Mês de Novembro
Breve introdução sobre a Oração e o Apóstolo Patrono
Jamais duvides que é só por meio da oração que podes alcançar a tua salvação e chegar à perfeição. Para vencer as tentações, praticar as virtudes e guardar perfeitamente os mandamentos da lei de Deus, precisas no momento decisivo de um especial auxílio da graça, o qual Deus te concede unicamente por meio da oração, e da oração perseverante. Especialmente no tempo da tentação deves recorrer a Deus, pedindo-Lhe seu auxílio, ao menos pela invocação dos santíssimos nomes de Jesus e Maria.
Antes de rezar prepara teu corarão. Pondera que vais falar com Deus para obter sua misericórdia; que os anjos olham para ti com turíbulos de ouro nas mãos e estão prontos a oferecer a Deus tua oração como um agradável incenso. Esforça-te, por isso, para rezar não só com os lábios, mas também com o coração, pois, contrariamente, em vez de obteres graças, só provocarias a ira de Deus contra ti. Procura rezar com especial devoção aquelas orações que mais se repelem, como o Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Glória ao Pai. Dedica-te com grande zelo à prática das jaculatórias que não estão ligadas a lugar algum, nem a nenhum tempo.
Faze tuas orações com humildes sentimentos e com uma firme, constante e inabalável confiança. Se te parecer que Deus não quer te atender, continua a rezar e a confiar apesar disso, porque é certo que Deus ouve a todos que Lhe suplicam com confiança e perseverança.
Alimenta também um amor especial pela oração mental e consagra-lhe cotidianamente tanto tempo quanto te for possível. Liga toda a importância aos atos da vontade: faze atos de humildade, de confiança, de abnegação própria, de arrependimento e principalmente de amor. Não permitas que teus pensamentos vaguem a seu bel-prazer, mas, se involuntariamente sofreres distrações, não te inquietes por isso, não deixes a oração.
Igualmente não deves abandonar a oração por causa da aridez espiritual, ainda que ela dure toda a tua vida. Humilha-te então e dize, cheio de resignação na vontade de Deus:
Senhor, estou plenamente resignado com me privares das Vossas consolações, não as mereço e não as reclamo. Basta-me saber que não repelis uma alma que Vos ama. Estou satisfeito com tudo se puder dizer, em toda a verdade: Ó Deus, eu vos amo e quero amar-Vos sempre.
Sumário
I. A sua natureza
II. Da Oração Vocal. Excelência da Oração Vocal. Seus Requisitos
III. Das fórmulas mais usuais da Oração Vocal
IV. Das Orações Jaculatórias
V. Da Oração Mental. Necessidade da Oração Mental para alcançarmos a Salvação
VI. Da importância da Oração Mental para alcançarmos a Perfeição
VII. Dos diversos fins da Oração Mental
VIII. Dos assuntos principais de Meditação. Lugar e Tempo da mesma
IX. Método para fazer a Meditação
X. Das Provações da Oração Mental
XI. A oração e o Redentor
XII. A Prática do Recolhimento e do Silêncio
XIII. Orações para alcançar a Virtude do Mês
I. A Natureza da Oração
Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.
O reconhecimento, como dissemos, coaduna as nossas faculdades e arranca a nossa alma à fascinação das criaturas, não para lançá-las à inação, mas para dirigi-las a Deus. A alma vai a Deus pelo recolhimento, para se unir a ele e entreter-se com ele pela oração; é desse divino entretenimento da oração que devemos agora ocupar-nos.
Mas se é sempre necessário determinar bem o assunto, particular precisão temos quanto ao nosso tema porque nos encontramos diante de diferentes termos: — religião, piedade, devoção, prece, oração, homem de oração, espírito de oração, etc. — os quais, embora suscetíveis dum sentido especial e preciso, são, todavia na linguagem usual, muitas vezes empregado um pelo outro, e é por isso que importa defini-los bem, parai evitar quanto possível uma confusão desagradável.
A natureza impõe-nos deveres para com os autores dos nossos dias e para com a pátria, que é para nós como uma segunda mãe: devemos cercá-los de provas sinceras da nossa submissão, respeito e afetuoso devotamento: o conjunto desses deveres, dessas provas de respeito e filial afeição, constituem o culto dos pais e da pátria.
Com mais razão temos de prestar honra e glória a Deus, primeiro princípio de todo o ser e todo o bem, senhor soberano e absoluto de todas as coisas. A ele todas as nossas homenagens de respeito e de obediência, de reconhecimento e amor: e o conjunto dessas homenagens que devemos a Deus, Criador e soberano Senhor de todas as coisas, constitui o culto divino.
Ora, enquanto a piedade é a virtude moral que nos faz prestar aos pais e à pátria o culto que lhe é devido, é pela virtude da religião que nos desobrigamos para com Deus, como convém do culto exigido por sua majestade suprema.
Pronunciar com respeito profundo o nome de Deus, cantar com amor os louvores divinos, assistir devotamente ao santo Sacrifício, adorar a Deus com toda a humildade no céu, na cruz ou no tabernáculo, cercar de veneração os santos altares e deles não se aproximar senão com recolhimento e gravidade, guardar, numa palavra, em todas as funções do culto, a atenção, a reserva, a modéstia e a dignidade que elas exigem, é praticar a virtude da religião; ao contrário, é lesar essa virtude o tratar com mais ou menos negligência ou leviandade as coisas santas, abandonando-se, p. ex., à indolência ou à dissipação durante a oração, o ofício divino ou o santo Sacrifício.
Diz o doutor angélico que, do mesmo modo como a virtude da religião é uma manifestação das virtudes de fé, esperança e caridade que ela supõe necessariamente na alma, a piedade é uma manifestação do amor que temos ao próximo; essas duas virtudes são filhas do amor e tiram da caridade a sua força e a sua perfeição.
A religião, todavia, não é uma virtude teologal, mas só uma virtude moral, porque, embora nos prenda a Deus, como o indica o seu próprio nome, não tem diretamente a Deus por objeto como a caridade, mas os atos do culto divino que ela faz cumprir com a fidelidade e disposições requeridas.
Ela conserva o primeiro lugar entre as virtudes morais, porque mais do que as outras se aproxima de Deus, que dá às virtudes a sua dignidade e excelência.
Avancemos e demos um novo passo em nosso estudo.
Em sua infinita bondade, Deus não se contenta de ser para nós Criador e soberano Senhor, cuja majestade suprema exige o culto e as homenagens da nossa religião. Pelo prodígio duma adoção tão real quão misteriosa, quis estabelecer entre ele e nós verdadeiras relações filiais: comunica-nos a sua vida divina e, com toda a verdade, como diz o apóstolo, ele é nosso Pai e nós seus filhos: Ut filii Dei nominemur et simus.
Ora, essa adoção realiza-se pela comunicação que nos é feita pelo Espírito Santo. Sob o impulso do Espírito de amor, diz Santo Tomás, a nossa alma pode se elevar à altura sublime de ver em Deus um Pai, de dar-lhe esse doce nome, concebendo para com ele um afeto verdadeiramente filial: Accepistis Spiritum adoptionis filiorum, in quo clamamus: Abba (Pater). Ora, para tornar as nossas almas dóceis a seus divinos impulsos, o Espírito Santo comunica-lhes primeiro os seus dons, disposições admiráveis, que sem atingirem a excelência das virtudes teologais às quais são ordenados os dons, sobrepujam todas as virtudes morais, elevando-nos a uma perfeição mais sublime.
E é precisamente pelo dom da piedade que a nossa alma, movida pelo Espírito divino, presta a Deus as homenagens do culto não já somente como ao Criador de infinita majestade, mas como a um Pai infinitamente bom e ternamente amado. E assim como a virtude da piedade nos faz honrar não só nosso pai segundo a carne, mas também os que lhe são próximos, isto é, todo os que nos são unidos pelos laços do sangue, assim o dom da piedade cerca de provas de afeto e respeito não só a Deus nosso Pai, mas também os homens, enquanto se referem a Deus, isto é, enquanto pertencem à grande e bela família que Deus se dignou formar conosco. Diríamos com prazer que o dom da piedade é como o espírito de família pelo qual os filhos de Deus honram e amam a seu Pai, e se amam e honram entre si; é a obra do Espírito do amor a estabelecer entre os filhos de Deus o reino perfeito da caridade. Daí a bela progressão estabelecida pelo doutor angélico e que resume muito bem quanto dissemos até aqui: O culto do Criador é superior ao culto do próximo; mas, prestando a Deus as nossas homenagens, é mais perfeito quando se vê nela um Pai soberanamente amável do que o Senhor e Mestre. Se, pois, a virtude da piedade deve ceder a dianteira à virtude da religião, esta por seu turno é inferior ao dom da piedade que a excede em dignidade e excelência.
Se das virtudes passarmos aos atos, chegaremos à devoção, à prece e à oração. Primeiro à devoção. Para Santo Tomás a devoção não é outra coisa que o ato pelo qual a nossa vontade se inclina com prontidão a tudo quanto se refere ao culto divino; é o fato de alguém se dar (donatio) ou de se devotar (devotio) ao serviço de Deus. Ora, diz o santo doutor, querer uma coisa e querê-la prontamente é uma só virtude: a mesma virtude que dá o querer dá também o querer prontamente; pertence, pois, à virtude da religião inclinar-se aos atos do culto divino e inclinar-se-lhes com prontidão; a devoção é, pois, um ato da virtude de religião.
A devoção não consiste na assistência ao santo Sacrifício, ou na recitação do ofício divino, ou no cumprimento de qualquer outro ato religioso; consiste no fato de se dar alguém a esses atos do culto com santo ardor e com santo zelo.
É fácil observar que, se o ato de devoção tem por principio imediato a virtude de religião, o amor de Deus, a divina caridade é a sua fonte primária, a primeira inspiradora, como o é do resto da religião. O amor, com efeito, dá o seu ardor ao devotamento aos amigos; e desse devotamento à amizade tira um novo vigor. Assim, diz o doutor angélico, a caridade produz a devoção, de que se nutre depois como dum alimento que a fortifica.
De outro lado, todo ato virtuoso supõe na alma que o produz uma disposição correspondente que se confirma pela repetição do ato. Praticamente, pois, e considerada como disposição habitual, a devoção não é senão o ardor ou a viveza da caridade; é o fervor que expulsa toda indolência, toda preguiça, toda negligência no serviço de Deus. Daí tudo quanto é de natureza a abrasar as nossas almas do amor divino, como a contemplação das perfeições divinas, é uma fonte em que se alimenta a devoção.
E por esse fervor não só a alma se inclina com prontidão ao serviço de Deus, mas o faz ordinariamente com santa alegria, embora tenha de fazer para isso grande sacrifício; é a palavra de Santo Agostinho: Ubi amatur non laboratur aut si laboratur amatur labor.
“A devoção, diz dom Vital Lehodey, é a prontidão com que a vontade se inclina ao serviço de Deus, à oração como alhures”
Toda a substância e medula da devoção estão nessa prontidão, viveza, agilidade, santo ardor, generosidade e devotamento da vontade. Com essa disposição da alma tem-se a essência da devoção; sem ela só há aparências; eis por que é chamada devoção substancial.
Ela é, geralmente, temperada de certa doçura e suavidade; a alma inclina-se com amor e gosto às coisas de Deus, acha-se bem com ele; ela permanece em paz, o coração em alegria, e o dever é fácil. Essa suavidade não é a devoção; pois que sem ela a vontade pode estar ao serviço de Deus; mas, acrescida à devoção como o acidente à substância, ela se chama devoção acidental.
Se ela fica na alma sem passar aos sentidos, tem-se a devoção acidental espiritual; se se difunde da alma aos sentidos como o vaso que transborda, tem-se a devoção acidental sensível. Então o coração se dilata na alegria e bate com mais animação; os olhos brilham e umedecem-se de lágrimas, o rosto torna-se radiante, a voz comovida, os sentidos suavemente impressionados. E isso chega às vezes a uma sorte de transporte e embriaguez espiritual.
Às vezes, ao contrário, embora a vontade faça o seu dever generosamente, os sentidos não se como¬vem, a alma não é invadida dessa suavidade; ela sente-se como que abandonada; a cabeça fica vazia e sem ideias; o coração frio não encontra senão afetos sem sabor e a vontade permanece sem impulso. E’ a aridez, a secura, o abandono, a desolação. A alma penetrada de religião e piedade inclina-se com mais devoção à prece e à oração: a prece e a oração constituem as suas delícias e é para ela o tesouro in¬finito, em que encontra com Deus todos os, bens.
Quando queremos obter de um inferior alguma coisa a que temos direito, podemos mandar; para movermos os nossos iguais e superiores a satisfazer algum dos nossos desejos, devemos recorrer à prece.
A prece, tal qual a consideramos aqui, distinguindo-a da oração, é uma súplica que dirigimos a Deus diretamente ou por intermédio dos santos, pois que sendo Deus só o autor e a fonte de todas as graças, os santos não podem e não devem ser senão os intercessores junto dele.
A prece é uma petição, diz Santo Agostinho: Oratio petitio quaedam est. Pela prece, diz São João Damasceno pedimos a Deus as coisas que convêm à sua glória e à nossa salvação. Oratio est petitio decentium a Deo. O mesmo santo padre diz ainda que a prece é uma elevação da nossa alma a Deus: Oratio est ascensus mentis in Deum. E São Dionísio, de seu lado, tinha dito que a prece nos dá e nos une a Deus. Explicando as palavras desses dois santos doutores, Santo Tomás mostra que, sob o impulso da caridade, a prece tende para Deus de dois modos:
1.º Por seu objeto, porque, diz ele, o que devemos pedir, sobretudo a Deus é a união com ele segundo o salmista: Unam petii a Domino, hanc requiram, ut inhabitem in domo Domini omnibus diebus vitae meae;
2.º Pela necessidade que temos de aproximar-nos daquele a quem desejamos apresentar o pedido: fisicamente, se só se trata de um dos nossos semelhantes; pelo espírito e pelo pensamento, se queremos orar a Deus.
Resumindo esses elementos, Santo Afonso dá uma definição completa e perfeita da prece, dizendo:
“A prece é a elevação da alma a Deus para obter qualquer graça”
E acrescenta: Chama-se petição quando tem por objeto coisas determinada; súplica, quando se limita a pedir o auxílio divino em geral; obsecração, no caso em que piamente se insiste para obter a graça solicitada como quando pedimos: “Por vossa cruz e por vossa paixão, livrai-me, Senhor”. A ação de graças é, enfim, o agradecimento que dirigimos a Deus pelos benefícios recebidos, e pelo qual, diz Santo Tomás, merecemos receber outros maiores. A prece é, pois, um recurso a Deus e, tomada em geral, compreende todas as partes que acabamos de distinguir.
É evidente que a prece é um ato da virtude da religião. Pela prece honramos a Deus, submetendo-nos a ele plenamente e proclamando que só ele é o autor de todo o bem, enquanto que nós não somos senão insuficiência e miséria.
Da mesma forma é claro que, para orar verdadeiramente, não basta recitar magnificamente e sem atenção uma fórmula mais ou menos piedosa. A prece, para ser verdadeira, deve ser a expressão dum desejo sincero; e quanto mais ardente for esse desejo, tanto mais viva sairá do coração a prece para subir a Deus. Para orar é absolutamente necessário ter a intenção formal de dirigir-se a Deus e de pedir o seu auxílio. E embora baste essa primeira intenção para dar à prece a sua virtude meritória e impetratória, para trazer à nossa alma o alimento e a consolação que encerra, a prece deve ser animada por atenção mantida, segundo a palavra do apóstolo:
“Minha alma não tira fruto algum da prece, na qual só toma parte a minha língua” (1 Cor 14, 14)
Ora, na oração vocal, no Ofício divino, por exemplo, essa atenção existe, seja que a alma se aplique a pronunciar exatamente as palavras, seja que lhes acompanhe o sentido, seja que — e é a atenção mais perfeita — a alma se deixe absorver pelo pensamento de Deus e do fervor que ela solicita da sua bondade. Seria, evidentemente, ofender a Deus e faltar ao respeito para com a sua majestade abandonar-se voluntariamente, durante a prece, a preocupações estranhas.
