
Sermão para a Festa da Conceição
Nota: Deve notar-se ali e noutras frases subsequentes deste sermão, que Bossuet viveu no século XVII, em que a Conceição Imaculada de Maria Santíssima não era ainda definida como dogma católico: só o foi em 8 de dezembro de 1854.
SUMÁRIO
Exordio. O mistério que hoje celebramos parece ser para Bossuet o mais difícil de tratar. Todos estão mortos, todos estão criminosos e condenados em Adão. Como pode a esta condenação escapar a Virgem Maria? Proposição e divisão. Fecit mihi magna qui potens est: 1.° A autoridade soberana excluiu Maria da lei geral; 2.° A sabedoria divina separou-a do contágio universal; 3.º O amor eterno de Deus precaveu-a misericordiosamente da sua cólera. 1.º Ponto. — A soberania consiste, ao que parece, em fazer leis dentro da esfera da autoridade, e em suprimi-las dentro dos limites do poder; sendo a supressão justificada concedida às personagens eminentes, e a fundada no exemplo, concedida apenas à glória do soberano. É o que no caso presente se realiza. Concluamos com Tertuliano: Non tantum obsequi ei debeo, sed adulari. 2.º Ponto. — Devendo a sabedoria divina produzir a ordem e a diversidade, separa a Virgem Maria de todas as criaturas, insinuando-se nela, peculiari munere. Separemo-nos da multidão dos homens e façamos aliança com Jesus Cristo. 3.º Ponto. — Como Jesus é o ministro da graça, concede a Maria este dom em excesso, e não aguarda o progresso da idade para ser liberal para com ela. O amor do Filho exceptua a Mãe da mácula da conceição e faz com que ela fique Virgem. Peroração. — O pecador foge de Deus; mas nós devemos associar-nos a Ele. Ninguém pode contar com a misericórdia, mas ela adverte-nos a fim de evitarmos a justiça; e confessando humildemente os nossos pecados, louvaremos a Deus.Fecit mihi magna qui potens est E o Omnipotente operou era mim grandes maravilhas (Lc 1, 49)
Meditação para o Dia 15 de Novembro
A uma viúva cristã, São Francisco de Sales escreveu esta carta consoladora:“Meu Deus, como esta vida é enganadora! E como são breves as suas consolações! Num momento aparecem e noutro se dissipam. Se não fora a eternidade para onde se dirigem nossos dias, com razão lamentaríamos a nossa condição humana. Escrevo-vos com o coração cheio de desgostos pela perda que tivestes e, ainda mais, pela ideia do golpe que o vosso deve receber quando lhe forre velada a infausta notícia de vossa viuvez, tão repentina e lamentável.

Sermão para o 2º Domingo depois da Epifania
SUMÁRIO
Exórdio. - Jesus Cristo une-se às almas fiéis por vias misteriosas; e eis o motivo porque tantas vezes lhe chamam, e com razão, o divino Esposo das almas. Proposição e divisão. - O orador tira o assunto do seu sermão da história milagrosa das bodas de Caná. Desenvolve sucessivamente três pensamentos principais que lhe são sugeridos pela conversão da água em vinho. Jesus Cristo transformou: 1.° O símbolo em realidade; 2.° A letra em espírito; 3.° A lei de rigor em lei de misericórdia e de amor. 1.º Ponto. — Pelo milagre das bodas de Caná, quis Jesus Cristo fazer-nos compreender quê, do mesmo modo que convertia a água em vinho, convertia também o símbolo em realidade. No Antigo Testamento tudo é simbólico, no Novo tudo é real; e assim como o símbolo não pode existir sem a realidade, assim todas as Escrituras proféticas não teriam razão alguma de ser, e até nos pareceriam às vezes bem extravagantes, se nelas não se destacasse a figura de Jesus Cristo. São águas sem ímpeto e sem sabor, frias e languidas, que de repente se convertem num vinho generoso, sob a divina influência de Jesus Cristo2.º Ponto. — Deus mandará dizer pelo seu profeta:«A lei é, pois, um Evangelho oculto; e o Evangelho é a lei explicada»
