina na terra, mas os seus poderes remontam, por uma cadeia ininterrupta, até o primeiro papa, São Pedro.
Essa apostolicidade é a força imensa da Igreja Católica, é a quarta marca da verdadeira Igreja de Cristo.
1. Que entendemos por apostolicidade da Igreja? – tirar a limpo esta questão será a primeira tarefa da presente instrução;
2. Em seguida estudaremos as dificuldades que podem surgir em conexão com a apostolicidade da Igreja.
1. Que entendemos pela Apostolicidade da Igreja?
A expressão “apostolicidade” significa três coisas:
- A. significa que nossos bispos e nossos padres atuais são sucessores dos apóstolos
- B. Em seguida significa que o ensino da Igreja atual é o mesmo que o da Igreja apostólica
- C. Enfim, os sacramentos, que utilizamos hoje em dia, são os mesmos que os da Igreja apostólica
A) O termo “apostólico” quer, portanto dizer, primeiramente, que os chefes da nossa Igreja são sucessores dos apóstolos.
a) Antes de tudo, é uma verdade histórica, indiscutível, que Cristo deu a São Pedro o governo da Igreja, que São Pedro morreu em Roma, e que, desde esse tempo, os papas de Roma lhe têm sucedido sem interrupção. Desde que Cristo deu a São Pedro as “chaves do reino dos céus”, isto é, o poder supremo, essas chaves há dezenove séculos vem sendo transmitidas de mão em mão, na série dos 262 papas, e continuarão a sê-lo até que, no dia do juízo Final, Nosso Senhor retome ao último papa, o poder assim confiado. O papa atual é, pois, o sucessor de São Pedro.
Mas, assim como os papas são os sucessores de São Pedro, assim também os bispos são os sucessores dos outros apóstolos. “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” – disse Nosso Senhor a seus apóstolos (Jo 20, 21). Os apóstolos transmitiram essa missão aos bispos, impondo-lhes as mãos, como São Paulo o relembra nas suas epístolas (1 Tm 5, 22; 2 Tm 1, 6). E, por essa série ininterrupta de imposições das mãos, os poderes de todos os bispos, atualmente em vida, remontam aos apóstolos, e a Cristo que enviou estes últimos. Por sua vez os bispos, na ordenação, impõem as mãos aos futuros sacerdotes, e temos assim o direito de dizer que toda a autoridade da nossa Igreja remonta aos apóstolos e dos apóstolos a Nosso Senhor Jesus Cristo, que dissera: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20, 21).
A apostolicidade da Igreja quer, portanto, dizer que Cristo conferiu seu poder aos apóstolos, e, assim, este poder não pode encontrar-se hoje em dia senão na religião, cujos bispos e sacerdotes podem fazer remontar a sua árvore genealógica até os apóstolos.
Ora, os bispos e os sacerdotes da Igreja Católica receberam os seus poderes, por uma cadeia ininterrupta, dos seus predecessores, e essa cadeia remonta até os primeiros apóstolos.
b) Desse fato decorre uma importante verdade. A história da Igreja inicia-se com os apóstolos.
É uma exigência natural, para com a verdadeira Igreja de Cristo, que a sua história remonte até Cristo.
Se Cristo ressuscitado, quando deixou a terra há dezenove séculos, disse aos seus apóstolos: “Ide, ensinai todas as nações”, então é claro que a Igreja de Cristo deve ter 19 séculos.
Interroguemos agora as 300 seitas cristãs no mundo, que pretendem, todas, ser a religião de Cristo, se alguma delas ousa afirmar que tem 19 séculos! Não há uma única a não ser a Igreja Católica.
A cada passo, novas seitas cristãs surgem em torno de nós, e pelas suas doutrinas contraditórias corrompem dolorosamente a santa fé cristã. Batistas, Metodistas, Adventistas, Nazarenos, Quakers… Quem poderia dar o nome de todas essas 300 seitas? Perguntemos-lhes, porém: há quanto tempo existis? E escutai a resposta: desde ontem, há um mês… há dez anos… há cinquenta anos. Apenas? Não é suficiente. A verdadeira Igreja de Cristo deve ter 1.900 anos.
Interrogai as declarações religiosas que se apartaram da árvore da Igreja por ocasião da tempestade do século XVI:
“Há quanto tempo existis?” – “Há 400 anos”. – “Só? Não é bastante. A verdadeira Igreja de Cristo deve ter 1.900 anos”.