É verdadeira a prece, enfim, mesmo que, calando-se a nossa boca, o nosso coração apresente o pedido ao Senhor. Salvo no Ofício e nas preces comuns em que se prescreve a pronunciação, a voz, o canto e tudo quanto se mistura à prece são estimulantes que se pode empregar ou omitir conforme incomodam ou fomentam o fervor dos nossos pedidos.
Não é agora o momento de falar da necessidade da prece, do seu poder sobre o coração de Deus, dos favores que devemos solicitar ou dos mediadores que podemos empregar junto de Deus; falaremos disso depois. Digamos brevemente o que é o espírito de prece e chegaremos suavemente à meditação que deve coroar o que acabamos de expor.
O espirito de prece é como um instinto divino, que faz sair a cada instante do nosso coração o grito da prece. Espírito de fé possui um religioso não só porque crê firmemente tudo o que crê e ensina a sta. Igreja, ou porque faz de tempo em tempo algum ato de fé viva e sincera, mas quando em tudo pensa e age segundo a fé, quando a fé é realmente o archote que dirige a sua vida e aclara todos os seus passos. Assim também não se dirá dum sacerdote ou dum religioso que ele tem o espírito de prece unicamente porque recita o Ofício divino ou celebra a santa missa com piedade, ou porque é exato às preces comuns do seu instituto. Quem possui esse tesouro não cessa, por assim dizer, de orar: nos sofrimentos, nas alegrias, nas tentações, nas dificuldades, antes de qualquer passo, antes de qualquer empreendimento, no sucesso como na provação, numa palavra, em todas as circunstâncias é para ele um dever recorrer à prece: a prece é como a respiração da sua alma. Eis o que Santo Afonso quisera criar em todas as almas; eis o que ele quer que se peça a cada instante. Sabendo quão expostos estamos a negligenciar a prece, mormente nos momentos em que ela nos é mais indispensável, isto é, na hora da tentação, em seu zelo pela salvação das almas dá-nos o seguinte conselho de gênio:
“Pedi, pois, para orar: pedi primeiro a graça de orar nos momentos difíceis”
É isso que ele mesmo fazia.
“Eu vos conjuro, clamava ele dirigindo-se a Deus, dai-me o espirito de prece, isto é, a graça de invocar- vos sem cessar, a graça de dizer-vos sempre: Meu Deus, ajudai-me! Meu Jesus, misericórdia! Maria, minha. Mãe valei-me!”
Quem ora se salva, diz ele alhures; o espírito de prece é, pois, garantia de salvação.
O espírito de prece supõe: o espírito de fé, — o desejo ardente dos bens sobrenaturais, — o sentimento profundo da nossa miséria e da nossa incapacidade — e a confiança filial em Deus. A isso voltaremos mais tarde.
Mas é na meditação que se nutre o espírito de prece e assim tocamos o alvo a que queremos chegar. Temos a falar primeiro do exercício da oração e depois da vida de oração ou do espírito de oração. O plano que nos traçamos não nos permite longos desenvolvimentos sobre esse grande assunto tão abundantemente tratado por todos os mestres da vida espiritual. Aborda-lo-emos apenas na certeza de que as almas de boa vontade acharão facilmente o meio de suprir a nossa insuficiência.
Com São João Clímaco e são João Crisóstomo, Santo Afonso define a meditação: Um entretenimento familiar e uma união íntima com Deus. Eis as suas palavras: Oratio est familiaris conversatio et conjunctio cum Deo. Eis o que se faz na oração segundo são João Crisóstomo: a alma fala a Deus e Deus fala à alma. Essa definição parece abranger todos os degraus da oração, desde a mais ordinária até a mais sublime. Ajoelhada ante o tabernáculo, uma pobre mãe de família faz ao Mestre a exposição das suas angústias e lhe diz a sua confiança e o seu amor: ela faz oração.
O pecador, que contempla com fé o crucifixo, deixa-se comover, bate no peito implorando perdão: faz igualmente oração, e faz a oração que convém a seu estado. O santo que, à vista de Jesus crucificado, se arrebata e se eleva da terra e que no êxtase exclama: Ó amor, ó amor! Faz oração: está intimamente unido a Deus e entretém-se com ele.
Entretenimento familiar e união íntima com Deus: note-se bem, não é sempre a abundância de palavras e a animação exterior que torna mais intensa a união de duas almas, e mais vivo o seu entretenimento. O olhar cheio de ternura duma mãe sobre o seu filho é mais eloquente do que todos os discursos; e um sorriso deste último bastará para dizer a sua mãe quanto à ama e quão grande é a alegria de se achar ao pé dela. Entretinha-se, certamente, com Deus familiarmente e lhe estava intimamente unido, fazia oração admirável aquele humilde campônio que, fixos os olhos no tabernáculo, respondeu ao santo cura d’Ars: Olho para ele, e ele olha para mim.
Em um entretenimento, aliás, os dois interlocutores não falam sempre igualmente. Nos entretenimentos do mestre com seu discípulo, por exemplo, ora é o mestre, sobretudo que fala: o discípulo contenta-se de escutar, mostrando a seu mestre, por sua atitude, por seu olhar, por sua atenção firme, que o compreende e gosta das suas palavras. Ora é o discípulo que expõe ao mestre as suas dificuldades, às quais este responde breve¬mente e com benevolência. Assim é na oração o entretenimento com Deus.
Há, pois, na oração a ação de Deus e a ação do homem. O homem procura Deus, vai unir-se e entreter- se com ele; e na sua infinita bondade, Deus entra com prazer em relações com sua cara criatura, feliz não só de cumulá-la de graças, de inundá-la de suas luzes e consolações, mas ainda de dar-se a ela e de comunicar-lhe a sua própria vida.
Ora, esse encontro, essa união do homem com Deus pode ser mais ou menos laboriosa para o homem. Sobre a terra é, muitas vezes, por esforços múltiplos auxiliados pela graça, que o homem se eleva a Deus e fica unido a ele. Só vê Deus em suas obras e através das criaturas; muitas vezes, porém, em lugar de o auxiliarem a chegar a Deus, as criaturas detêm-lhe o voo, distraem-no e afastam-no de Deus.
No céu Deus mostra-se a descoberto, em sua divina essência, e dá-se sem reserva; então o homem une-se a Deus sem esforço. Deus dele se apodera de certo modo, inunda a sua inteligência de luz, inebria o seu coração de amor e o penetra de todos os lados. É a união perfeita para sempre indissolúvel, é a eterna beatitude. Ora, entre esses dois extremos há vários degraus; Deus tem mil maneiras de se nos comunicar, de encher o nosso espírito da sua luz e o nosso coração de amor. Quando, pois, o homem, auxiliado pela graça, se une a Deus por seus próprios atos, por seus esforços, é a oração ordinária ou comum. Quando, ao contrário, é Deus que atrai a si a alma e a une a si pela ação da graça, manifestando-se mais ou menos claramente, mas de maneira extraordinária, à sua criatura, e penetrando de amor o seu coração, é a oração extraordinária ou mística.
Grande é a diferença entre a meditação e a contemplação, diz Santo Afonso; na meditação a alma procura a Deus pelo trabalho do raciocínio; na contemplação o possui e o contempla sem esforço. Na meditação a alma age, além disso, por suas faculdades; na contemplação é Deus que age nela. A alma é passiva recebe sem esforço da sua parte os dons que a graça divina difunde sobre ela; sob o impulso da luz e do amor de que está repleta, limita-se a contemplar, com doçura inefável, a bondade infinita que a cumula de seus dons.
A oração ordinária chama-se também oração ativa; a oração extraordinária, oração passiva; o que não significa que na oração mística ou passiva a alma seja inerte e como que aniquilada; ao contrário, vive vida mais intensa: vê melhor, ama com mais ardor, permanece livre e, segundo certos autores, poderia merecer ou ser infiel mesmo rio êxtase.
“Nosso Deus, escreve o Pe. Desurmont, possui um poder infinito de comunicação a tal ponto que à humanidade de nosso Senhor chegou a comunicar uma das suas três pessoas. Em virtude dessa força comunicativa, pode difundir nas almas tal gozo dele mesmo, de suas luzes, de seu amor, e do bem infinito de que é fonte, que elas ficam como fora de si próprias, no divino… Quando uma alma recebe assim a abundância dos dons de Deus, a sua atividade diminui e aumenta. Diminui quanto às operações detalhadas, e aumenta quanto à intensidade e à plenitude das operações principais. Esse fenômeno observa-se, aliás, mesmo na ordem natural. Eis uma mãe que escreve a seu filho uma carta afetuosa. Nessa carta, pensamentos sucedem-se a pensamentos. De repente o filho estremecido aparece de improviso. A mãe deixa a pena e o seu escrito para abraçar o filho. Então já não há palavras, mas no coração um desdobramento de vida… Fica-se como estupefato ouvindo os quietistas afirmarem que o homem age menos na medida que se aproxima de Deus, como se a enérgica adesão de um ser que achou o seu centro fosse de inércia” (Char. sacerd. IX nº112).
“Nas orações ativas, diz ainda Dom Vital Lehodey, abade da trapa de Bricquebec, domina o esforço da alma, a ação de Deus é aí menos evidente; o sobrenatural, embora real, permanece em estado latente. Nas orações passivas a ação de Deus é mais forte e vai ao ponto de reduzir a alma a certa passividade mais ou menos acentuada, segundo o grau de união mística; e quando esta é bem assinalada, o sobrenatural é patente e pode quase ser tocado com o dedo. Essa passividade, todavia, atinge só certas operações do espírito e dos sentidos; a alma, sob a ação divina, fica livre e capaz de merecer, mesmo no êxtase, e ocupa-se toda em contemplar e amar a Deus, às vezes, com maravilhosa intensidade”
Não entraremos no estudo das orações místicas. Só de Deus depende elevar-nos a elas, e ele só segue as leis de seu beneplácito. Santo Afonso recomenda como mais sábio e mais seguro às almas que não foram elevadas à união mística, não desejar senão a união ativa.
“Mas, diz Dom Vital Lehodey, a opinião comum e quase universal é que elas podem desejar e pedir a contemplação sobrenatural, contanto que esse desejo não proceda do orgulho ou da sensualidade, e que seja acompanhado de humilde submissão à vontade divina. Essas graças nascem, com efeito, do amor, têm por princípio o Espírito Santo e os seus melhores dons; por objeto, Deus; por fim, a união divina, Deus provado e possuído; enriquecem a alma de numerosos méritos, impelem-na às virtudes heroicas, dispõem-na a fazer grandes coisas no serviço de Deus e do próximo, é poderosa alavanca para elevá-la da terra e a unir ao soberano Bem; é um ensaio das ocupações e da felicidade que ele nos promete no céu. Como não desejá-las”.
Seja como for, sejamos sempre bem humildes diante de Deus, plenamente submissos à sua santa vontade e só tenhamos um desejo: amá-lo sempre mais até ao desprezo e sacrifício de nós mesmos. Se aprouver a Deus atrair a si a nossa alma e unir-se-lhe mais intimamente, sejamos em suas mãos como a cera mole que se deixa trabalhar. Devemos também, e então ainda mais, desconfiar de nós mesmos, e ser fiéis mais do que nunca a deixar-nos orientar pelos que Deus encarregou de dirigir-nos.
“Quando sucede, diz Santo Afonso, que alguém se sente unido a Deus por um recolhimento sobrenatural ou infuso, sem pensar de maneira particular em qualquer verdade eterna ou em qualquer mistério, não deve j procurar fazer outros atos senão aqueles a que se sente docemente atraído pelo Senhor; basta então estar atento a manter-se nesse estado de íntima união com Deus, sem pôr obstáculo à operação divina, esforçando-se por fazer reflexões e atos. Mas isso só no caso em que o Senhor se digna chamar uma alma a essa oração sobrenatural: enquanto não se recebe esse favor, não convém afastar-se do modo ordinário de fazer oração, passando, como dissemos da meditação aos afetos; para as pessoas habituadas à oração é melhor, todavia, entregar-se aos afetos do que ao raciocínio”
Vamos, pois, à oração ordinária.
A alma eleva-se a Deus pelo pensamento e prende-se a ele pelo amor, ou une-se a Deus pelo espírito e pelo coração: a oração compreenderá, pois, a operação do espírito e a operação do coração ou da vontade. Pela primeira, a alma aplica sua inteligência a uma verdade, a um mistério, para dela se convencer e penetrar; é o que se chama consideração ou meditação. Pela operação do coração ou da vontade ama-se, deseja-se, pede-se o bem proposto pelo espírito, decide-se a empregar os meios para consegui-lo: são os afetos, as preces, as resoluções: é a oração propriamente dita. Digamos logo, as considerações não é um estudo especulativo. A alma procura, sim, convencer-se, penetrar-se duma verdade para melhor a compreender. Mas não é só para aprender e saber, mas, sobretudo para abrasar o coração, para mover a vontade, para a alma se decidir a entrar resolutamente no caminho das virtudes e para nele andar com passo firme e seguro. Com outras palavras, a alma considera atentamente a verdade para a crer e crer praticamente, a virtude para amá-la e segui-la, o dever para cumpri-lo, o mal para detestá-lo, o perigo para evitá-lo: a consideração deve conduzir ao amor e à ação.
Não há oração sem a consideração do espírito, ou sem o movimento do coração ou da vontade. O amor não existe sem o conhecimento: para se amar a Deus, é preciso saber que ele é amável e pensar nisso. De outro lado, sem o movimento da vontade, sem os afetos do coração a consideração seria apenas um estudo especulativo mais ou menos vão; não seria oração.
As considerações e os afetos da oração, todavia, não se encontram sempre nas mesmas proporções; umas e outras podem ter na oração lugar mais ou menos considerável; às vezes as considerações têm o lugar principal; às vezes dominam os afetos: daí várias espécies de orações comuns.
Em geral, no começo da vida espiritual as considerações terão e deverão ter largo espaço na oração. A alma precisa fortalecer e aclarar a fé; deve ter luzes mais abundantes e mais vivas sobre os mistérios, sobre as virtudes e sobre os deveres de estado; esforçar-se-á por penetrar-se de convicções fortes que possam sustentá-la e dirigi-la constantemente no caminho do bem.
De outro lado, compreende-se que uma alma ainda pouco esclarecida sente menos necessidade de expandir-se em afetos; o conhecimento é de ordinário o princípio e a regra do amor: quanto mais uma alma vê as amabilidades de Deus, tanto mais se inclina a amá-lo.
Mais tarde, ao contrário, à medida que a alma for mais esclarecida pela prática da oração e da virtude, e se sentir penetrada de convicções mais fortes e de impulso, ela dará, não por preguiça nem por capricho, mas porque mais prontamente se ilumina sobre a verdade a ela proposta, menos tempo à meditação ou à consideração, para se entregar mais depressa e mais longamente aos afetos.
As considerações, enfim, diminuirão progressivamente para dar lugar a um simples pensamento, a um simples olhar atento aos mistérios, à verdade proposta.
Ora, sob esse ponto de vista distingue-se: a oração de meditação, a oração afetiva e a oração de simplicidade ou a contemplação ativa.
Oração de meditação é aquela em que dominam as considerações.
“Chamam-na comumente oração mental ou só oração (por abreviação) porque, diz Dom Vital Lehodey, é a partilha dum grande número, e a primeira etapa nos caminhos da prece mental; chamam- na também meditação, oração discursiva, por causa do papel importante que nela têm as considerações, e para indicar que o espírito nela procede, não por um simples instinto, mas pelos preâmbulos do raciocínio”
Oração afetiva é aquela que, sem suprimir as considerações, as simplifica e abrevia para dar mais lugar aos afetos.
A oração de simplicidade, enfim, como diz o nome, reduz ainda o trabalho do espirito: contenta-se com um pensamento, um olhar, contempla logo o que medita. Simplificará do mesmo modo os seus afetos, exprimi-los-á com brevidade, prendendo-se de preferência a atos que correspondem às suas atrações, afeiçoando-se os atos de amor, de confiança, de abandono, de reconhecimento, sem jamais esquecer a humildade.
Tende até a simplificar-se quanto ao seu assunto, voltando-se de preferência ao mistério que a cativa, não podendo afastar o seu olhar, por exemplo, do Calvário ou do tabernáculo.
