Aos Padres e Irmãos da Congregação do Santíssimo Redentor
Nota: Em julho de 1758, a S. C. da Propaganda pediu a Santo Afonso missionários para a Ásia. Apenas dado o anúncio, Padres, Estudantes e Noviços se ofereceram para as missões longínquas. As diligências não surtiram efeito; mas o Santo, satisfeito com o espírito de seus filhos, aproveitou-se da ocasião para corrigir alguns faltosos.
Nocera, 13 de agosto de 1758.
Vivam Jesus, Maria e José!
Padres e Irmãos. Recomendo de novo a todos a observância das Regras, especialmente da obediência, porque, a respeito dela, ouvi dizer que se tem faltado bastante.
Procuremos ter sempre diante dos olhos o fim feliz que tiveram tantos Irmãos falecidos, jovens e Padres; e, ao invés, o fim de muitos outros, que ainda vivem, mas estão fora da Congregação, e choram; pois, se algum deles não chorar, e se comprazer no seu estado, esse seria mais digno de compaixão e mesmo de lágrimas. Estejamos, pois, atentos, porque as faltas repetidas, e das quais não fizeram caso, foram a causa de sua ruína pela perda da vocação. Renovo por isso a lembrança de algumas coisas que já disse e publiquei. Sirva isso ao menos para os novos.
Em primeiro lugar nunca darei, nem posso dar em consciência, a quem me pedir, a dispensa dos votos sem causa necessária e justa; mas esta justiça ou necessidade não há de ser medida pelo súdito, porque, estando apaixonado, não é ele que julga, mas a paixão. Por isso renovo a obediência formal de ninguém sair da Congregação sem licença. E, se algum de outra casa quiser vir ter comigo, procure a licença do Superior local; no caso de não consegui-la, ou se fosse negada, escreva-me e não saia de casa, enquanto não tiver minha licença expressa. Ordeno isto por obediência, mas não formal; saiba, porém, aquele que fizer o contrário, que receberá uma penitência.
A quem pedir dispensa para sair, sem causa justa, renovo a ordem dada de primeiro empregar-se a doçura para acalmar-lhe a tentação; se não quiser acalmar-se, terá um mês de cárcere rigoroso (entenda-se, de retiro) com três jejuns a pão e água cada semana. E cada um saiba que, pedindo dispensa sem justa causa, mas por capricho ou paixão, torna-se, por esse ato, indigno de continuar na Congregação, e com justiça pode ser despedido, mesmo que depois não o queira.
O exemplo daquele Irmão, que saiu sem licença, como todos sabem, e durante meses tem vivido e continua vivendo na desgraça de Deus, com sacrilégio na alma sem achar quem o absolva, devei fazer tremer a todos aqueles que têm temor do pecado. Estejamos, pois, atentos a comunicar imediatamente a tentação, quando se apresentar, àqueles que nos podem ajudar. Saibamos que, para cada um de nós, a tentação mais perigosa que nos pode mover o demônio, em vista das consequências que traz consigo, é a tentação contra a vocação; por isso, Irmãos meus, cada um peça a graça ida perseverança na vocação todos os dia, especialmente na visita ao Santíssimo Sacramento e a Maria Santíssima. É o que recomendo a cada um em particular, Padres e Irmãos, e ninguém se fie de seus propósitos ou sentimentos. Quando vem a paixão e se perde o discernimento, toda a coisa se muda. Digo-vos a verdade: o que tenho visto nos outros, faz- me tremer pelos demais.
Saibam ainda, especialmente os jovens, que é falta muito notável, em caso de enfermidade, procurar os pátrios ares. A quem vive em comunidade e observância, a experiência universal ensina que os ares pátrios e da casa própria são ares empestados para o Espírito e para a vocação. Saiba cada um que, em caso de precisar mudar de ares por ordem do médico, os Superiores (se assim o julgarem) enviá-lo-ão a outros ares em alguma de nossas casas; mas, de hoje em diante, não se pense mais em ir a outra estância fora de nossas casas. Se no passado houve algum exemplo do contrário, saiba-se que daqui em diante nunca mais o permitirei, porque a experiência demonstrou quantas desordens e tentações pode trazer a indulgência sobre este ponto.
Outrossim lembro a todos que a ninguém é permitido ir à casa de seculares e muito menos à casa de parentes, sem justa causa e expressa licença, como diz a Regra; e espero que se observe esta regra com mais rigor do que as outras. Só em caso de doença mortal, de pai ou mãe, permite a Regra ir à casa paterna, mas sempre com licença; porém, mesmo nesse caso, mais de um congregado mandou dizer à mãe ou ao pai moribundo que a sua visita ou assistência não era necessária nem útil senão para aumentar-lhes o sofrimento e, por isso, se limitava a recomendá-los a Deus; e assim se abstiveram de ir para casa: com isso fiquei muito edificado e estou certo que agradaram muito a Deus tanto por sua mortificação como pelo bom exemplo que deram aos outros.
De novo recomendo a todos, sacerdotes, jovens e irmãos, a obediência a todo aquele que, naquela casa ou naquele tempo, for Superior, ao menos em razão do ofício que tem, e seja ele quem for, mesmo o menor dos irmãos da Congregação. É então que se vê quem é verdadeiramente obediente. Eu não me edifico tanto com a obediência que me prestam, quanto com a que prestam aos Reitores locais, prefeitos e ministros, ou oficiais que presidem aos outros em qualquer circunstância. Na obediência tem-se faltado. Espero que no futuro algumas coisas, que neste ponto me causaram grande desgosto, não aconteçam mais. A obediência é a única que pode sustentar a Congregação e conseguir que nela haja espírito; e obediência, repito, a todo aquele que está como Superior; do contrário, acabou-se a Congregação. Eis por que todas as faltas se podem perdoar mais facilmente, menos as faltas contra a obediência.