Interrogai os Grego-Orientais que se separaram de Roma no século IX:
“Que idade tendes?” – “Mil anos”. – “Só? Não basta”.
E agora interrogai a Igreja Católica. Só ela ousa dizer: tenho 1.900 anos.
“A Igreja descende dos apóstolos, os apóstolos descendem de Cristo, e Cristo de Deus” – já dizia, com lapidar concisão, Tertuliano no século II (De praescriptione, 37).
Quando o conde Stolberg voltou à fé católica, um príncipe alemão fez-lhe esta censura:
“Não gosto dos que mudam de religião”. – “Nem eu tão pouco, – respondeu o conde, – e se meus antepassados não tivessem abandonado a sua antiga religião, eu não teria sido obrigado agora, a voltar a ela”.
B) Mas o termo “apostólico” significa ainda mais. Significa que o ensino da Igreja Católica é o mesmo que o da Igreja do tempo dos apóstolos.
Quem visitou as catacumbas romanas, aqueles longos corredores subterrâneos onde nos primeiros séculos os cristãos enterravam os seus mártires, não precisa longas explicações para compreender que a nossa fé é, hoje, a mesma daquele tempo. Ali, cada pedra, cada tumba, cada inscrição proclama a antiguidade da religião católica atual.
Não temos que temer ante estas severas palavras de São Paulo: “Quando nós mesmos, ou um anjo vindo do céu vos anunciasse outro evangelho que não o que havemos anunciado, seja anátema!” (Gl 1, 8). Que é que prega ainda hoje a Igreja Católica? O que está no Símbolo dos Apóstolos; e a Igreja primitiva pregava a mesma coisa. Efetivamente, trata-se da doutrina dos evangelhos escritos pelos apóstolos de Cristo.
O ensino atual da Igreja é essencialmente o mesmo que o da igreja dos tempos apostólicos. O que nele achamos a mais, o que não estava na Igreja primitiva – por exemplo, a síntese sistemática do dogma, os ritos e os exercícios de devoção – tudo isso é o resultado dum desenvolvimento natural, e não duma falsificação, por menor que seja, do cristianismo primitivo; tal como um carvalho frondoso e centenário não é a falsificação, mas o desenvolvimento natural, duma bolota lançada na terra cem anos atrás. Com efeito, o próprio Nosso Senhor anunciara-o, dizendo que o grãozinho de mostarda se tornaria uma grande árvore, debaixo da qual folgariam e repousariam as aves do céu, isto é, os povos da terra.
Enquanto tudo muda em redor de nós, enquanto tudo vacila, com uma imutabilidade imponente, a Igreja Católica e Apostólica conserva sem alteração nem modificação a doutrina original de Cristo.
Dava, pois, resposta exata aquela senhora que se convertera ao catolicismo e a quem uma amiga dizia: “Eu por mim, quero morrer na fé de meus pais”. – “E eu na fé dos meus antepassados”, foi a espirituosa resposta.
C) Mas o termo “apostólico” tem ainda outro sentido. Quer dizer que não só a nossa fé é a mesma que a da Igreja dos apóstolos, mas também que os nossos sacramentos são os mesmos. Os sacramentos que recebemos hoje, já eram dados pela Igreja apostólica.
a) Sim, os nossos sete sacramentos são os mesmos.
A Igreja apostólica conheceu o Batismo?
Quem ousaria negá-lo? Cristo não deu, porventura, este ensinamento: “Ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19)? Lemos, a respeito do diácono Filipe, que ele deu o batismo em Samaria (At 8, 12), que batizou um funcionário da rainha da Etiópia (At 8, 38). Lemos ainda nos Atos dos Apóstolos (9, 18) que São Paulo foi batizado. “Nós todos que fomos batizados em Jesus Cristo, foi na sua morte que fomos batizados” (Rm 6, 3). E o próprio São Paulo batizava ou mandava batizar os que acreditavam na sua pregação ou mandava batizar os que acreditavam na sua pregação (At 16, 15; At 16, 33; At 18, 8; At 19, 5; 1Cor 14, 16).
A Igreja primitiva conheceu a Confirmação?