“A oração de simplicidade, acrescenta Dom Lehodey, que procuramos resumir, passa por graus diversos”
É a segunda fase da oração afetiva, que sempre mais se simplifica até tornar-se um simples olhar amoroso… Essa oração tem de Bossuet o seu nome claro e expressivo. Quando chega à sua maior simplificação, outros a denominam oração de simples intuição, simples abandono em Deus, recolhimento ativo, repouso ativo, quietude ativa, contemplação ativa ou adquirida… Toda a sua essência, em nossa opinião, está nestas duas palavras: olha e ama.
Parece ser esse também o pensamento de Santo Afonso.
“A meditação ordinária, diz ele com o Pe. Segneri produz, após certo tempo, a contemplação chamada adquirida, que de um só olhar conhece as verdades que antes não compreendia senão por longos e laboriosos raciocínios”
E mais acima observa que, antes de conceder às almas o dom da contemplação passiva, Deus as introduz na oração de recolhimento ou no repouso contemplativo; tocada então, seja por uma verdade particular, seja pelo pensamento em Deus, a alma sente-se recolhida profundamente em si mesma e suavemente atraída para Deus. Esse recolhimento, diz ele, é natural: não que se possa alguém elevar por suas próprias forças, mas porque a alma, que o goza, está ainda em estado ativo e lá chega com o auxílio da graça ordinária; enquanto que o recolhimento sobrenatural, primeiro grau da contemplação mística, é o efeito duma graça extraordinária que põe a alma num estado passivo.
Terminemos, enfim, esta exposição já demasiado longa por algumas reflexões sobre a prática da oração ordinária ou sobre o método de oração.
Sendo a oração, como dissemos um entretenimento familiar com Deus, parece que se não deveria falar de método de oração. Os entretenimentos de um filho com seu pai não são negócio de convenção e não se regulamentam por leis fixas. Não têm por lei senão o abandono, a confiança mútua, os voos do coração. Não se pode, pois, ao que parece traçar regras para o nosso entretenimento com Deus.
Há sem dúvida momentos em que a alma fervorosa, sustentada pelas divinas consolações, acha a oração agradável, doce, fácil: ficaria nela horas inteiras, dizendo como São Pedro: É bom estarmos aqui. Bonum est nos bic esse. Mas há também dias difíceis em que a alma, apesar do seu fervor, se acha como que abandonada, em trevas: é a secura, a aridez, a incapacidade; é então como um pobre cego que estende a mão, pedindo que lhe guiem os passos. De resto, também a alma fervorosa necessita de direção para evitar ilusões, para não confundir as consolações sensíveis com o verdadeiro fervor, para lembrar que a oração genuína deve desabrochar na vida pela prática das virtudes.
Os mestres da vida espiritual são unânimes em traçar-nos regras cheias de sabedoria para dirigir-nos na prática da oração. Dizemos de todas: regras cheias de sabedoria, pois que, se diferem em certos pormenores, estão admiravelmente de acordo no fundo.
Não queremos aqui estabelecer comparação entre os diferentes métodos de oração: praticamente para cada um o melhor é aquele que ele mais compreende que condiz mais com seu gosto e que ele emprega com fruto. Parece, entretanto, bem natural que nós sigamos o método de Santo Afonso, que é, com razão, chamado o doutor da oração.
Importante é conhecer bem os elementos necessários da verdadeira oração, e não descuidar nenhum habitualmente. Quanto à maneira de combiná-los entre si, não é isso o ponto capital. Quais são esses elementos? O fim procurado pela oração nô-lo indicará. Pela oração, dissemos, a alma une-se a Deus pelo espírito e pelo coração: devemos encontrar nela sempre a consideração do espírito e os afetos do coração. Ela, porém, não se une a Deus unicamente para gozá-lo presentemente e por alguns instantes; quisera aderir irrevogavelmente a ele; procura, pois, nele a luz, a força e todas as graças de que necessita para se dar sempre mais ao Senhor e para lhe ser fiel pelo cumprimento da sua vontade. Ora, é pela prece que a alma se atrai a abundância das graças divinas, e é pelas resoluções que ela se prende praticamente ao serviço de Deus e à vontade divina. Daí se conclui que a oração completa, seja qual for o método empregado, encerra a consideração, os afetos, as preces, as resoluções.
Nada mais natural do que seguir essa ordem na oração. Para se tratar com um grande personagem é preciso primeiro apresentar-se a ele; e depois de regulado o assunto da entrevista, faz-se a despedida de acordo com as conveniências: assim a oração deve ser precedida da preparação e seguida duma conclusão.
A oração mental, diz Santo Afonso, contém três partes: a preparação, a meditação e a conclusão.
A preparação, ajunta ele, consiste em três atos, que são:
1.° Ato de fé na presença de Deus e adoração;
2.° Ato de humildade e contrição;
3.° Ato de súplica de luzes.
Da conclusão diz o santo doutor:
A conclusão da oração compõe-se de três atos:
1.º Agradece-se a Deus pelas luzes recebidas;
2.º Propõe-se observar as resoluções tomadas;
3.º Pede-se ao Pai celeste, por amor de Jesus e Maria, a graça de lhe ser fiel.
“Não deixeis jamais de, no fim da oração, recomendar a Deus as almas do purgatório e os pecadores. Segundo são João Crisóstomo, nada prova mais o nosso amor a Jesus do que o nosso zelo em orar por nossos irmãos”
“Além disso, São Francisco de Sales aconselha que nunca saiamos da oração sem colher um ramalhete espiritual de flores para lhes saborearmos o odor durante o dia, i. é sem conservarmos um ou dois pensamentos que produziram em nossa alma os mais vivos sentimentos de devoção, para nos inflamarem o resto do dia”
Quanto ao corpo da oração, Santo Afonso quer que se comece pela meditação propriamente dita ou pela consideração. Da consideração passa-se aos afetos.
“Depois de meditardes um ponto, e de vos sentirdes penetrados de um bom sentimento, elevai o vosso coração a Deus, e oferecei-lhe atos fervorosos de humildade, ou de confiança ou de agradecimento; mas repeti sobretudo frequentemente na oração os atos de contrição e amor”
Após os afetos, Santo Afonso fala das preces que devemos fazer na oração e quer nomeada-mente que se peça cada dia o amor de Deus e a santa perseverança. Termina-se, enfim, pelas resoluções sem as quais a oração seria incompleta e ficaria mais ou menos estéril Ele quer que a oração termine por uma dupla resolução: primeiro a resolução geral de santificar-se e de amar a Deus de todo o coração:
“A resolução de santificar-se, diz ele, deve ser frequentemente renovada na oração, na santa comunhão, na visita ao Santíssimo Sacramento, mas, sobretudo de manhã”
Em seguida uma resolução particular bem determinada, que se procurará pôr logo em prática e que será renovada até que produza frutos.
“Terminada a oração, deve-se tomar a resolução especial, seja de corrigir-se de algum defeito a que se está mais sujeito, seja de melhor praticar certa virtude, por exemplo, de suportar o que se tem de sofrer de certa pessoa, de obedecer mais exatamente a tal superior, de mortificar-se em tal coisa.
É preciso renovar mais vezes à mesma resolução, até que a alma se tenha corrigido daquele defeito ou adquirido aquela virtude. Após a oração devem-se pôr em prática as resoluções tomadas, quando se apresentar ocasião. Acrescentemos que, se alguém assumiu com Deus algum compromisso particular, por voto ou outra forma, é bom renová-lo antes de terminar a oração; com isso multiplica-se o mérito e atraem-se novos socorros para perseverar e crescer em graça”
A resolução particular será de imitar Jesus Cristo pela virtude do mês.
Bem. Após a preparação, que deve ser feita com brevidade e grande fervor, a meditação ou a consideração, os afetos, as súplicas e as resoluções. Sempre que Santo Afonso fala da prática da oração mental, — Homo Apostolicus, A religiosa santificada, Prática do amor a Jesus Cristo, etc. — ele enumera esses quatro elementos e na mesma ordem, que é, aliás, a melhor ordem e a mais razoável; sempre também liga mais importância aos afetos do que aos raciocínios e, sobre¬tudo inculca o papel principal da prece.
“Para as pes-soas habituadas à oração, diz ele, é melhor dedicar-se aos afetos do que à consideração”
E ainda: É mister observar que a utilidade da oração mental consiste menos na meditação como tal do que nos afetos, nas preces e nas resoluções que são os três principais frutos da meditação…
“Também os mestres da vida espiritual dizem, falando da oração, que a meditação é como uma agulha acompanhada dum fio de ouro, composto de afetos, preces e resoluções”
E outra vez: O que nos une a Deus na oração não são tanto os bons pensamentos do nosso espírito como os bons movimentos da nossa vontade ou os santos afetos.
“Ora, os afetos produzidos na meditação são os atos de humildade e de confiança, de renúncia e de resignação, e, sobretudo os atos de amor e de contrição”
E quanto às preces, eis as suas palavras, das quais não poderíamos nunca penetrar-nos bastantemente:
“Ademais na oração é extremamente útil e talvez preferível a tudo o mais, fazer frequentes preces, pedindo a Deus com humildade e confiança as suas graças, isto é, as luzes de que necessitamos a resignação, a perseverança, etc., mas, sobretudo o dom de seu santo amor… Numa palavra, toda a vossa oração deve consistir em fazer atos e preces; é precisamente isso que a venerável Sor Maria Crucificada declarou um dia no êxtase, dizendo que a oração é a respiração da alma; com efeito, assim como pela respiração recebemos e expelimos o ar, pelas preces a nossa alma recebe de Deus e, por seus atos de oferecimento e de amor, se dá a Deus”.
Voltaremos mais tarde aos diferentes elementos da oração.
Será preciso manter-se rigorosamente à ordem que acabamos de indicar? Será necessário que todos esses elementos se encontrem absolutamente em cada oração? Não é esse certamente o pensamento de Santo Afonso. Ele é sem dúvida inimigo da presunção que pretendesse sair dos caminhos ordinários da oração; condena a moleza que não quer fazer esforço, e o capricho que não suporta direção; mas reprova igual¬mente o constrangimento que comprime os voos da alma e a fadiga inutilmente. De resto, as suas palavras são formais:
“Quando se faz oração em particular, é bom servir-se sempre dum livro de meditações, ao menos no começo, detendo-. se nas passagens mais tocantes e sem preocupação de ler toda a meditação. São Francisco de Sales diz que nisso devemos imitar as abelhas que sugam uma flor enquanto nela encontram mel, e que voam depois para outra… Santa Teresa seguiu esse método durante dezessete anos; lia primeiro um pouco, depois meditava por algum tempo. É assim que convém fazer, a exemplo da pomba quando bebe: aspirando um pouco de água, levanta os olhos para o céu”
De outro lado, temos o exemplo do santo doutor, que dividiu muitas das suas meditações em dois pontos, dando o primeiro às considerações e o segundo aos afetos e súplicas; e recomendava isso especialmente a seus religiosos. Escreveu- lhes a 26 de fevereiro de 1771:
“Recomendo que para a meditação se sirvam o mais possível dos meus livros: Preparação para a morte, Meditação sobre a Paixão, Setas de fogo no caminho da salvação, e Meditações do Advento até à oitava da Epifania. Digo isso não para exaltar as minhas miseráveis obras, mas porque essas meditações são entremeadas de piedosos afetos e repletas — o que mais importa — de santas súplicas, que quase não se encontram em outros livros. Peço, pois, que se leia sempre na meditação o segundo ponto, que consiste nos afetos e súplicas”.
Mas o santo doutor compôs também meditações divididas em vários pontos dos quais cada um contém considerações, afetos e súplicas; e isso parece-nos mais especialmente prático para as meditações de certa duração.
São Francisco de Sales, citado por Santo Afonso, dizia ainda:
“Sucederá às vezes que, feita a preparação da vossa meditação, a vossa alma sinta doce emoção, que a transporte subitamente a Deus: então, Filotéia, deixai todo outro método que vos dei, porque, embora o exercício do entendimento deva preceder o da vontade, se o Espírito Santo operar em vós, por essas impressões sobre a vontade, os santos afetos que devem ser excitados pelas considerações da meditação, não procurareis mais no vosso espírito o que já tendes no coração. É regra geral que se deve abrir sempre o coração aos afetos que nele nascem, seja antes das considerações, seja depois… A respeito das resoluções, que são as determinações dos afetos, a ordem natural é que não se façam senão depois dos afetos e pelo fim da meditação, porque, tendo-nos de representar vários objetos particulares e familiares, a sua ideia poderia causar ao espírito distrações se não fossem entremeados de afetos”
Esse é o espírito dos santos: espírito de generosidade, mas também espírito de santa liberdade, de abandono a Deus e de docilidade aos impulsos da graça.
A oração assim compreendida foi posta por Santo Afonso ao alcance de todos. E se há tantas almas, mesmo consagradas a Deus, que não fazem seriamente oração, não é que a oração seja demasiado difícil e impraticável para muitos, como às vezes se diz, mas porque se falsifica a ideia da verdadeira oração ou então (coisa mais frequente ainda) não se quer dar o trabalho para isso. Para a alma se unir a Deus e entreter-se com ele, precisa, como diremos mais longa¬mente depois, conservar puro e desapegado o coração, esforçar-se e lutar com mil inimigos interessados em afastá-la de Deus: falta-lhe coragem e força porque não ora e assim renuncia à oração. Ou então falsifica- se a ideia da oração; transforma-se a consideração, — é aqui que se acha o escolho para muitas almas de boa vontade, — em um estudo árido, seco e frequentemente difícil da verdade ou do mistério proposto. Quisera-se achar logo sobre a verdade meditada desenvolvimentos ricos e abundantes que não podem ser o fruto senão de longas pesquisas; perde-se então o tempo em sonhos vagos ou em deplorar a sua incapacidade, e abandona-se a oração. Se a oração, de fato, deve ser necessariamente um exercício improvisado de raciocínio e amplificação, torna-se fatalmente impossível, não só às almas simples e ignorantes, mas mesmo a muitas pessoas cultas. Muitas vezes esses esforços para desenvolver o assunto da meditação são mais funestos do que favoráveis ao recolhimento e à união com Deus.
Mas mesmo para as pessoas mais instruídas a consideração deve ser menos um estudo do que um exercício de fé. Qual é o fim da consideração, senão penetrar fortemente a alma de algum mistério, de alguma verdade sobrenatural, de modo a comover a vontade, a abrasar o coração? A consideração deve aclarar e consolidar a fé e inclinar a alma à prática das virtudes. Ora, para isso os raciocínios não são absoluta¬mente indispensáveis: são menos uteis do que atos enérgicos de fé seguidos de súplicas ardentes para se obter uma fé mais viva, mais esclarecida, mais prática. À alma que acaba de ler um pensamento forte e bem escolhido, é bom reconhecer diante de Deus que não está dele suficientemente penetrada, que infelizmente o esquece com frequência; e dizer: Meu Deus creio essa verdade… mas dela tantas vezes me esqueço… se a não esquecesse, seria mais fiel ao dever, mais atento a comprazer-vos, não cairia em tal ou tal defeito… amar-vos-ia mais… Fazei, pois, que nela pense meu Deus; dai-me uma fé mais viva, mais esclarecida, mais prática, e fazei que conforme a minha vida à minha fé. Repetindo passo a passo esses atos de fé, essas confissões e essas súplicas, a alma se penetrará facilmente da verdade que medita. Os raciocínios da nossa inteligência entregue a si própria só nos podem fornecer luzes naturais, enquanto que os atos enérgicos de fé e as súplicas humildes e confiantes nos encherão de luzes divinas.
Não pretendemos banir da oração os raciocínios; porém ninguém a eles se entregue senão depois de haver implorado o auxílio divino; não insista em procurar um raciocínio que parece escapar não se sacrifique jamais ao raciocínio o exercício da fé; mas ao lado do raciocínio multipliquem-se os atos de fé e as preces. A alma ficará assim mais unida a Deus e a consideração será mais proveitosa.