E na verdade, com Jesus Cristo, o Espírito de Deus apoderou-se dos nossos corações por uma caridade sinceríssima, por um poderoso amor que Ele nos inspira, e por uma bondade santa e arrebatadora. A lei antiga ordenava, mas não vivificava, mas não atraía; impunha-se ao espírito pelo raciocínio, mas não ao coração pela caridade; impressionava profundamente os ouvidos, como diz Bossuet, mas não comovia o coração. A lei nova, pelo contrário, entusiasma-nos com um divino fervor, alenta-nos, aquece-nos com benditos arderes. 3.º Ponto. — A lei antiga é uma lei de receio e de rigor; os seus transgressores eram punidos impiedosamente; e Deus oprimia-os muitas vezes com eternas maldições. A lei nova é uma lei toda de amor. Peroração. — Nós já não estamos sob o império da lei do temor, estamos sob o império da lei do amor. Sirvamos a Deus com um amor liberal e sincero. E vós, sobretudo, neófitas, rendei-lhe eternamente as vossas ações de graças.«Eu hei de inspirar-lhes nas almas a minha lei, e hei de escrevê-la, não em tábuas de pedra, mas nos seus corações» (Jr 31, 31)
Nuptiae factae sunt in Cana Galilaeae, et erat mater Jesu ibi. Vocatus est autem et Jesus et discipuli ejus. Celebrava-se uma boda em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. Jesus e os seus discípulos também foram convidados para a boda (Jo 2, 1 e 2)
Meditação para o Dia 14 de Novembro
O egoísmo, a leviandade do homem moderno afastam-no do leito dos enfermos e das câmaras mortuárias, e, se acontece algum aparecer em qualquer desses lugares, orgulhoso, cheio de sensualidade, saturado de prazer, é para aconselhar distrações. Não pensa em consolar, mas em distrair. Como pode o materialista grosseiro consolar o que sofre, se lhe falta a doce esperança cristã?“Se há verdadeiras dores – escreve Joseph de Maistre – muito mais raros são os verdadeiros consoladores”

II. Sermão para a Festa da Circuncisão
Pregado no 1° de janeiro de 1687, em Paris, na capela da Casa professa dos Jesuítas.
SUMÁRIO
Exordio. — Desenvolvimento do texto: Ipse salvum faciet populum suum a peccatis eorum... Proposição e divisão. —Jesus é o Cordeiro que tira os pecados do mundo: 1.º O pecado avilta a alma e dá-lhe a morte eterna, mas Jesus ressuscita-a pelo perdão; 2.° A alma perdoada é de novo arrastada ao mal, mas a graça de Jesus fortifica-a contra a tentação; 3.° Neste mundo estamos sempre, sujeitos a abusar da nossa liberdade, mas com a glória do céu torna-nos Jesus impecáveis. 1.º Ponto. — O pecado é um ato de rebelião contra Deus e de ódio contra o próprio indivíduo, um mal íntimo que apaga em nós por completo tudo que nos une a Deus. A graça de Jesus, fruto do Seu sangue divino, cura este mal nas almas penitentes. 2.º Ponto. — O pecado, entrando na nossa alma, e residindo sobretudo nela, faz-lhe chagas que não desaparecem juntamente com Ele, enfraquece a nossa natureza e produz-lhe as maiores alterações. A graça de Jesus, porém, está sempre preparada para nos lavar dos nossos pecados, para nos ajudar a triunfar, para nos premunir enfim contra novas fraquezas. 3.º Ponto. — Finalmente, para completar a sua vitória, a graça de Jesus Cristo há de ajudar-nos a alcançar o repouso eterno, isto é, esse estado em que a nossa alma, firmada na felicidade, não tornará jamais a pecar. Peroração. — Ai do que diz:Não se lembra de que o Omnipotente o espera no dia fatal, e que, certo do golpe que há de dar, não precipita a sua vingança. — Elogio do zelo da Companhia de Jesus.«Eu pequei e que mal me sucedeu?»
Vocabis nomen ejus Jesum: ipse enim salvum faciet populum suum a peccatis eorum E vós lhe chamareis Jesus, que quer dizer Salvador, porque é Ele quem há de salvar o povo dos seus pecados (Mt 1, 21)
Meditação para o Dia 13 de Novembro
Não nos aflijamos desesperadamente quando Nosso Senhor vem chamar para a vida eterna alguns dos nossos entes queridos. Ele é o Senhor da vida e da morte e só Ele sabe o que nos convém. Louvemos a misericórdia Divina, quando nos conserva a vida ou no-la tira.“Nesta vida – diz São Francisco de Sales – vivemos morrendo e morremos vivendo continuamente. Só os que morreram no Senhor são verdadeiramente felizes, porque só eles vivem a vida verdadeira. Beati mortui qui in Domino moriuntur”

I. Sermão para a Festa da Circuncisão
Pregado no 1º de janeiro de 1654 ou 1656.