“Os apóstolos que estavam em Jerusalém, tendo sabido que a Samaria recebera a palavra de Deus, a ela enviaram Pedro e João. Estes, chegados ao meio dos Samaritanos, oraram por eles, afim de que recebessem o Espírito Santo… Então Pedro e João impuseram-lhe as mãos, e eles receberam o Espírito Santo” (At 8, 14-17).A Igreja dos apóstolos conheceu a Eucaristia, a Santa Missa e a Comunhão? “Prove-se cada um a si mesmo, e assim coma desse pão; porque quem come e bebe indignamente, come e bebe a própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor” (1Cor 11, 28-29).
Conheceu ela o Sacramento da Penitência?
E como?! Sob uma forma bem penosa: sob a forma da confissão pública.
Conheceu a Extrema Unção?
“Acha-se entre vós alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e eles orarão junto ao doente, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor restabelecê-lo-á, e se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5, 14-15).
Conheceu o Sacramento da Ordem?
“Reanima em ti a graça de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos” (2Tm 1, 6).
Conheceu o Sacramento do Matrimônio?
“O homem deixará seu pai e sua mãe para ligar-se a sua mulher, e de dois se tornarão eles uma só carne. Este mistério é grande” (Ef 5, 31-32).
Eis aí o que significa a “apostolicidade” da Igreja. Quer dizer que ainda hoje os Sacramentos são os mesmos que no tempo dos apóstolos.
b) “Mas porque há necessidade de sacramentos e de intervenção da Igreja” – poder-se-ia perguntar. “Porque não posso entrar em comunicação com Deus sem intermediário, diretamente?”
Porque não é a nós, mas a Deus, que pertence regular como Ele quer entrar em comunicação conosco. Cristo incarnou-se uma única vez, o Espírito Santo desceu uma única vez, sob forma visível, sobre os apóstolos; por isto, quem quiser agora viver em união com Cristo, com o Espírito Santo, deve juntar-se àqueles que viram a Cristo e receberam o Espírito Santo. Poder-se-ia, do mesmo modo, perguntar por que é que Deus não nos dá imediatamente a vida. Deus só criou diretamente o primeiro casal humano; para dar a vida aos outros homens, pede Ele a colaboração dos pais; assim também, Cristo e o Espírito Santo só se revelaram diretamente uma única vez, aos apóstolos, e os demais homens só têm comunicação com Eles pelos apóstolos.
Cristo deu aos apóstolos diversos poderes, e ninguém os recebe, senão aqueles a quem os apóstolos os transmitem. Só pode, pois, ser a verdadeira Igreja de Cristo, a Igreja que recebeu, pelos apóstolos, o contato com Deus, com Cristo, e a força do Espírito Santo.
A apostolicidade da Igreja assegura a continuidade histórica da união em Cristo, de maneira que a nossa Igreja, no seu desenvolvimento pacífico e orgânico, pode haurir constantemente em Cristo uma seiva vivificante.
2. Dificuldades conexas à Apostolicidade da Igreja
Mas, em conexão com a apostolicidade da Igreja, podem surgir duas graves dificuldades, que não temos o direito de deixar de lado nesta nossa instrução. Ambas podem causar perturbação nas almas, é melhor encará-las de frente.
A) Se a Igreja remonta inteiramente à época longínqua dos apóstolos, não têm então razão os que acusam a Igreja de ser demasiado antiga, atrasada, ultraconservadora, de não saber compreender a vida humana atual, de não estar adaptada aos tempos modernos? A Igreja não é demasiado antiga, e incapaz de resolver os problemas dos tempos modernos?
A nossa resposta será que a verdadeira religião de Cristo deve ser velha e moça ao mesmo tempo.
a) Cumpre que a verdadeira Igreja de Cristo seja velha
As antigas casas de comércio inscrevem ufanamente na sua porta de entrada a data da sua criação. “Fundada em 1.900”, lê-se às vezes na tabuleta. E as pessoas dizem consigo: “Esta casa existe há 39 anos, pode-se comprar nela com confiança”. Sabeis, porém, o que é que está inscrito à entrada da Igreja Católica? “Fundada no ano 33”. Ela existe, pois, há 1.906 anos; existe desde a época de Nosso Senhor Jesus Cristo; pode-se, pois, ter confiança nela.
b) Mas, por outro lado, cumpre também que a Igreja de Cristo seja jovem, duma juventude cheia de força, pois Cristo prometeu que sua Igreja existiria até o fim do mundo (Mt 28, 20). E justamente porque Cristo eterno vive na Igreja, a velhice da Igreja não significa falta de força, e a apostolicidade da Igreja não significa fraqueza.