Ora, parece-nos que a consideração assim concebida e levada ao exercício da fé é fácil a todas as almas de boa vontade. Ouçamos as notáveis palavras de São Francisco de Sales:
“O mundo dirá que eu suponho em quase toda parte que Filotéia tem o dom da oração mental, e que, como poucos a têm, este livro não poderá ser útil a todos. Confesso que o supus, e é certo que nem todos têm o dom da oração. Mas é também verdade que quase todos o podem ter, mesmo os mais rudes, contanto que possuam bons diretores, e que, para adquiri-lo, queiram trabalhar como a coisa merece. E se houver alguém que não possua esse dom nem no ínfimo grau, — o que julgo coisa raríssima, — um sábio diretor o fará facilmente suprir essa falta pela atenção em ler ou ouvir ler as mesmas considerações que há nas meditações”
Conhecemos o zelo de Santo Afonso em vulgarizar a oração, e com que sucesso, sabemos que o Homo Apostolicus manda ao sacerdote zeloso mover à oração, como ele o fazia, as pessoas da mais modesta condição que não sabem ler e são desprovidas de toda instrução; e entre os atos enumerados indica os atos de fé. Julgava, pois, que a oração está ao alcance de todas as almas de boa vontade; e não podia pensar de outro modo aquele que declarou que, se a meditação não é absolutamente necessária à salvação como a prece, é, todavia muito necessária às almas para se manterem na graça de Deus (H. A. Appendix I § 1).
Se alguém opinar que os raciocínios são absolutamente necessários na meditação e se julgar que o que acabamos de expor é um diminutivo da meditação, isso não tem grande importância. Cada um se esforce ao menos por difundir a sua prática, que assim colocará e santificará muitas almas de boa vontade, que talvez não farão verdadeiras meditações em todo o rigor do termo, mas que farão muito bem oração. É dessa forma que, pela bondade divina, muitas almas modestas farão melhor oração do que muitos sábios que se não sabem unir a Deus e que se desvanecem em seus vãos pensamentos.
O exercício da oração é o entretenimento admirável da alma com Deus, no qual Deus se descobre à alma fiel, e, abrasando-a do seu amor, a une a si sempre mais intimamente.
Ora, verdadeiro homem de oração é aquele que não só é exato em dar-se à meditação sempre que lho permitam os seus deveres de estado e a obediência; que, segundo o conselho de Santo Afonso, é avaro de seu tempo para consagrá-lo à oração, e que enfim, no meio de seu trabalho, conservando-se unido a Deus, quanto o permite a fragilidade humana, se volta frequentemente aos pensamentos, aos afetos e às súplicas da sua meditação, para deles impregnar toda a sua vida.
O espírito de oração consiste em pôr em prática, ao mesmo tempo, o espírito de fé, de prece e de amor. Por tudo quanto dissemos, é claro que a oração, que é a perfeição da religião e da piedade, é ao mesmo tempo a santificação e o triunfo da caridade. A alma que ama sinceramente a Deus não pode separar-se dele; corre, voa à oração com o maior ardor, a mais ardente devoção; e a oração toma-se como a fornalha ardente em que ela aviva sem cessar as chamas da caridade.
Sob o impulso da caridade, a oração torna-se o exercício de todas as virtudes. Alterativamente a alma imerge-se nas salutares confusões da humildade, entrega-se aos voos da confiança e do zelo, ou determina-se generosamente a todos os devotamentos, a todos os sacrifícios, a todas as imolações para o beneplácito e a glória de seu Deus. É assim que a oração é como o resumo da vida cristã e religiosa, a sua alma e o seu tudo.
Da Oração Vocal
Os escritos seguintes são de Santo Afonso Maria de Ligório.
A religião, segundo a doutrina de Santo Tomás, ocupa o primeiro lugar entre as virtudes morais, porque ela se ocupa mais com Deus e se aproxima mais dEle que todas as outras virtudes morais. Para cada cristão que tende à perfeição, deve ser de interesse vital adquirir no mais alto grau possível essa virtude. O meio mais fácil para praticá-la, um meio de que podemos usar à hora e ao tempo que quisermos, é-nos oferecido na oração. Quer pratiquemos a oração de louvor, de agradecimento, de impetração ou propiciação, sempre praticamos com isso, de maneira eminente, a virtude da religião, visto que qualquer oração é uma humilde confissão da grandeza e soberania ou da bondade, fidelidade e misericórdia de Deus.
Na oração podemos externar os sentimentos de nosso coração em voz alta ou baixa, ou então restringir-nos à simples aplicação das faculdades internas de nossa alma. Daí a distinção entre oração vocal ou meditação. Falaremos de ambas essas orações.
II. Excelência da Oração Vocal. Seus requisitos
A oração vocal é muito agradável a Deus, porque ela glorifica a infinita majestade de Deus.
“O sacrifício do louvor me honra, diz o Senhor por boca de Davi, e nele está o caminho por onde lhe mostrarei a salvação de Deus” (SI 49, 23)
Santa Madalena de Pazzi ficava cheia de alegria se a campainha a chamava para a oração no coro; deixava então tudo de lado para se entregar a essa santa ocupação e se representava preencher o ofício dos anjos que, sem cessar, anunciam os louvores de Deus.
Para a oração vocal, porém, servir de fato para a glorificação de Deus e para a nossa salvação, deve ser recitada com atenção e devoção.
São Gregório diz (Mor., 1. 22, c. 18) que, para a verdadeira oração, não basta a recitação das palavras, mas é necessária a atenção do coração; pois, aos olhos de Deus, valem muito mais os nossos bons sentimentos do que o som de nossa voz. Por isso, se quisermos agradar a Deus, devemos rezar não só com a boca, mas também com o coração.
“Como poderá o Senhor ouvir as súplicas daquele que não sabe o que está pedindo e nem sequer deseja ser ouvido?” (Ap. S. Thom. 2-2. q. 83, a. 13) pergunta São Gregório. E como podes esperar ser ouvido de Deus, ajunta S. Cipriano, se tu mesmo não te ouves? O Apóstolo diz (1 Cor 14, 4) que não devemos esperar nenhum resultado de uma oração que é feita só com os lábios, sem nenhuma atenção do espírito.
Como a oração, recitada com atenção e devoção, se assemelha a um incenso oloroso, sumamente agradável a Deus, e que nos impetra tesouros de graças, assim, a oração em que falta a atenção e o recolhimento de espírito se assemelha a um vapor fétido, que excita a ira de Deus e atrai sobre nós os seus castigos.
Como não seria grande a indignação de um rei que visse um dos seus súditos, no momento mesmo em que lhe pede um favor, se entregar a toda espécie de distrações, conversando com outros, ocupando-se- de coisas alheias, chegando até a não saber mais o que está dizendo! Por isso Santo Tomás ensina (Suma.Teológica, 2-2, q. 83, a. 13) que não se pode escusar de um pecado aquele que, durante a oração, ainda que não seja de obrigação, deixa seu espírito vaguear, pois quem procede assim parece querer desprezar a seu Deus.
Com toda a razão poderia Nosso Senhor dizer de muitos cristãos o que disse dos judeus:
“Eles me honram rum os lábios, mas seus corações estão longe de mim” (Mt 15, 8)
Enquanto sua boca ora, seu coração está preocupado com os meios de satisfazer sua vaidade, sua gulodice, seus ciúmes, seus vis desejos de dinheiro e de bens terrenos. Recitar com a boca orações e com o espírito vagar por todos os lugares imagináveis, pelas casas e pelas praças públicas, é enganar o próximo, porque com isso é induzido a crer que se está louvando a Deus, ao passo que está zombando dele. Ou não é talvez uma zombaria de Deus falhar-lhe com os lábios, enquanto que o espírito se ocupa com tudo o mais, exceto com a oração que se lhe dirige? Por essa razão diz São Basílio (Const. mon., c. 2):
“Se é verdade que se deve rezar com fervor e atenção, para alcançar o auxílio de Deus, aquele, cujo espírito, durante a oração, se ocupa com outras coisas, excitará Deus à ira em vez de alcançar suas graças”
Depois disso, é fácil de entender por que o demônio tanto se esforça para trazer-nos à memória, durante a oração, toda a cópia de coisas mundanas: de um lado, quer ele privar-nos das vantagens que podemos tirar da oração, e, de outro lado, tornar-nos culpados de pouco respeito para com Deus. Mas justamente por isso devemos nos esforçar seriamente para recitar nossas orações, com a devida atenção. Antes de entrarmos na igreja, devemos despedir todos os pensamentos terrenos, segundo o conselho de São João Crisóstomo (In Is. hom. 2). A isso também nos exorta o Espírito Santo, dizendo:
“Antes da oração prepara a tua alma” (Ecl 18, 23)
Reflete que queres louvar ao Senhor para conseguires misericórdia para ti e para outros. Pondera igualmente que os anjos olham para ti e, como o venerável Hermann José uma vez viu, com turíbulos de ouro nas mãos, estão prontos a oferecer a Deus tuas orações e piedosas aspirações como um agradável incenso (SI 40, 2). Assim também ps anjos que apareceram a São João Evangelista traziam em suas mãos redomas de ouro cheias de perfumes, que eram as orações dos santos (Ap 5, 8).
Em uma palavra, pondera, antes da oração, que vais falar com Deus e tratar com ele sobre teus negócios: então te olhará o Senhor com vistas amorosas e atenderá benignamente às tuas súplicas. Oferece-lhe antes a oração que vais fazer e suplica-lhe que te preserve das distrações, isto é, que te conceda a necessária luz e assistência para o louvares devidamente e orares da maneira conveniente.
Acautela-te para não rezares muito depressa, como alguns o fazem para acabarem quanto antes. Isso é um disparate, pois faz-se questão de rezar, mas para não se empregar um pouco mais de tempo na oração, ofende-se a Deus e priva-se de graças e merecimentos que se poderiam obter se se rezasse da maneira que convém.
Para maior devoção será muito bom se recitares tua oração diante da imagem de Jesus Crucificado ou de sua Santíssima Mãe, e se olhares, de tempos a tempos, para ela. Durante a oração deves cuidar em reavivar, de vez em quando, tua atenção e devoção.
“A diligência diminui pouco a pouco, diz Santo Agostinho, e desaparece por inteiro, se não se toma a peito renová-la muitas vezes” (Epist. 130)
A atenção na oração deve ser interna e externa. A atenção externa requer que se abstenha de qualquer ação incompatível com o recolhimento interno. Por isso, durante a oração vocal, não se deve escrever, conversar, ouvir voluntariamente uma conversa, ou fazer coisas semelhantes, que exigem um esforço maior ou menor do espírito. A atenção interna é tríplice: ela pode se estender às palavras, ou ao sentido das palavras, ou a Deus.
Está-se atento às palavras, quando se empenha em pronunciá-las bem. Atende-se ao sentido quando se procura compreender a significação das palavras, para, ao pronunciá-las, produzirem-se as aspirações correspondentes. Finalmente, dirige-se a Deus a atenção (e este é o melhor modo), quando se ocupa interiormente com Deus durante a oração, adorando-O, agradecendo-Lhe, amando-O e pedindo-Lhe suas graças.
Por mais que te devas esforçar por guardar a devida atenção durante a oração, não precisas te inquietar por causa das distrações involuntárias; enquanto não consentires nelas, não poderão te prejudicar. Nosso Senhor tem compaixão de nossa fraqueza. Muitas vezes nos sobrevêm distrações sem que tenhamos dado o mínimo motivo para isso; essas não podem impedir o resultado de nossas orações. Segundo Santo Tomás, mesmo as almas elevadas à contemplação não podem conservar-se sempre nessas alturas; o peso da miséria humana as abate algumas vezes e as envolve em alguma distração involuntária. Mas também não se pode escusar de pecado, segundo o mesmo Santo, aquele que se detém voluntária e propositadamente, isto é, conscientemente nas distrações, e sua oração não poderá ser meritória. São Cipriano repreendeu muito uma tal desonra de Deus e diz que, aos olhos de Deus, é uma infâmia, quando alguém pensa em outras coisas no mesmo tempo cm que está rezando, como se houvesse para ele coisa mais importante do que falar com Deus e pedir-Lhe suas graças.
“Como a boa vontade torna os nossos pensamentos dignos de adquirir frutos espirituais, diz São Bernardo, uma vontade indolente os torna indignos de Deus e, consequentemente, não merecem ser recompensados com graças, mas sim castigados”
As crônicas de Citeaux nos referem a seguinte visão que teve São Bernardo, quando rezava seu ofício em coro, com seus confrades. Viu ao lado de cada um de seus monges um anjo que escrevia. Desses anjos uns escreviam com ouro, outros com prata, outros com tinta, outros com água, e outros, finalmente, tinham a pena na mão, sem escrever. Ao mesmo tempo deu-lhe Deus a entender o que isso significava: O ouro denotava que rezavam com grande fervor; a prata, que a oração deixava alguma coisa a desejar; a tinta, que pronunciavam bem as palavras, ma.s sem devoção; a água, que pronunciavam mal as palavras e não prestavam atenção ao que diziam com a língua; os anjos que nada escreviam indicavam aqueles que não se importavam de se entregar a distrações voluntárias.
“As palavras pias que a boca pronuncia, diz o Doutor Angélico (2-2, q. 83, a. 12), excitam a devoção no coração”
Justamente por isso o Senhor nos ensinou a rezar vocalmente para que peçamos interiormente o que a boca exprime exteriormente.
A respeito das palavras de Davi: “Eu clamei ao Senhor com minha voz” (SI 141, 2), escreve Santo Agostinho (Enar. in Ps. 141):
“Muitos clamam ao Senhor, mas não com sua voz, isto é, não clamam com a voz interna da alma, mas unicamente com a voz do corpo. Clama com os teus pensamentos, clama com o leu coração, acrescenta o Santo, que então o Senhor te ouvirá seguramente”
III. Das fórmulas mais usuais da oração vocal
É de grande importância que se recitem com devoção especial aquelas orações que se repelem mais vezes, como o Pai Nosso, a Ave Maria, o Glória ao Pai.
Ao recitar o Glória ao Pai, podemos fazer muitos atos de fé, de louvor, de agradecimento, de complacência na felicidade e perfeição de Deus. Santa Maria Madalena de Pazzi fazia a intenção de oferecer sua cabeça ao carrasco em profissão de sua fé, todas as vezes que a inclinava ao recitar essa invocação.
Quanto à Ave Maria, sabemos que foi trazida do céu pelo arcanjo Gabriel e que foi como que a aurora de nossa redenção. Nossa Senhora mesma declarou a Santa Mechtildes que nenhuma outra saudação lhe era tão agradável como essa.
Quem saúda a Maria será também saudado por ela. São Bernardo ouviu uma vez como Maria respondia à sua saudação, dizendo: Ave, Bernardo. A saudação de Maria, segundo São Boaventura, é sempre uma graça especial, com que responde cada vez à nossa saudação. Nossa Senhora mesma prometeu a Santa Gertrudes assisti-la de um modo especial na hora da morte, à medida das vezes que ela recitasse a Ave-Maria.
Mas a oração que devemos rezar com mais devoção é o Pai Nosso, que nos foi ensinado pelo divino Salvador em pessoa.
Somos tão miseráveis e nosso espírito tão limitado, que nem sequer sabemos que graças devemos pedir a Deus para nossa salvação. Conhecendo, porém, Jesus a nossa pobreza e impotência, ditou-nos ele uma súplica ou uma lista do que devemos pedir, e manda-nos dizer o seguinte:
“Pai Nosso que estais no céu”
São João nos faz notar o amor que o Pai celeste nos testemunhou querendo “que fôssemos chamados e o fôssemos na realidade de filhos de Deus” (1 Jo 3, 1). É certamente o efeito de um amor indizível que nós, vermes da terra, sejamos chamados e sejamos em verdade filhos de Deus, ainda que adotivos; e essa imensa graça no-la adquiriu o Filho de Deus fazendo-se homem, como diz São Paulo:
“Recebestes o espírito de adoção de filhos, segundo o qual clamais: Abba, Pai” (Rm 8, 15)
Poderá haver coisa mais ditosa para uma criatura do que ser adotada como filha por seu Criador? Pois isso fez Deus a nosso respeito, e Ele quer que, com confiança filial, lhe digamos:
1. “Santificado seja o vosso nome”
Deus não pode tornar-se mais santo do que já é desde toda a eternidade, visto que sua santidade é infinita. O que desejamos, nessa súplica, é que Deus se digne difundir por toda a parte o conhecimento de seu nome, para que todos os povos O amem, tanto os pagãos, que ainda não O conhecem, como os hereges, que O não conhecem devidamente, e os pecadores, que O conhecem, mas não O arriam.
2. “Venha a nós o vosso reino”
Deus impera sobre a nossa alma, tanto no reino da graça, como no reino da glória. Suplicamos, na segunda petição, que a nós venham ambos esses reinos, isto é, que a graça divina impere sobre nós aqui na terra e nos dirija e governe para que um dia sejamos achados dignos da eterna glória r alcancemos a felicidade fie possuir r pertencer a Deus para todo o sempre.