De modo semelhante seria faltar contra a pobreza. Por isso recomendo a todos os Superiores locais, presentes e futuros, que, quando algum dos nossos receber de presente (per carità) qualquer coisa (p. ex., tabaqueira, lenços, meias e semelhantes) não lhes conceda o uso delas, mas deem-lhe qualquer coisa semelhante: isso é necessário para conservar a pureza da pobreza; do contrário poderão surgir muitos inconvenientes, e pode abrir-se alguma porta para destruir a pobreza, a segunda virtude que mantém o espírito da Congregação. Quanto às vestes, batinas, zimarras e capas, mandem os Superiores consertá-las, se forem velhas e rotas, enquanto for possível. Pobre Congregação, se chegar um tempo em que os congregados se envergonhem de aparecer cora vestes remendadas! Não quisera tivesse de lamentar desde hoje essa desgraça.
No que me respeita, digo e torno a dizer que, quando alguém quiser me escreva sem constrangimento. Não se preocupe pensando que me aborreça ou me impeça de preparar alguma obra para a impressão. Sou obrigado, como Superior, a ouvir e ler as cartas do menor dos Irmãos da Congregação; a isso sou obrigado, ao passo que a publicar alguma obra não sou obrigado. Na publicação de algum opúsculo não devo empregar outro tempo senão aquele que me sobra da atenção que devo pôr em ouvir e responder as cartas. Se apesar disso alguém deixasse de falar comigo ou escrever-me, tratando-se do bem seu ou da Congregação, fica na sua consciência e lhe pedirei contas disso no dia do juízo. Declaro que, sobre este ponto, se agora estivesse para morrer, não sentiria nenhum escrúpulo. Quando alguém vem falar comigo ou me escreve coisas pessoais ou atinentes à Congregação, ponho de lado tudo o mais. Não respondo de próprio punho, porque agora, depois da última enfermidade, a cabeça não mo permite; mas, quando o confrade não quer ser descoberto, oculto-lhe o nome até ao meu secretário, escrevendo eu mesmo o endereço. E, quando é necessário, esforço-me por escrever, pouco a pouco, de próprio punho. Afaste-se toda a apreensão de que eu manifeste os segredos que me confiam ou escrevem; estou muito atento no falar e em rasgar as cartas. Este cuidado provém de que, corrigindo eu a alguém, ou fazendo qualquer coisa que desagrada a este ou àquele, facilmente os outros combinam as circunstâncias e põem-se conjeturar que teria sido o que o outro me disse ou escreveu, e muitas vezes adivinham. É por isso que alguns se queixam de que eu não guardo segredo. Com isso, porém, não se pense que eu seja obrigado a guardar segredo de tudo, ainda com prejuízo de quem fala comigo ou me escreve. Queixar-se de que eu diga a outros coisas que não exigem silêncio, é ridículo. Entretanto, se alguém quiser que eu guarde segredo sobre tais coisas, escreva-mo expressamente e eu o atenderei.
Recomendo agora em geral mais algumas coisas.
1. Celebrar a Missa com gravidade, porque ouvi dizer que alguns celebram sem compostura e desordenadamente, e com muita pressa. Pregamos aos outros, e depois…
2. Os missionários, que têm malas com chaves, quando estiverem em casa, abram as malas e conservem-nas sempre abertas para que os Superiores as possam ver quando quiserem; do contrário, todos poderiam ter coisas fechadas à chave.
3. Ninguém pegue escritos de outros sem expressa licença do Superior. A respeito tenho ouvido muitas queixas de alguns que ficaram sem seus escritos.
4. Quando o Reitor-mor ou outros Superiores repreenderam algum confrade, ninguém se ponha a indagar com perguntas capciosas, querendo saber quem foi que avisou os Superiores a respeito de qualquer desordem ou falta, porque com isso se impede o bem comum, e alguns, pelo temor de não saberem o que responder, quando interrogados, deixam de avisar os Superiores, como devem; e isso não se deve fazer mormente com os que exercem o cargo de zeladores ou com os que se suspeita sejam fiscais secretos.
5. Recomenda-se novamente que entreguem as restituições incertas ao Superior da missão, quando se está em missão, ou ao Superior da casa, quando se estiver em casa.
6. Recomenda-se de novo não comunicar coisas nossas a estranhos, que, por culpa dos nossos, vêm a sabê-las melhor do que nós. Comunicam-lhes, às vezes, coisas pouco edificantes, que depois se espalham por toda a parte.
Adverte-se mais uma vez que, quando se sai a pregar novenas, tríduos, retiros particulares e semelhantes, a respeito da alimentação se observe tudo como nas missões. Fica isso recomendado especialmente a quem for Superior na ocasião, porque a ele é que pedirei contas, e a ele é que será imposta a penitência.
Irmão Afonso do SS. Redentor.
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(LIGÓRIO. Santo Afonso de. Cartas Circulares. Oficinas Gráficas Santuário de Aparecida, 1964, p. 46-56)