É a verdade que a árvore da Igreja, velha de 1.906 anos, é cheia de vida, e que a Igreja se interessa pelas questões angustiosas dos problemas mais modernos, coisa de que poderíamos citar aqui uma multidão de exemplos, se fosse necessário.
Citaríamos as mais recentes encíclicas pontifícias, nas quais a Igreja projeta a luz eterna do Evangelho sobre os problemas morais e sociais mais novos; e não somente ela toma posição nas questões mais modernas, mas fá-lo com uma ousadia e uma decisão que não podem brotar senão da plena convicção da sua força invencível.
A Igreja sabe que, no decurso de 19 séculos, tem sustentado vitoriosamente todos os assaltos possíveis, e esta convicção dá-lhe essa tranquilidade superior que ela manifesta mesmo nas situações mais críticas e que nos faz sentir o sopro sereno da eternidade, que paira acima dos anos. Sim, a Igreja é conservadora nos limites necessários, mas, em compensação marcha também com o progresso onde quer que seja possível. Os missionários não chegam mais às terras longínquas em naus à vela, mas em vapores ou em aviões. O papa serve-se do rádio para transmitir suas instruções às nunciaturas em todos os cantos do mundo. E os sermões, em vez de se dirigirem unicamente à assistência, são transmitidos, pelo rádio, a centenas de milhares de ouvintes distantes.
Quantas ordens religiosas novas vemos em formação, as quais têm em conta as necessidades espirituais modernas! Assim, por exemplo, foi fundada, não faz muito tempo, em Viena, uma congregação completamente nova, a “Congregação das Vítimas de Jesus”, a qual não possui convento particular, mas cujas religiosas habitam, em pequenos grupos nas casas baratas da cidade, nas vilas operarias, em barracas, no meio dos operários afastados da religião e aí cuidam das crianças e dos pobres, dirigem para o céu os olhos dos homens mergulhados na maior miséria.
Em verdade, se bem que a Igreja remonte ao tempo dos apóstolos e já velha, não é antiquada; se bem que apostólica, não está caduca.
B) Pode-se, porem, relativamente á apostolicidade da Igreja levantar ainda uma dificuldade mais importante, que também queremos encarar aqui. Quantas vezes os ignorantes nos fazem a censura de que a religião católica atual não é mais a que era no tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo!
“Cristo não conheceu essa imensa hierarquia que está agora implantada no mundo inteiro: os cardeais, os arcebispos, os bispos, os padres, os religiosos, as religiosas não existiam na época de Cristo. E as numerosas festas, as relíquias, as peregrinações, as ladainhas, as cerimônias… tudo isso não existia na época de Cristo. Como então a Igreja Católica pode dizer que é apostólica?”
Quantas vezes ouvimos essa censura, – e que lhe respondemos?
a) Naturalmente devemos reconhecer o que há de verdade nessa objeção. É verdade que na nossa Igreja podemos achar hoje em dia muitas cerimônias, disposições disciplinares, e instituições, que realmente não existiam no tempo de Cristo, mas que são o resultado duma evolução. Com efeito, – e é este o ponto capital na questão, – todas essas coisas não são uma construção artificial, mas uma evolução natural. Um desenvolvimento natural do grão de mostarda que Cristo semeou e que cresce e se desenvolve nos diferentes países, e entre os povos mais diversos em meio às circunstâncias culturais e políticas mais variadas, e se adapta a elas. Ela não cede nada da sua essência, mas adapta-se ás coisas exteriores. E o que mostra a sua força vital é ser ela capaz, em qualquer época, de satisfazer as necessidades espirituais mutáveis de todas as nações, sem ser obrigada a renegar o que quer que seja da sua essência própria.
b) A Igreja tem, pois, mudado em muita coisa – dizem alguns.