3. “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”
Toda a perfeição de uma alma consiste no fiel cumprimento da vontade de Deus, como a cumprem os saídos no céu. Por isso Jesus Cristo quer que peçamos a graça de cumprirmos na terra a vontade de Deus como os santos e anjos a cumprem no céu.
4. “O pão nosso de cada dia nos dai hoje’’
Nesta súplica pedimos a Deus os bens temporais que precisamos para a conservação de nossa vida atual. Com as palavras “o pão nosso de cada dia” nos é dito que devemos pedir esses bens com moderação, como Salomão, que pediu só o que lhe era necessário:
“Dai-me só o que preciso para alimentar-me” (Pr 30, 1)
Além disso, deve-se notar que no evangelho de São Mateus, em vez de pão nosso “de cada dia”, se lê “que é sobre toda a substância”, sob o que se entende, segundo o Catecismo Romano, Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento do altar. Pedimos cotidianamente esse pão porque, segundo o conselho do Concílio de Trento, cada cristão deveria receber todos os dias a santa comunhão, ao menos espiritualmente.
5. “Perdoai as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores”
Para comermos dignamente esse pão divino devemos estar isentos de pecados mortais; se formos réus de algum pecado mortal, devemos antes nos purificar no sangue do cordeiro, no sacramento da penitência. Quanto aos pecados veniais, se deve dizer que quem alimenta em seu coração um apego formal a um tal pecado, é, ao menos de certo modo, indigno da sagrada comunhão: em todo caso, não se tem a disposição devida para se aproximar a miúdo da santa mesa (Isso é inteiramente conforme o decreto de Pio X).
6. “E não nos deixeis cair em tentação”
Com isso pedimos a Deus que não permita incorramos em tais ocasiões de pecado em que hajamos de ofendê-lO. Segundo a admoestação do Salvador, devemos vigiar sempre e orar, para que não caíamos em tentação. Cair em tentação e achar-se na ocasião próxima de pecado é uma e a mesma coisa; donde a necessidade de se repetir muitas vezes: Não nos deixeis cair em tentação.
7. “Mas livrai-nos do mal”
Há três espécies de mal, dos quais devemos pedir a Deus que nos livre: os males temporais do corpo, os males espirituais da alma, e os males eternos da outra vida. Quanto aos males temporais desta vida, devemos estar sempre prontos a receber de sua mão, com inteira aquiescência, todos aqueles que Deus enviar à nossa alma para nosso bem, como pobreza, doenças, abandono, etc. Quando, portanto, pedimos a Deus que nos livre dos males temporais, devemos fazê-lo sempre com a condição de que não sejam necessários ou úteis para a nossa salvação. Os verdadeiros males, porém, dos quais devemos pedir incondicionalmente que Deus nos livre, são os males espirituais, os pecados, e, como consequência deles, os males eternos no outro mundo. De resto, devemos nos convencer na verdade inconcussa de que, no atual estado de nossa natureza corrompida, não podemos nos salvar se¬não passando por muitas tribulações (Al 14, 21).
Conclui-se a oração dominical com a palavra “Amém”. Essa palavra contém todas as petições juntas; a repetição dessas súplicas é muito agradável ao Senhor; quanto mais instantemente Lhe suplicarmos as suas graças, tanto mais depressa nos atende. Os grandes deste mundo se irritam quando se veem importunados com súplicas: Deus, porém, acha gosto nisso e ate deseja essa importunação.
IV. Das Orações Jaculatórias
A maneira mais fácil de fazer oração vocal consiste na recitação das chamadas jaculatórias. Esses piedosos desabafos do coração não estão ligados a nenhum lugar e a nenhuma ocasião. Podem ser praticados sempre e por toda a parte, no trabalho, à mesa, no recreio e podem consistir em atos de benevolência, de desejo, de resignação, de oferecimento, de amor, de abnegação própria, de agradecimento, de súplica, de humildade, de confiança e semelhantes. Os santos ligavam grande importância a essas orações jaculatórias, pelas quais nos podemos conservar mais facilmente na presença de Deus, que por longas orações. São João Crisóstomo (Hom. 4, de Anna) diz que quem as recita muitas vezes, fecha a porta ao demônio e impede-o de o atormentar com maus pensamentos.
O que mais agrada a Deus são os atos de amor, de conformidade, de oferecimento próprio e a invocação dos santíssimos nomes de Jesus e Maria.
1. Quem ama pensa sempre no objeto amado. Uma alma, portanto, que ama a Deus, pensa sempre nEle e procura provar-Lhe o seu amor em todo o tempo por meio de fervorosos suspiros e jaculatórias.
Esforça-te, pois em repetir sem cessar a teu divino Salvador, de dia como de noite, em companhia ou só:
Ó meu Deus, só a Vós desejo e nada mais; dou-me todo a Vós; quero tudo o que quereis; disponde de mim como Vos aprouver
Estas únicas palavras já bastam:
Meu Deus, eu Vos amo
Ou então:
Meu Deus e meu tudo
Sem palavras também poderás fazer um ato de amor, elevar teu espírito a Deus ou teus olhos para o céu, lançar um olhar amoroso para o Santíssimo Sacramento ou para o Crucifixo. Esses atos em silêncio são muito recomendáveis, perincipalmente porque nada custam, podem ser exercitados muitas vezes e, às vezes, até com maior fervor do que as outras jaculatórias. De resto, os melhores atos de amor são aqueles que nascem de alguma inspiração do Espírito Santo ou do fundo de nosso coração.
2. A perfeição do amor de Deus está na união da nossa vontade com a vontade de Deus. Por isso nunca devemos querer outra coisa do que aquilo que Deus quer, porquê assim Ele nos contemplará cheio de amor e nos unirá intimamente consigo.
Se nós cumprirmos com a sua vontade, certamente chegaremos àquele estado a que o Senhor nos chamou, à santidade. Procuremos, pois, nos familiarizar com algumas sentenças da Sagrada Escritura que nos excitem a uma união cada vez mais íntima com a vontade de Deus. Digamos, por exemplo, muitas vezes com o Apóstolo:
“Senhor, que quereis que cu faça?” (At 9, 6)
Se nos sucederem graves contrariedades, mortes de parentes, perda de bens, etc., digamos então com o divino Salvador:
“Meu Deus e meu Pai, assim seja, porque vós o quereis” (Mt 11, 26)
Recitemos principalmente aquela oraçãozinha que Nosso Senhor nos ensinou:
“Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”
Nosso Senhor recomendou a Santa Catarina de Gênova que atendesse de um modo especial a essas palavras, todas as vezes que rezasse o Pai Nosso para pedir-Lhe a praça de cumprir perfeitamente com sua santa vontade, como o fazem os santos no céu. Façamos o mesmo e certamente nos tornaremos santos.
3. Também aquelas jaculatórias, pelas quais nos entregamos por inteiro a Nosso Senhor, pertencem às melhores. Cada uma delas é como uma seta que atinge o Coração de Deus. Quão bela não é a expressão de São Bernardo a esse respeito:
“Aprendamos a disparar os nossos corações a Deus”
Se uma alma se entrega sem restrição a Deus, dispara, por assim dizer, seu coração como uma seta ao Coração de Deus, que se considera como que um prisioneiro e uma presa daquela alma. As almas que amam a Deus verdadeiramente se consagram por completo à Ele e renovam continuamente sua entrega com estas ou semelhantes ardentes jaculatórias:
Ó Senhor, sacrifico-me por inteiro a Vós, e como não posso me entregar tão perfeitamente a Vós como devo, apoderai-Vos de mim. Quero pertencer-Vos inteiramente; a Vós compete fazer que eu seja todo Vosso
4. Entre todas as jaculatórias a invocação dos doces nomes de Jesus, Maria e José deve ocupar o primeiro lugar, porque ela contém em si tudo o que devemos amar, desejar e possuir.
a) O nome de Jesus, primeiramente, nos enche de consolação, pois, se invocarmos a Jesus, acharemos alívio em todas as nossas tribulações. Esse nome divino é chamado pelo Espírito Santo “óleo derramado” (Ct 1, 2). E com toda a razão; porque, como o óleo serve para a luz, para a comida e para remédio, assim também, segundo a explicação de São Bernardo, o nome de Jesus é, primeiramente, luz: sendo Ele pregado, brilha, pois nesse nome nos tornamos felizes filhos da verdadeira luz, isto é, da Santa Igreja. O nome de Jesus é então uma comida, que alimenta nossas almas: sendo “meditado no coração, alimenta”; pois este nome fortalece os crentes e fá-los gozar de paz e consolação no meio da miséria e das perseguições deste mundo. Ele é, finalmente, uma medicina para aquele que o invoca: “sendo invocado, alivia e cura”.
“Levantando-se a luz desse nome, diz o mesmo Santo, desaparecem as nuvens e resplandece novamente o céu azul”
Se uma alma se encontra na tristeza e perturbação, basta invocar o nome de Jesus, e imediatamente amaina a tempestade e volta a tranquilidade. Se um infeliz tiver a desgraça de cair num pecado e faltar-lhe a confiança no perdão, invoque esse nome de vida e logo renascerá em seu coração a esperança do perdão.
O nome de Jesus nos protege, além disso, contra todas as ciladas e ataques de nossos inimigos. O Messias é chamado “o forte” pelo profeta Isaías (Is 9, 6), e o Sábio diz:
“O nome do Senhor é uma torre fortíssima” (Pr 18, 10)
Disso devemos aprender que quem se põe debaixo da proteção desse poderoso nome não tem a temer os ataques do inferno. Segundo São Pedro, “não há outro nome debaixo do céu, dado aos homens, pelo qual nos possamos salvar” (At 1, 12), fora do nome de Jesus. Jesus Cristo não nos salvou uma vez somente, mas Ele continua a nos salvar por seus merecimentos, livrando-nos, todas as vezes que O invocarmos, do perigo de pecar, segundo a sua promessa:
“Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, eu o farei” (Jo 14, 11)
Por isso São Paulo nos aconselha que não façamos pouco caso desse grande meio de salvação e nos dá a certeza de que:
“Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo” (Rm 10, 18)
Repito, pois, com São Lourenço Justiniano (Sermo in Circ. Dom.):
“Nas tentações do demônio ou dos homens, que te incitam ao pecado, invoca a Jesus, e sairás vencedor; e se a tentação perseverar, não cesses também de invocar a Jesus, certamente não sucumbirás”
O nome de Jesus inflama em santo amor todos aqueles que com devoção o pronunciam. Jesus ou Salvador é um nome que exprime amor, pois esse nome nos lembra tudo o que Jesus Cristo fez e padeceu para nos salvar, segundo nota São Bernardino de Sena. Sabia isso perfeitamente um devoto escritor que, cheio de amor, exclamava:
“Ó meu Jesus, quanto não Vos custou o tornar-Vos meu Jesus, isto é, meu Salvador”
“Ninguém poderá dizer (com devoção): Senhor Jesus, a não ser no Espírito Santo” (1 Cor 12, 3)
Conforme isso, o Espírito Santo se comunica a todos que com devoção pronunciam o nome de Jesus. Os santos tinham sempre na boca esse nome de salvação e de amor.
Que felicidade para nós se pudermos pronunciar o nome de Jesus na morte! Se, porém, desejamos que na morte paire em nossos lábios o doce nome de Jesus, devemos nos acostumar a pronunciá-lo muitas vezes durante a vida e sempre com amor e confiança.
b) Unamos sempre ao nome de Jesus o belo nome de Maria. Esse nome também vem do céu; e é tão poderoso que o inferno treme diante dele. É ao mesmo tempo um nome dulcíssimo, porque designa aquela soberana rainha que é a Mãe de Deus e nossa Mãe, mãe de misericórdia e mãe do belo amor. Como o respirar é um sinal de vida, diz São Germano, assim também a repetida invocação do nome de Maria é um sinal de que a graça está conosco, ou, ao menos, renascerá brevemente em nós; pois esse poderoso nome possui a força de alcançar, para todos aqueles que o invocam, o auxílio de Deus e a vida da graça. Perincipalmente nos ajuda ele a vencer as tentações contra a santa pureza.
“Feliz daquele que ama o vosso doce nome, ó Maria, diz São Boaventura (Psalt. B. M. V.). Esse nome é sumamente glorioso e portentoso; todos que procuram pronunciá-lo na hora cia morte, nada terão a temer dos ataques do inferno”
c) Finalmente, não nos devemos esquecer de unir aos santos nomes de Jesus e Maria o nome de José, pois nós devemos honrar quanto está nas nossas forças aquele a quem o rei do céu e da terra concedeu a sublime, dignidade de pai nutricio de seu divino Filho e de protetor da virgindade de Maria.
Da Oração Mental
V. Necessidade da Oração Mental para alcançarmos a Salvação
O divino Salvador não precisava buscar um lugar solitário para se entregar à oração, como nota Santo Ambrósio, pois, como sua bendita alma gozava sempre da união de seu Pai celestial, pensava nele em todos os lugares e em todas as circunstâncias e suplicava continuamente por nós. Apesar disso, como narra São Mateus (Mt 14, 23), despedia ele o povo e subia ao monte para rezar na solidão. Fazia isso para nos persuadir da necessidade da oração mental ou meditação. Quem quiser operar seriamente a sua salvação, não deve deixar de forma alguma a oração mental.
1. A alma que não faz oração mental está primariamente privada de luz. Quem conserva os olhos fechados, diz Santo Agostinho, não poderá ver o caminho que conduz à pátria. As verdades eternas são coisas completamente espirituais, não podem ser vistas com os olhos do corpo, mas unicamente com os olhos do espírito, isto é, podem ser apreendidas só pela reflexão e meditação. Aqueles, pois, que não praticam a oração mental, não vêem essas verdades e, consequentemente, não conhecem a importância de sua salvação eterna e os meios a empregar para assegurá-la.
A perdição de muitas almas provém unicamente da falta de reflexão das verdades eternas como do caminho que conduz ao céu.
“Toda a terra está cheia de desolação porque não há ninguém que considere em seu coração’’ (Jer 12, 11)
Ao contrário, nos assegura o Senhor que quem tem as verdades da fé diante dos olhos, principalmente as da morte, do juízo e da feliz ou desgraçada eternidade que nos espera, nunca cometerá um pecado.
“Recorda-te de teus novíssimos, e jamais pecarás” (Ecl 7, 40)
Por isso o divino Salvador nos admoesta que tenhamos sempre nas mãos nossas lâmpadas acesas.
“Estejam cingidos os vossos rins e lâmpadas acesas nas vossas mãos” (Lc 12, 35)
Essas lâmpadas, diz São Boaventura, são as meditações piedosas, pois, na oração mental, o Senhor fala conosco e nos ilumina.
“Vossa palavra é uma luz para meus pés” (SI 118, 105)
São Bernardo compara a meditação com um espelho, e com toda a razão: Quando se tem uma mancha no rosto e se coloca diante de um espelho, vê-se a mancha e tira-se: quando, porém, não se olha para o espelho, fica a mancha no rosto, porque, como não se vê, não se pensa em removê-la. O mesmo se dá com a oração mental: quando se tem um defeito ou se encontra em uma ocasião perigosa e se vai à meditação, como a um espelho, descobre-se imediatamente a falta que se tem, como a ocasião em que se acha e, vendo-as, removem-se.
Santa Teresa escreveu ao Bispo de Osma:
“Ainda que nos pareça que não temos imperfeição alguma, contudo, descobrimos um grande número delas quando Deus nos abre os olhos da alma como costuma fazê-lo na meditação” (Carta 8)
Quem não medita, diz São Bernardo, dificilmente descobrirá suas faltas e, por conseguinte, não terá aversão a elas. Um tal não conhece igualmente os perigos a que está exposto a respeito de sua salvação e, por isso, não pensa também em precaver-se contra os mesmos. Mas aquele que se dá à meditação conhecerá logo suas faltas e os perigos a que está exposto e, por esse conhecimento, será levado à aplicação dos meios necessários. Pela meditação se excitava Davi ao exercício da virtude e à emenda da vida.