SUMÁRIO
Exordio. — O poder real e o poder sacerdotal estão intimamente ligados e derivam naturalmente de duas inclinações que existem no Coração humano: a inclinação para Deus ou para a religião e a inclinação para o homem ou para a sociedade. Proposição e divisão. — Jesus Cristo é simultaneamente rei e pontífice, porque é salvador: Realeza de Jesus Cristo; em que consiste, como Ele a adquiriu e como a exerce; sacerdócio de Jesus Cristo e Sua excelência. 1.º Ponto. — Jesus Cristo veio ao mundo com um poder real: não é uma realeza temporal, como a entendiam os judeus e os próprios apóstolos, mas uma realeza inteiramente espiritual; e por isso, só durante a Paixão é que se ouve falar da Sua realeza: Tu dicis quia rex ego sum. Jesus reina em toda a parte: Christi regnum et nomen ubique porrigitur, ubique regnat ubique adoratur. Tertuliano. 2.º Ponto. — O sacerdócio de Jesus Cristo é muito mais perfeito do que o de Aarão. O nome de Jesus, que encerra todas as maravilhas da realeza e do sacerdócio, é um nome superior a todos os nomes. Amam-se os reis benfazejos, mas não se ama a Jesus, que é o mais generoso dos reis, Jesus, que deu o Seu sangue para a conquista da nossa alma. Peroração. — Povos, até quando hesitareis entre dois partidos?«Se Jesus é o vosso rei, prestai-lhe obediência; mas se o vosso rei é Satanás, colocai-vos ao lado de Satanás. O governo de Jesus sobre os vassalos de Satanás há de ser severo. Renovemos o nosso juramento de fidelidade que devemos a Jesus, o nosso grande rei»
Vocabis nomen ejus Jesum; ipse enim salvum faciet populum E vós lhe chamareis Jesus, porque é Ele quem salvará o vosso povo (Mt 1, 21)
Meditação para o Dia 12 de Novembro
Nada santifica mais do que as lágrimas, quando elas são vivificadas pelo amor Divino. Como nos é dolorosa a morte das pessoas que amamos!“Nosso Senhor Jesus Cristo – escreve o piedoso autor das Palhetas de ouro, – para nossa consolação, quis experimentar as amarguras que causa ao coração humano a perda daqueles a quem ama. Lázaro era apenas seu amigo, conforme diz Mpns. de Segur, e, todavia, Jesus, que ia ressuscitá-lo, quis sofrer, para santificá-las, as dolorosas emoções da separação. Quis chorar”

II. Sermão para o Dia de Natal
Pregado em Meaux, no dia 25 de dezembro de 1667.
Não existe manuscrito. —Déforis, IV, p. 877. - Lachat, VIII, 279. Foi por uma cópia do abade Ledieu, a quem Bossuet o tinha ditado para uma religiosa de Jouarre, que Déforis publicou este sermão. Como Sermão da Paixão, tem ele a vantagem de manifestar na sua forma definitiva o pensamento de Bossuet.
SUMÁRIO
Exordio. —Desenvolvimento do texto: Positus est hic... Proposição e divisão. — Um dos caracteres do Messias prometido a nossos pais era ser ao mesmo tempo um motivo de consolação e um motivo de contradição; uma pedra angular e uma pedra de escândalo. O que nos desagrada é: 1° a profunda humilhação da sua pessoa; 2.° a verdade inexorável da sua doutrina e a grandeza da sua misericórdia. 1.º Ponto. — Os filósofos da antiguidade tanto se aproximavam de Deus pela sua inteligência, como se afastavam dEle pelo seu orgulho... É o que hoje fazem muitos cristãos. A exemplo de Jesus, aniquilemos tudo o que somos, pois isso não nos causará ruína, mas dá-nos a ressurreição. 2.º Ponto. — Jesus Cristo apresentando aos homens a verdade que os condenava, e apresentando-a de mais perto do que nenhum dos profetas, fizera-o com mais vivo esplendor, sublevava necessariamente contra si todos os espíritos, até aos últimos excessos.3.º Ponto. — Como na instituição dos Seus Sacramentos, sobretudo na instituição do Batismo e da Penitência, Jesus Cristo não quis limitar a Sua bondade, também os cristãos não quiseram limitar os seus crimes; não receiam pecar porque esperam arrepender-se um dia.«Amado irmão, é Jesus Cristo que te ilumina ainda... caminha, pois, com o auxílio dessa luz»
Peroração. — «Vinde contemplar os mistérios do Salvador; olhai para o lugar por onde eles vos podem causar ruína e para aqueles por onde vos podem dar consolação»«Tremei... e temei... de cometer... esse pecado contra o Espírito Santo, que não se perdoa neste mundo nem no outro»
Ecce positus est hic in ruinam et in resurrectionem multorum in Israel. Eis que este é enviado para queda e ressurreição de muitos em Israel. (Lc 2, 34)