Mudado? Dizei somente em que foi que ela mudou? Em muita coisa. Nos ritos, nos costumes, nas leis. O Jejum atual é diferente do que era outrora, as festas também são diferentes.Tudo isso é verdade. Mas é o mero invólucro da religião. Acaso mudais, quando trocais de roupa?
c) Mas há também mudanças na doutrina, e não somente no aspecto exterior, dir-se-ia talvez. O Símbolo dos Apóstolos era mais curto outrora do que hoje. Foi mais tarde que o alongaram. E mesmo aquele que o padre diz na missa é bem mais comprido do que o recitado pelos fiéis. Há mesmo o que chama a profissão de fé do Concílio de Trento, e que é pelo menos, cinco vezes mais longa do que o Símbolo dos Apóstolos.
É assim que argumentam alguns. E tudo isso também é verdade. E, no entanto, daí não resulta alteração nem modificação alguma.
Que houve então? Houve que primitivamente só existia o símbolo mais curto, que agora chamamos “símbolo dos apóstolos”. Mas depois apareceram hereges cujos erros obrigaram a Igreja a insistir mais em um ou outro dogma, e a alongar o primeiro símbolo, que era mais curto. Esses acréscimos versaram justamente sobre os pontos atacados pelos hereges.
A Igreja, assim, fortificou e estendeu o Símbolo no curso das idades, nos pontos onde os hereges a atacavam.
d) Mas, contudo, hoje temos mais dogmas do que dantes – insistem outros. Na realidade, eles são a eflorescência da fé cristã primitiva, tal como a flor é a eflorescência do botão da árvore.
Quando um homem de 40 anos olha uma fotografia da usa infância, junta as mãos com admiração: Sou mesmo eu? Na realidade, é ele mesmo, tal qual era antes. O exterior, os traços, os cabelos, a roupa são diferentes de há 40 anos, mas as partes essenciais são as mesmas: o coração é o mesmo, um pouco maior; os pulmões, os olhos, a boca, o cérebro são os mesmos, apenas se desenvolveram completamente.
O mesmo sucede com a nossa Igreja, idosa de 1.906 anos. Há 19 séculos ela se compunha apenas de duzentos ou trezentos homens; hoje, tem 360 milhões. É, pois, natural que a Igreja, que cresceu imensamente, seja hoje, no exterior, nas vestes, nas festas, nos ritos, nas práticas de devoção e numa multidão de coisas, diferente da Igreja dos apóstolos, que não contava mais do que algumas centenas de fiéis; mas ficou sendo a mesma na sua substância: ela está edificada na mesma pedra que outrora, tem a mesma fé que então; tem os mesmos sacramentos. E é o que nós proclamamos quando dizemos: “Cremos na apostolicidade da Igreja”.
***
Meus irmãos, um dia no parlamento inglês um adversário político apostrofou Daniel O’Connel, o grande homem de Estado irlandês: “Papista!”
O herói da liberdade da Irlanda respondeu incontinente:
“Julga v. ex. haver-me ofendido chamando-me papista, e não sabe quanto me honrou. Efetivamente, sou papista, e folgo de sê-lo: porque esse termo ‘papista’ significa para mim que a minha religião remonta, pela cadeia ininterrupta dos papas de Roma, até Jesus Cristo, ao passo que a fé de v. ex. não vai mais longe do que a Henrique VIII e Isabel”.
Em verdade, irmãos, se sou católico, tenho 19 séculos. Se sou católico, conservo-me sobre o rochedo de Pedro. Se sou católico, estou seguro na minha fé. Se sou católico, posso repetir com ufana alegria, as magnificas palavras pronunciadas, não há muito, num congresso católico pelo conde Alberto Apponvi, e que foram reproduzidas na sua notícia fúnebre: “Sinto que, pela graça de Deus, habito num fortaleza de que as portas do inferno jamais poderão triunfar; sinto a proximidade da fonte inexaurível das graças que elevam a fraqueza humana, que a auxiliam nos combates da vida, e suprem a insuficiência das forças humanas; quando tudo vacila em torno de mim, sinto um terreno firme debaixo dos pés; quando tudo parece cair nas trevas, sinto brilharem sobre nós os raios da verdade eterna; ouço, em meio ao ruído das opiniões passageiras, as promessas de vida eterna que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou á sua Igreja, nela as conserva intactas, e por seu intermédio as faz chegar a todos nós”.
Senhor, agradeço-Vos por poder ser membro da Vossa Igreja una, santa, católica e apostólica. Amém.
(Toth, Mons. Tihamer. A Igreja Católica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942, p. 57-70)