“Pensei nos dias antigos e tive na mente os anos eternos e meditei de noite no meu coração e me exercitava e purificava o meu espírito” (SI 76, 67)
Nos Cânticos assim se exprime o divino Esposo:
“As flores apareceram na nossa terra; o tempo da poda já chegou; ouviu-se na nossa terra a voz da rola” (Ct 2, 12)
Quando a alma, qual pomba solitária, se afasta do tumulto do mundo para falar com Deus na oração, então aparecem as flores, isto é, os bons desejos e é o tempo da poda, quer dizer, tempo de se purificar das faltas descobertas na oração.
“Pondera que o tempo de podar já chegou, diz São Bernardo (De Consid., 1. 1, c. 7), quando bater a hora da meditação, pois ela ordena as nossas inclinações, dá a justa direção às nossas ações e nos corrige de nossas faltas”.
2. Sem oração mental não temos, em segundo lugar, a força necessária para resistir aos ataques de nossos inimigos e para praticar as virtudes cristãs. A meditação produz em nossas almas o mesmo efeito que o fogo sobre o ferro: estando o ferro frio, é duro, e não se deixa trabalhar; sendo posto ao fogo, torna-se mole e se sujeita à vontade do ferreiro; por isso é ele incandescido antes de ser trabalhado. “Só o ferro incandescido é que o ferreiro procura manejar com repetidas pancadas”, diz o venerável Bartolomeu dos Mártires.
Para guardar os mandamentos e conselhos de Deus deve-se ter um coração mole, isto é, dócil, que facilmente receba as impressões das inspirações divinas e imediatamente se dirija conforme elas; Salomão pedia ao Senhor tal corarão, dizendo:
“Senhor, dai ao vosso servo um coração dócil” (3 Rs 3, 9)
Em consequência do pecado, nosso coração atualmente é duro e indócil por natureza: inteiramente inclinado ao gozos sensuais, resiste à lei do espírito, por cuja causa lamentava o Apóstolo:
“Vejo outra lei em meus membros, que resiste à lei de meu espírito” (Rm 7, 23)
Contudo, sob a influência da graça que recebemos na meditação, tornamo-nos moles e dóceis: na consideração da bondade, do grande amor que Deus nos demonstrou e dos imensos benefícios com que nos cumulou, sentimo-nos inflamados, comovidos, e, por isso, também mais prontos para obedecer à voz do Senhor. Pelo contrário, o coração, sem oração mental, permanece duro, rebelde e desobediente, e perde-se miseravelmente:
“O coração duro será oprimido de males, no fim da vida, e o que: ama o perigo, perecerá nele” (Ecl 3, 27)
Por esse motivo exortava São Bernardo ao Papa Eugênio II a que nunca deixasse a oração mental por causa dos trabalhos externos:
“Eu temo, meu Eugênio, que deixes a oração e a meditação por causa dos muitos trabalhos e que, assim, teu coração se endureça, porque então não terá mais horror de si mesmo e se tornará insensível” (De Consid., 1. 1, c. 2)
Muitos consideram como perdido e inútil o tempo considerável que as almas devotas empregam na oração mental, visto que, segundo eles, esse tempo poderia ser muito melhor empregado na prática de boas obras. Não pensam, porém, que a alma adquire na meditação a força para vencer seus inimigos e para praticar a virtude, conforme a sentença de São Bernardo:
“Desse ócio provém a força”
Justamente por isso proíbe o Senhor despertar a sua esposa do sono: “Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém… que não desperteis nem façais levantar-se minha amada até que ela o queira” (Ct 3, 5); pois o sono ou o descanso que a alma goza na meditação é de suma necessidade para a vida espiritual. Quem não pode dormir também não tem força para trabalhar, nem para andar, e desfalece necessariamente no caminho. Do mesmo modo uma alma que deixa de descansar, isto é, de renovar suas forças na oração mental, torna-se incapaz de praticar o bem e de resistir às tentações; ela cai de uma falta em outra.
3. Em terceiro lugar, sem a meditação não praticamos como devemos a oração de petição, que é indispensável para a salvação eterna. Se negligenciamos a suplicação, Deus não nos assiste mais; sem a assistência de Deus, porém, não podemos guardar seus mandamentos. Por isso São Paulo exorta os fiéis a rezar sem interrupção:
“Orai sem interrupção” (1 Ts 5, 17 )
Nós todos somos uns pobres mendigos, como dizia de si mesmo Davi:
“Eu sou mendigo e pobre” (SI 39, 18)
O único recurso dos pobres consiste em pedir esmolas aos ricos.
Do mesmo modo devemos nós empregar esse meio na nossa pobreza espiritual e procurar alcançar de Deus, pela oração, as graças que precisamos. São João Crisóstomo diz:
“Sem oração é simplesmente impossível viver virtuosamente” (De orat. Dom., 1. 1)
Donde provém a grande depravação, dos costumes que se vê por toda a parte, pergunta o sábio Bispo Abelly, a não ser do abandono da meditação? Quando não se medita e se vive continuamente nas distrações que consigo trazem os negócios seculares, não se conhecem as próprias necessidades espirituais nem os perigos que ameaçam a alma, nem os meios que se devem empregar para vencer as tentações, nem mesmo a necessidade de rezar que pesa sobre cada homem.
Em consequência dessa cegueira deixa-se a oração de petição e assim se perde infalivelmente. O célebre Bispo Palafox diz, nas suas anotações às cartas de Santa Teresa:
“Como poderemos perseverar no amor de Deus, se Deus mesmo não nos der a perseverança? Como, porém, nos concederá o Senhor a perseverança se não lha pedirmos? Como lha pediremos, se não praticarmos a oração mental? Sem a oração mental não temos nenhum comércio com Deus e não podemos nos conservar na virtude” (Carta 8)
O Cardeal Belarmino exprime o mesmo pensamento, dizendo que é moralmente impossível viver isento de pecado se não se pratica a oração mental.
Talvez aqui objete alguém: De minha parte eu não faço meditação, mas também não deixo a oração vocal. A isso se deve responder com Santo Agostinho que, para alcançar as graças de que se precisa, não basta rezar só com a boca, mas deve-se rezar também com o coração. As orações vocais muitas vezes são feitas cora muitas distrações e só com a voz do corpo e não com a do coração, principalmente quando são mui compridas e recitadas por aqueles que não sabem meditar; por isso Deus apenas as ouve e raramente as atende.
Muitos rezam o terço, ou o ofício da Santíssima Virgem ou outras devoções externas e, contudo, vivem em pecado mortal. Dedicando-se, porém, à meditação, é impossível perseverar no pecado. Um grande servo de Deus dizia:
“Oração e pecado não podem estar juntos”
A experiência ensina que aqueles que se consagram à meditação não caem na desgraça de Deus; e se, por infelicidade, lhes acontecer isso, se não abandonarem a oração mental, entrarão brevemente em si e se converterão a Deus.
“Por mais imperfeita que seja uma alma, diz Santa Teresa, se perseverar na oração mental, o Senhor a conduzirá finalmente ao porto da salvação” (Vida, c. 8)
VI. Da importância da Oração Mental para alcançarmos a Perfeição
Todos os santos atingiram a perfeição pela oração mental. Essa oração é aquela feliz fornalha na qual as almas se abrasam no amor divino. “Na minha meditação se acendeu o fogo” (SI 38, 4) , diz o salmista. Conforme São Vicente de Paulo, seria um milagre um pecador ouvir as práticas de uma missão sem se converter; e, afinal, quem prega ou dirige os exercícios é um simples homem, ao passo que quem fala à alma, na meditação, é Deus mesmo. “Conduzi-lo-ei à solidão e falarei ao seu coração”, diz o Senhor pelo profeta (Os 2, 14). A alma que não se consagra à oração mental, diz Santa Catarina de Bolonha, não está unida intimamente com Deus; achando-a o demônio assim desamparada, é-lhe muito fácil subjugá-la. Como se poderá achar o amor de Deus em uma alma que mostra pouco gosto em se entreter com Deus? Ajunta ela. Com razão dizia São Luís Gonzaga que quem não medita muito nunca chegará a um alto grau de virtude.
São Lourenço Justiniano escreve: A oração mental dissipa a atenção, afugenta a tristeza, restabelece a virtude lesada, faz reviver o zelo arrefecido e aumenta a chama do amor divino. Uma alma que ama a oração, diz o real Profeta, e como uma árvore plantada junto às correntes das águas: frutifica a seu tempo e todas as suas ações são meritórias diante, de Deus.
“Bem-aventurado o homem. cuja vontade está posta na lei do Senhor e que medita na sua lei dia e noite. Será como a árvore que está plantada junto às correntes das águas, e que a seu tempo dará o fruto e cujas folhas não cairão e todas as coisas que fizer serão prósperas” (SI 1, 2-3)
Notemos as palavras: que dá a seu tempo o fruto, isto é, no tempo em que tiver de suportar dores, injúrias e outros desgostos.
São João Crisóstomo compara a oração mental com uma fonte que nasce no meio de um jardim. Que viço não ostentam as flores e plantas de um jardim regadas continuamente por uma água refrigerante. Coisa semelhante se dá com uma alma que se dedica à meditação: vê-se que ela continuamente aumenta em santos desejos e em frutos de virtude. Donde lhe provêm esses frutos? Da oração mental, que rega seu coração com as águas salutares e fertilizantes nara torná-la um jardim de delícias. Estancai, porém, essa fonte, que as flores cairão, as plantas secar-se-ão, e tudo murchará!
Enquanto alguém praticar a meditação, será um modelo de modéstia, de humildade, de piedade e de mortificação. Deixando, porém, a oração mental, notar-se-á imediatamente imodéstia em seus olhares e suscetibilidade a cada palavra ofensiva que se lhe disser; tornar-se-á negligente na recepção dos Santíssimos Sacramentos, irá só raras vezes à igreja e não pensará mais em mortificação; mostrará, pelo contrário, grande inclinação às vaidades mundanas c conversações, aos passatempos e divertimentos. E por quê? A água não corre mais sobre ele: falta-lhe a vida. A ele se referem as palavras do salmista:
“Como uma terra sem água, minha alma tem sede de vós… meu espírito enlanguesce” (SI 142, 67)
Abandonou a oração mental, o jardim secou e o mal tornar-se-á maior de dia a dia.
“A meditação é a raiz da videira frutífera”, diz São João Crisóstomo .(De orat. Dom., 1. 1). Segundo São João Clímaco, “a oração mental é um baluarte contra o ímpeto das tribulações, uma fonte de virtudes e um canal de graças” (Scala par., gr. 28). Rufino atesta que “todo o progresso vem da oração mental” (In ps. 3G). O sábio Gerson chega até a afirmar que quem não medita, sem milagre não pode viver cristãmente.
Segundo Santo Inácio de Loyola, a oração mental é o caminho mais curto para a perfeição. Em uma palavra: quanto mais se adianta na oração mental, tanto mais se progride também na perfeição. Durante a meditação a alma enche-se de santos pensamentos, afetos, desejos, propósitos e amor de Deus; aí sacrifica ela ao Senhor suas paixões, suas inclinações, seu apego ao mundo e a tudo o que lisonjeia o amor-próprio.
Na meditação podemos auxiliar também muitos pecadores na sua salvação, pedindo por eles, seguindo o exemplo de uma Santa Teresa, de uma Santa Maria Madalena de Pazzi e de todas as almas verdadeiramente santas. Quem ama a Deus de coração nunca deixará de recomendar ao Senhor, na meditação, os infiéis, os cismáticos e os pobres pecadores, suplicando-lhe que lhes envie sacerdotes cheios de zelo, que os convertam.
VII. Dos diversos fins da Oração Mental
Para dedicarmo-nos como convém à oração mental e dela tirarmos os maiores proveitos possíveis para nossa alma, devemos ter sempre diante dos olhos aqueles fins pelos quais nos devemos entregar à oração.
1. Em primeiro lugar, devemos praticar a oração mental para nos unirmos mais estreitamente com Deus. O que, porém, nos une com Deus não são tanto os belos pensamentos que nosso entendimento excogita, como os bons sentimentos e santos afetos de nossa vontade. Por isso, durante a meditação, devem-se fazer muitos atos de humildade, de confiança, de abnegação, de conformidade e, mui especialmente, de amor e contrição. Os atos de amor, diz Santa Teresa, alimentam o fogo do amor divino em nossos corações.
A perfeição deste amor, porém, consiste na conformidade de nossa vontade com a vontade de Deus, pois, segundo Dionísio Areopagita, o efeito principal do amor consiste em uma íntima união dos que se amam mutuamente, de tal forma que constituam um só coração e uma só vontade. Por isso diz Santa Teresa (Cast. da alma, 2, 1):
“Na meditação devemos cuidar unicamente em conformar nossa vontade com a vontade de Deus; e devemos estar firmemente persuadidos de que nisso consiste a mais alta perfeição”
Muitos se queixam que não encontram a Deus na meditação; isso, porém, provém de se darem a ela com um coração cheio de afetos terrenos. “Desprende teu coração de tudo o mais e busca a Deus, que o encontrarás certamente”, diz Santa Teresa. O profeta Jeremias exprime o mesmo pensamento com as palavras seguintes:
“Bom é o Senhor para aqueles que nele esperam; bom para a alma que o procura” (Lm 3, 25)
Portanto, para que uma alma ache a Deus na meditação, deve procurar unicamente a Ele, mortificar em si todas as propensões terrenas; em tal caso Deus lhe falará.
“Eu a atrairei docemente a mim e a conduzirei à solidão e lhe falarei ao coração” (Os 2, 14)
Oh! Com quanto gosto não se comunica Deus durante a meditação a uma alma verdadeiramente desprendida de si mesma! Quão claramente não lhe mostra então seu amor para com ela.
“Então essa alma se inflamará em amor, diz São Lourenço Justiniano; ela não fala, mas quanta coisa não diz o seu silêncio! O silêncio de seu amor diz mais a seu Deus e Senhor que toda a eloquência humana poderia exprimir: cada suspiro lhe descobre todo o seu interior. Nesses momentos venturosos não cessa de exclamar: Meu amado é meu e eu sou dele”
2. Em segundo lugar, devemos praticar a oração mental para obtermos de Deus as graças de que precisamos no caminho do céu, principalmente aquelas que nos auxiliam a evitar os pecados e empregar os meios para alcançar a perfeição.
O fruto mais excelente da meditação é o exercício da oração de impetração. Como já se disse acima, Deus regularmente concede suas graças só àqueles que lhas pede. Para se obterem certas graças maiores não basta um pedido único: deve-se perseverar na oração e, de certo modo, obrigar a Deus, pela importunação das suplicações, a conceder as graças. Deus, é verdade, está disposto a toda a hora a nos atender; mas, vendo-nos muito recolhidos durante a meditação, se mostra muito mais liberal na distribuição de suas dádivas.
De modo particular nos devemos empenhar na meditação em pedir a Deus a perseverança e o seu santo amor. A perseverança até ao fim não é uma graça única, mas uma série de orações de nossa parte; se paramos de rezar, Deus também cessa de nos auxiliar e nós nos perdemos. Quem não praticar, porém, a oração mental, também não praticará a oração de petição ou impetração da maneira devida e, consequentemente, só com grande dificuldade persevera na graça de Deus até ao fim.
Além disso, devemos pedir a Deus constantemente o seu amor. São Francisco de Sales diz que todas as virtudes estão unicamente no amor de Deus.
“Com ele me vieram juntamente todos os bens” (Sb 7, 11)
Rezemos sem interrupção, para alcançarmos de Deus a perseverança e o seu santo amor; e, para que o façamos com maior confiança, recordemo-nos da promessa que nos fez Jesus Cristo, quando disse:
“Em verdade, eu vos digo, se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, ele vo-la dará” (Jo 16, 23).
Eu o repito: Rezemos sem interrupção, se quisermos que Deus nos cumule de graças. Rezemos por nós mesmos e, se temos zelo pela glória de Deus, rezemos também pelos outros. Agradamos muito a Nosso Senhor rezando pelos infiéis, hereges e pobres pecadores. Digamos-Lhe, por isso, muitas vezes:
“Fazei Senhor, que os povos vos glorifiquem, e que vos glorifiquem todas as nações” (SI 66, 4)
Lemos, na vida de Santa Teresa e de Santa Madalena de Pazzi, que Deus lhes recomendou instantemente que rezassem pelos pecadores. À oração pelos pecadores devemos unir também a oração pelas almas do purgatório.
3. Em terceiro lugar, devemos praticar a oração mental para inteirarmo-nos do que Deus deseja de nós e não para experimentarmos consolações espirituais. Com o piedoso Samuel devemos dizer:
“Falai, Senhor, que o vosso servo vos escuta” (1 Rs 3, 9)
Fazei-me conhecer o que quereis de mim: eu quero executá-lo alegremente.
Alguns praticam a oração mental enquanto nela encontram consolações espirituais; se estas cessam, abandonam também o exercício da meditação. Deus concede comumente especiais consolações na oração mental às suas queridas almas e concede àqueles de quem é amado um antegosto das alegrias que lhes preparou no céu. Os amantes do mundo, em verdade, nada entendem disso, porque jamais gozaram de outras alegrias senão das sensuais, desprezando as espirituais. Mas se eles uma única vez as provassem, certamente renunciariam a todos os gozos animais.
A oração mental não é mais que um entretenimento da alma com Deus; a alma lhe apresenta seus sentimentos, seus desejos, seus temores e seus pedidos, e Deus lhe responde dando-lhe a conhecer sua bondade e amor e mostrando-lhe o que deve fazer para lhe ser agradável.
Mas não se gozam sempre tais satisfações na oração; as almas piedosas sofrem, pelo contrário, muita secura durante ela. Santa Teresa escreve:
“Deus prova seus amigos por meio da secura e tentações”
E acrescenta:
“Se uma alma tivesse de passar a vida inteira na secura, por causa disso não deveria deixar a oração mental; virá um tempo em que sua fidelidade será ricamente recompensada” (Vida, c. II)
Justamente durante a secura se acumulam mais merecimentos.
VIII. Dos assuntos principais de meditação. Lugar e tempo da mesma
I. Quanto ao assunto da meditação, note-se principalmente o seguinte:
1. O Espírito Santo diz:
“Recorda-te de teus novíssimos e tu não pecarás” (Ecl 7, 40)
Quem reflete muitas vezes sobre os novíssimos, isto é, sobre a morte, o juízo, o inferno e o céu, será preservado da queda no pecado. Mas quem deixa de meditar sobre essas verdades perdê-Ia-á finalmente por completo de vista e se precipitará na perdição. Quando os prazeres sensuais atraem, os que não pensam em seus novíssimos deixam-se facilmente arrastar para as satisfações proibidas. Justamente nisso está a razão por que tantos infelizes se entregam aos vícios e se perdem. Todos os cristãos o sabem e crêem que deverão morrer e ser julgados, mas porque não refletem suficientemente nisso, vivem afastados de Deus.
2. Devemos então meditar muitas vezes e seriamente sobre a obrigação que temos de amar a Deus. Para esse fim devemos meditar amiúdo sobre suas infinitas perfeições, os benefícios que dEle recebemos e o grande amor que nos mostrou; diversamente, ser-nos-á difícil desprendermo-nos das criaturas e consagrarmos-Lhe por inteiro o nosso coração. Durante a oração mental nos faz Deus conhecer o nada das coisas terrenas e o valor das celestes e inflama nossos corações com seu santo amor, se não resistirmos a seus amorosos convites.
3. De resto, a regra é que tomemos por objeto de nossa meditação de preferência aquelas verdades e mistérios que nos causam maior impressão e oferecem mais alimento à nossa alma. Para os que tendem à perfeição é a paixão de Cristo o assunto mais próprio para sua meditação. Segundo São Francisco de Sales, todos os cristãos devem meditar ordinariamente só sobre esse mistério. Que belo livro não é a paixão de Jesus Cristo! Em que livro se conhece melhor a malícia do pecado e a misericórdia e o amor de Deus para com os homens? O divino Salvador quis certamente padecer diferentes tormentos, como a flagelação, a coroação de espinhos, o levantamento da cruz, também para que tivéssemos nesses diversos mistérios dolorosos outros tantos objetos de meditação, dos quais pudéssemos tirar motivos de gratidão e amor.
II. Pode-se praticar a oração mental em qualquer lugar, em casa ou fora dela, mesmo quando se anda ou se trabalha.
Muitos que não têm tempo para outros exercícios de devoção, elevam sua mente a Deus e dão-se à oração mental, sem com isso interromper seu trabalho. Quem busca a Deus encontra-o por toda a parte e em todo o tempo.
A condição essencial para entreter-se com Deus é a solidão de coração. Para se ter essa solidão não é necessário viver em um deserto; basta que se esteja livre de pensamentos e inclinações terrenas. Mesmo nas ruas, em praças públicas, e na azáfama de negócios pode-se guardar a solidão de coração, caso se esteja livre de apegos terrenos.
Se nos for, porém, possível retirarmo-nos para um lugar solitário, a fim de nos entregarmos à oração, devemos então fazê-lo.
“Quando orares, entra em teu quarto, diz o divino Salvador, fecha a porta e ora escondido a teu Pai” (Mt 6, 6)
São Bernardo diz:
“Sossego e afastamento de todo o barulho do mundo obrigam, de certo modo, a alma a pensar nos bens do céu” (Ep. 78)
Contudo, o lugar mais próprio para a meditação é a igreja. Jesus Cristo certamente atenderá com especial benevolência àquela oração que for feita diante do Santíssimo Sacramento, e comunicará em maior abundância suas luzes e graças àqueles que ai O visitem.
III. A meditação, como pode ser feita em qualquer lugar, assim também poderá ser feita a qualquer hora.
Mas, segundo São Boaventura, as horas mais próprias são as da manhã e da tarde. São Gregório de Nissa afirma que a manhã é o tempo mais próprio para isso, porque, “se a meditação preceder as ocupações cotidianas, o pecado não encontrará entrada no coração” (De orat. Dom. s. 1). O venerável Pe. Carlos Carafa nota que um só ato de amor na meditação da manhã basta para conservar a alma o dia inteiro no fervor.
Mas também de tarde não se deve deixar a meditação. São Jerônimo diz:
“Não se entregue o corpo ao descanso antes de se ter fortificado a alma com seu alimento, isto é, com a meditação” (Ad Eust., ep. 22)
Afinal, como já foi dito, pode-se meditar a qualquer hora e em todos os lugares; basta elevar o espírito para Deus e excitar atos piedosos, pois nisso está propriamente a essência da oração mental.
IX. Método paru fazer Meditação
Na meditação se distinguem três partes: a preparação, a meditação propriamente dita e a conclusão.
I. Preparação
Antes de tudo procura dispor-te de espírito e de corpo para a meditação. Dispõe à porta do lugar em que queres te entreter com Deus todos os pensamentos vãos, e dize, com São Bernardo:
“Esperai aqui, pensamentos; depois da meditação podemos nos entreter novamente”
Procura prender tua atenção em Deus e impedir que teu espírito vagueie à vontade.
A posição mais conveniente durante a meditação é ficar de joelhos; se ela, porém, nos custar muito e nos ocasionar assim muitas distrações, podemos ficar assentados modestamente durante a nossa meditação.
Na preparação devemos fazer tais atos:
a) um ato de fé na presença de Deus, juntamente com um ato de adoração à sua infinita Majestade;
b) um ato de humildade e arrependimento;
c) um ato de petição, implorando a luz divina.
Podem-se fazer esses atos da seguinte maneira:
1. Ato de fé e adoração
Ó meu Deus, eu creio firmemente que estais aqui presente; eu Vos adoro do fundo de meu coração.
Neste ato a nossa fé deve ser muito viva, pois a recordação da presença de Deus é um meio muito eficaz contra as distrações. O Cardeal Caracciolo, Bispo de Aversa, dizia que as distrações na oração demonstram que não se reavivou a fé como se devia, no começo da oração.
2. Ato de humildade e arrependimento
Senhor, por meus pecados devia estar a arder agora no inferno; arrependo-me de todo o coração de Vos haver ofendido; tende compaixão de mim.
3. Ato de petição da luz divina
Ó Pai Eterno, por amor de Jesus e Maria, iluminai-me durante esta meditação para que tire fruto dela.
Finalmente, devemos nos recomendar à Santíssima Virgem Maria com uma Ave-Maria, a São José, ao Anjo da guarda e ao Santo Padroeiro.
Estes atos, diz São Francisco de Sales, devem ser feitos com grande fervor, mas sem se deter muito tempo neles, para que se possa passar logo para a meditação propriamente dita.
II. Meditação
Quando se faz a sós a meditação, é bom, ao menos no princípio, servir-se de um livro e demorar-se mais naqueles passos que causarem mais impressão. São Francisco de Sales diz que aqui se deve imitar as abelhas, que se detêm em uma flor enquanto nela acham mel, voando em seguida para uma outra. Santa Teresa seguiu esse método durante dezessete anos: primeiramente lia um pouco e depois refletia sobre o que havia lido. Deve-se fazer como a pomba quando bebe: tendo tomado um pouco d’água, eleva sua cabeça e olhos para o céu.
Contudo, devemos notar que o proveito da oração mental consiste mais nos afetos, petições e propósitos, que na consideração; esses são os principais frutos dessas piedosas considerações.
“O proveito para nossa alma, diz Santa Teresa, não consiste em que pensemos muitas vezes em Deus, mas que O amemos muito; chegamos, porém, a esse amor tomando firmes resoluções de fazer muito por Ele” (Fundac., c. 5)
Por isso os mestres da vida espiritual comparam a meditação com uma agulha que deve trazer consigo um fio de ouro de afetos, propósitos e petições, como agora vamos explicar.
1. Afetos: Tendo feito tua consideração sobre algum ponto e sentindo-te estimulado por algum bom pensamento, eleva teu coração a Deus e produz fervorosos atos de humildade, de confiança e
de agradecimento, mas principalmente muitos atos de arrependimento e de amor, pois estes formam aquela corrente de ouro que liga a alma a Deus. Um único ato de amor perfeito basta para nos alcançar a remissão de todos os nossos pecados.
“A caridade cobre a multidão dos pecados” (1 Pd 4, 8)
O Senhor declarou que não pode odiar aqueles que O amam:
“Eu amo os que me amam” (Pr 8, 17)
A venerável Irmã Maria da Cruz viu uma vez um globo de fogo que consumia imediatamente todas as palhazinhas que o atingiam. Por essa visão foi-lhe dado a entender que são perdoados todos os pecados daqueles que faz verdadeiro ato de amor. Além disso, Santo Tomás (I. II. q. 114, a. 7) nos ensina que cada ato de amor corresponde a um novo grau de glória. Tais atos podem-se fazer da seguinte forma:
Meu Deus, eu Vos amo de todo o meu coração, Vos estimo mais que todas as coisas.
Alegro-me porque sois infinitamente feliz.
Desejaria ver-Vos amado de todos os homens.
Fazei-me conhecer o que desejais de mim: estou pronto a fazer tudo.
Disponde de mim e de tudo o que é meu como Vos aprouver.
Este último ato de entrega de si mesmo a Deus é-Ihe sumamente agradável. Santa Teresa repetia-o cotidianamente ao menos cinquenta vezes.
O ato de amor mais perfeito que se pode fazer na meditação consiste em se alegrar da infinita felicidade de Deus. Justamente esses atos constituem a ocupação incessante dos bem-aventurados no céu: pois eles se alegram mais da felicidade de Deus que da sua própria, porque O amam incomparavelmente mais que a si mesmos. Por conseguinte, aquele que faz repelidos atos de alegria da felicidade de Deus, começa a praticar na terra o que ele espera poder fazer por toda a eternidade no céu.
2. Petições: Depois disso é muito útil, talvez até mais importante que todo o resto, fazer muitos pedidos durante a meditação e suplicar a Deus com humildade e confiança suas graças, a saber, as luzes necessárias, a conformidade com sua santíssima vontade, a perseverança no bem, etc., e, mui particularmente seu santo amor. São Francisco cie Sales diz que com o amor de Deus recebem-se todas as outras graças. E, de fato, uma alma que ama verdadeiramente a Deus de todo o seu coração evitará, por isso mesmo, cuidadosamente, sem que se lho recomende, tudo o que pode causar o mínimo desgosto a Deus e se esforçará o mais possível para ser-lhe agradável.
Se estiveres sofrendo de uma tal secura e trevas de espírito que te sintas incapaz de fazer tais atos, basta que digas:
Meu Jesus, misericórdia. Meu Redentor, tende compaixão de mim e assisti-me.
Uma meditação feita em tais condições talvez te seja mais proveitosa que outras.
O Pe. Paulo Segneri, antes de estudar teologia, se ocupava na meditação especialmente com a reflexão e afetos:
‘‘Finalmente abriu-me Deus os olhos, diz ele mesmo, e desde então apliquei-me a fazer pedidos a Deus, e se existe algum bem em mim, devo-o a esse costume de suplicar a Deus”
Imita esse exemplo, alma cristã, pede em nome de Jesus Cristo todas as graças que desejas e serás atendida, porque nosso divino Salvador não pode ser infiel à sua promessa:
“Em verdade, em verdade eu vos digo, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará” (Jo 16, 23)
Portanto, toda a meditação consiste essencialmente em afetos piedosos e súplicas. Com toda a razão a venerável Irmã Maria da Cruz denominava-as a respiração da alma, pois, como ao respirar ora se sorve ora se expele o ar, assim também na meditação a alma, de um lado, pela petição, atrai sobre si a graça de Deus e, de outro lado, se dá a si mesma a Deus pelos atos de oferecimento e amor.
3. Propósitos: No fim da meditação propriamente dita, devemos fazer o propósito particular de evitar uma falta em que se costuma cair, de praticar uma virtude com maior diligência, por exemplo, de suportar com paciência o que se tiver de sofrer dos outros, de obedecer mais pontualmente do que até ao presente a um superior, de se mortificar em tal ou qual coisa. Mas, depois da meditação, deve-se tomar cuidado de pôr em prática os propósitos feitos logo que se apresentar a primeira ocasião.
III. Conclusão
A meditação toda encerra-se com os seguintes atos:
Primeiramente, se agradece a Deus pelas luzes recebidas; segundo, propõe-se executar os propósitos feitos; terceiro, pede-se ao Eterno Pai, pelo amor de Jesus e Maria, que faça que se lhe permaneça fiel.
Não se deve igualmente deixar de encomendar a Deus, no fim da meditação, as almas do purgatório e os pecadores.
“Nada prova melhor o nosso amor a Jesus Cristo, diz São João Crisóstomo (Cont. Anom. h. 6), do que o zelo em rezar por nossos irmãos”
Finalmente, São Francisco de Sales nos aconselha que guardemos sempre de nossa meditação um ramalhete espiritual, com cujo aroma podemos nos deleitar durante o dia, isto é, devemos imprimir na memória alguns pensamentos que nos incitaram, durante a meditação de um modo especial, à devoção, para nos estimular à prática do bem durante o dia.
X. Das provações na Oração Mental
I. Distrações
Não poucos, que deixam a oração mental e se desculpam, dizendo:
Eu não faço oração mental porque só encontro nela distrações e tentações; tendo um espírito muito inconstante, é-me impossível conservar-me recolhido; por isso devo renunciar à meditação.
A isso responde São Francisco de Sales: Se durante toda a meditação se estiver ocupado em repelir as distrações e as tentações, será ela muito bem feita. O Senhor vê com satisfação a boa intenção e os esforços que se fazem para se perseverar até ao fim da meditação, e Ele recompensa esses esforços com muitas graças. Devemos nos entregar à meditação para agradarmos a Deus e não para buscarmos nossa satisfação. Por isso, se, apesar de nossa boa preparação para a meditação, uma ou outra tentação nos sobrevier, não devemos nos perturbar por isso, nem procurar desviá-las com violência e impaciência: basta que as desviemos tranquilamente e concentremos em Deus novamente toda a nossa atenção.
O demônio se esforça muito para nos distrair durante a meditação, a fim de nos levar a deixá-la finalmente por completo. Quem, pois, renuncia à meditação porque padece distrações durante ela, satisfaz plenamente ao demônio. Cassiano diz que é impossível evitar toda a distração durante a meditação.
Sejam da espécie que forem as distrações, por esse motivo nunca devemos deixar a meditação.
“As distrações involuntárias, diz Santo Tomás (II-II. q. 83, a. 13), não nos privam dos frutos da oração”
Cuida de te voltares para Deus, alma cristã, logo que perceberes que estás distraída, mas faze isso com toda a serenidade da alma. Procura unir-te a Ele pela vontade, mas sem nenhum esforço do espírito. Lê um pouco e, então, pondo de lado o livro, contenta-te com trilhar o caminho da fé, que é o mais seguro para a salvação. Não queiras compreender a Deus com os sentidos; é bastante se te prenderes a Ele pelo amor puro e pela vontade.
Se, porém, notares que estás distraído voluntariamente, entra em ti e emenda-te: repele as distrações, mas não deixes por isso a oração mental.
II. Secura do espírito
É certamente o maior tormento para aqueles cristãos que amam a oração mental ter de se dedicar a ela, às vezes, sem sentimento algum de devoção, sem o menor gosto, sem nem sequer um desejo sensível do amor de Deus. Submersas nas mais profundas trevas, tais almas atribuladas não vêem nenhum meio de se livrar delas e toda a saída lhes parece fechada. Muitas vezes as atormenta o temor de se acharem na desgraça e abandonadas de Deus por causa de seus pecados, ou, então, se imaginam incapazes de levar uma vida espiritual e, por isso, deixam a meditação e perdem logo tudo o que tinham adquirido.
Em tais circunstâncias a alma deve mostrar se serve fielmente a Deus e O ama verdadeiramente, isto é, se não O ama somente por causa das consolações sensíveis com que, muitas vezes, a piedade já é recompensada neste mundo.
Não quero dizer que não nos deve causar nenhum desgosto a privação da presença sensível de Deus. É impossível não sentir um tal tormento e não doer uma tal privação. Mas, por maior que seja a nossa amargura, não devemos deixar, por isso, a oração mental. Achando-se uma vez o monge Paládio muito triste por não achar gosto na oração, recorreu a São Macário, que lhe deu o seguinte conselho:
“Se o demônio te sugerir o pensamento de deixar a meditação, deves responder-lhe: Eu me contento de ficar aqui de guarda às paredes desta cela, durante a hora de meditação, por amor de Jesus Cristo” (Hist. lausiaca, c. 20)
Assim deves tu também responder, alma cristã, quando fores tentada a deixar a meditação e te parecer que só perdes o tempo, dize então:
Quero ficar aqui para agradar a Deus
São Francisco de Sales costumava dizer que meia onça de meditação, no tempo de secura, pesa mais, diante de Deus, do que um quintal da mesma no tempo das consolações. As estátuas imóveis, que se acham nos palácios dos príncipes, servem também para sua glorificação. Do mesmo modo, se o Senhor quiser que perseveremos como estátuas na sua presença, devemos nos contentar de honrá-lO como estátuas inanimadas; basta que digamos então a Deus:
Senhor, aqui estou para Vos agradar
Tauler chega até a afirmar que se nós perseverarmos na oração mental, apesar da secura espiritual, Deus nos concederá uma graça maior do que quando rezamos por longo tempo com uma grande e sensível devoção.
O Pe. Rodríguez conta que um homem piedoso, durante quarenta anos de oração mental, nunca sentiu a menor consolação; apesar disso, sentia-se forte para praticar todas as virtudes nos dias que se dava à oração mental, e quando deixava a meditação não era capaz de praticar bem algum. Segundo São Boaventura (De prof. rei., 1. 2, c. 70) e Gerson (De monte cons. c. 43), muitos servem a Deus melhor quando estão privados do desejado recolhimento de espírito do que quando gozam dele, porque, por falta dele, permanecem zelosos e humildes, ao passo que, em caso contrário, se ensoberbecem e, consequentemente, tornam-se tíbios, julgando já terem atingido seu fim.
Para se praticar a oração mental com perseverança e zelo, deve-se armar de paciência e coragem, pois de outro modo, abandoná-la-emos no tempo da secura. Mui belos são os ensinos que Santa Teresa nos dá a esse respeito:
“O demônio sabe, diz ela, que a alma que se dedica com perseverança à oração mental está perdida para ele”
Se uma pessoa é perseverante na meditação, eu não duvido que o Senhor a conduza ao porto da salvação, apesar de todos os esforços do demônio. Quem não se apartar do caminho da oração mental, chegará, cedo ou tarde, seguramente ao termo. O amor de Deus não consiste em ternos afetos, mas em servir a Deus humilde e generosamente.
Santo Tomás ensina que a verdadeira devoção não está no sentimento, mas no desejo e firme resolução de se submeter prontamente à vontade de Deus. De que natureza era a fração de Jesus no jardim das Oliveiras? Cheia de secura e desgosto! Apesar disso, foi a mais devota e meritória que jamais houve sobre a terra. Ele dizia:
“Pai, não como eu quero, mas como vós quereis” (Mc 14, 36)
No tempo da secura não devemos jamais omitir a oração mental. Se notamos que estamos privados de zelo sensível, de piedosos desejos e quase na impossibilidade de fazer um ato de virtude, devemos nos humilhar e conformar com a vontade de Deus. Uma tal oração nos aproveitará mais que qualquer outra. Se, porém, um sumo desgosto da meditação te dominar, contenta-te com ler alguma coisa e recitar um determinado número de afetos e súplicas, por exemplo, cinquenta atos de amor, cinquenta atos de oferecimento de ti mesmo a Deus, cinquenta pedidos do amor perfeito e de conformidade com a vontade de Deus; para isso não é preciso uma devoção sensível. Não deixes de te dirigir com semelhantes afetos e súplicas à Santíssima Virgem Maria. Bem-aventurado aquele que, na desolação, não abandonou a oração. Deus o enriquecerá de graças.
XI. A oração e o Redentor
Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.
Seria temeridade para um serafim pretender descrever a oração do Salvador; da nossa parte seria loucura.
Quem poderia sondar a profundeza de suas contemplações ou atingir a sua sublimidade? Quem poderia dizer a humildade com que falava a seu Pai, a confiança filial do seu coração, seus arroubamentos, suas complacências ante as perfeições divinas, seu ardor em exaltá-las, sua imensa tristeza à vista da nossa ingratidão, o fervor em oferecer-se em holocausto à divina Majestade em reparação das nossas ofensas, os voos de seu zelo pela difusão do reino de Deus, suas ações de graças à divina Bondade? O espírito humano não pode elevar-se a essas alturas nem contemplar esses deslumbrantes mistérios. E se o poder infinito desvenda-lhes raios, ele está obrigado a confessar a sua incapacidade para expressá-los; só pode dizer:
“Ouvi palavras misteriosas, contemplei maravilhas que a língua humana não pode exprimir”.
Mas, se a sublimidade das orações do Salvador escapa à nossa fraqueza e desafia todas as nossas concepções, a infinita Bondade nos revelou bastante para que também aqui Jesus fosse modelo oferecido à nossa imitação e esclarecesse e encorajasse os nossos esforços.
A boca fala da abundância do coração; as palavras de Jesus revelam-nos os pensamentos da sua alma. Do que nos prega no Evangelho para nossa instrução e santificação ficamos sabendo quais eram os objetivos habituais das suas contemplações e quais, por isso, devem ser os objetos das nossas.
Ele nos recorda o pensamento da eternidade e a importância capital da salvação…
“Procurai antes de tudo o reino de Deus e a sua justiça… Que adianta ao homem ganhar o universo se vier a perder a sua alma?… se vier a perdê-la, que poderia ele dar para resgatá-la?…”
Precisa e mostra-nos de um lado os suplícios que aguardam os violadores da lei de Deus, doutro lado às recompensas prometidas à nossa fidelidade. Sigamos a lição do divino Mestre, voltemos frequentemente a esses salutares pensamentos, coloquemos essas convicções no fundo da nossa alma.
Para inspirar-nos o temor de Deus, prega-nos os juízos do Eterno e os rigores da sua justiça.
“Temei, diz ele, aquele que pode lançar no inferno o corpo e a alma”
O temor de Deus é o princípio da sabedoria. Fiéis aos ensinamentos do Salvador, os santos tinham cuidado de reavivá-lo em seu coração; imitemos a sua prudência e docilidade.
Mais ainda, o divino Mestre quer excitar em nossos corações uma confiança filial na infinita bondade de seu Pai. Com que complacência nos fala das finezas de sua providência, cuja bondade cuida do passarinho e da erva do campo, e que vela por nós, seus filhos, com infinita ternura! Com que insistência nos repete que o coração divino ouve os gritos da nossa angústia, e que as nossas preces serão sempre ouvidas favoravelmente! Com que emoções nos mostra o Pai celeste a acolher o filho pródigo arrependido!
Mas quer, sobretudo, inflamar os nossos corações do amor divino, pois que amar a Deus é o nosso primeiro dever, o primeiro e o maior dos mandamentos divinos; e ao contemplar tudo quanto seu Pai fez por nós, ao ponto de sacrificar pela nossa salvação o seu dileto Filho, escapa do seu coração o grito:
“Eis a que ponto Deus amou o mundo, dando por ele o seu unigênito Filho”.
Mas ele também nos ama com amor infinito: é o bom Pastor que dá sua vida por suas ovelhas… É por seu sangue que resgata as nossas almas e suspira com ardor pelo momento em que consumará o seu sacrifício pela nossa salvação. Deseja que guardemos a recordação do Seu amor, que será a nossa força nas provações; eis por que, após as maravilhas do Calvário, teremos o mistério de amor do tabernáculo.
Eram esses os assuntos de que sé ocupava o espírito do Salvador e de que nos queria penetrar por suas pregações; esses devem ser os objetos das nossas orações e das nossas pregações.
O Salvador ensina-nos ainda por seus exemplos a fazermos a oração e a prece precederem a ação. Antes de começar o ministério da pregação passa os trinta primeiros anos da sua vida na obscuridade de Nazaré; encontramo-lO depois no deserto, onde, durante quarenta dias, se entrega ao jejum e à prece.
A oração não deve só preceder, mas também acompanhar sempre os trabalhos do apostolado. Contemplemos nosso Modelo, vê-lo-emos recorrer constantemente à prece, nomeadamente em duas circunstâncias particularmente graves: antes de realizar um dos seus principais milagres: a ressurreição de Lázaro agradece a seu Pai que sempre o atende com amor; e depois no momento em que vai começar a sua dolorosa paixão; e o objeto principal dessa prece são os seus queridos apóstolos, de que se vai separar; confia-os à bondade do Pai celeste e implora para eles todas as graças de que necessitam especialmente a graça preciosa da união dos corações.
Não basta unir sempre a oração à ação, é preciso ainda de tempo em tempo deixar a ação e voltar à oração para retemperar a alma. O Salvador pregava-o a seus discípulos:
“Vinde para longe da multidão e descansai um pouco”
Ele mesmo dava o exemplo. Após as fadigas do dia, retirava-se a uma montanha para se dedicar à oração.
Mas o Salvador sabia que para nós como para ele, pela lei misteriosa da cruz, os momentos de pena seriam numerosos sobre a terra, e quer ensinar-nos a procurar na oração a força durante a provação. É essa uma razão por que antes de começar a paixão nos faz ver algo das angústias que o oprimem e da tristeza que inunda a sua alma. Terá havido jamais oração mais desolada do que a do Salvador? Mas houve jamais exemplo mais consolador e mais animador para nós? Pede alívio a seu Pai e lança ao céu uma grande queixa:
“Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice…”
E do alto da cruz:
“Meu Deus, por que me desamparastes?”
Permanece, entretanto, perfeitamente submisso:
“Não se faça a minha vontade, mas a vossa”
E persevera na oração, apesar do abatimento que o prostra por terra, apesar da violência da dor que arranca de seu corpo um suor de sangue; na sua tristeza mortal, repete sempre a mesma oração. Sobre a cruz, em cruel agonia, a alma imersa num oceano de amarguras, ora, torna a orar… ora por seus algozes. Faz-nos compreender, enfim, que Deus consola sempre, mesmo no meio das mais rudes provações, terminando por uma palavra que nos manifesta a confiança e a paz da sua alma:
“Pai, em vossas mãos encomendo o meu espirito”
Ó Jesus, meu divino modelo, enchei o meu espirito de vossas luzes e o meu coração de Vosso amor. Dai-me o espirito de oração; a oração seja a alma da minha vida, seja o meu refúgio e a minha consolação no meio das minhas penas, e seja eu todo Vosso pela oração, ó Jesus, meu amável Salvador, no tempo e na eternidade.
XII. A Prática da Oração
Durante este mês devemos esforçar-nos para aperfeiçoar-nos no exercício propriamente dito da oração e no espírito ou na vida de oração. Para o conseguirmos sábia e eficazmente, devemos primeiro incutir-nos essa verdade, para podermos tratar a nossa alma de acordo com as suas precisões. O médico não pode ser útil ao enfermo senão quando conhece bem o seu temperamento e a moléstia que sofre, pois que a mesma doença pode reclamar remédios diferentes segundo as diferentes causas que a ocasionaram e segundo os pacientes. Assim o é ao menos na vida espiritual. As distrações da oração, por exemplo, podem nascer de diferentes causas e deverão ser combatidas de diferentes maneiras. Estudaremos, pois, lealmente, por um exame minucioso, o estado da nossa alma em relação à oração. Veremos se somos fervorosos ou tíbios e negligentes na prática dessa virtude.
Examinaremos se as nossas orações são verdadeiras, completas, e de natureza a produzir frutos de santificação, ou se sofrem vício secreto que esteriliza. Indaguemos se a oração anima de fato toda a nossa vida ou se ela nos falta mais ou menos. Se a nossa oração for mais ou menos estéril, se sofrer algum mal qualquer, procuraremos conhecer exatamente esse mal, indagaremos a sua causa para lhe aplicarmos o remédio conveniente. Se a nossa vida espiritual estiver lânguida, privada do vigor que lhe comunicaria o espirito de oração, sondaremos a nossa alma para descobrir o verme corruptor que se oculta nela e a enche do veneno do espírito natural. Organizada a luta contra os inimigos que tivermos descoberto, determinaremos os meios a empregar para aperfeiçoar as nossas orações e para desenvolver em nós o espírito de oração. E então por amor de Jesus Cristo prosseguiremos de manhã à noite a prática das nossas resoluções.
A princípio as nossas orações serão feitas com mais exatidão e fervor. Seremos vigilantes em não negligenciar habitualmente nenhum elemento da oração completa: — preparação, — consideração, atos, preces e resoluções. Reavivaremos as nossas convicções sobre a excelência da oração, sobre a sua necessidade, sobre a sua eficácia infalível para levar a alma à salvação e à perfeição. Comprazer-nos-emos em contemplar o Redentor em seus entretenimentos ininterruptos com seu Pai, e, para nos assegurarmos os tesouros incomparáveis encerrados na oração, mas, sobretudo por amor do bom Mestre para a ele nos assemelharmos, unir-nos-emos a ele por atos perfeitos, quanto possível, suplicar-lhe-emos guarde o nosso coração; e, contando com o auxílio divino, procuraremos manter essa união, quanto possível à fragilidade humana, por um recolhimento contínuo e por frequentes retornos aos pensamentos e sentimentos da nossa meditação.
Ato e resolução.
Jesus, eu Vos amo; e porque Vos amo a minha felicidade é viver unido a Vós e entreter-me conVosco pela oração na qual comunicais ao meu espírito as Vossas luzes, ao meu coração o Vosso amor e todos os sentimentos divinos do Vosso sagrado coração. ConVosco e como Vós quero estar unido ao Pai por um recolhimento contínuo; a Vosso exemplo, com o mais profundo respeito e a mais sincera humildade, quero prestar-Lhe todas as homenagens devidas à sua Majestade suprema, mas, sobretudo com amor filial quero considerá-lO como o melhor e mais terno dos pais, implorar as suas graças e, sobretudo o seu amor com uma confiança inabalável, infinita, dedicar-me à glória de seu nome e à difusão do reino. Mas, ó Jesus, sustentai a minha fraqueza; sem Vós desfaleço e me afasto de Vós. Conservai o meu coração unido a Vós e ao Vosso Pai; e se eu me afastar, reconduzi-me a Vós pela graça, e ajudai-me a repetir os atos que neste momento Vos ofereço e quero renovar frequentemente durante o dia.
Ó Maria, abençoai-me; que a vossa benção maternal prenda o meu coração a Jesus para o tempo e a eternidade. Amém.
Durante o dia.
Exercício de piedade. Não se aproximar de Deus senão com viva fé, profundo respeito, sincera, humildade, filial amor. E transformar cada exercício em verdadeira oração pela união e aplicação da alma a Deus. Fazer às vezes um quarto de hora ou uma meia-hora de oração superrogatória. Ao menos tomar de tempo em tempo alguns minutos para se unir a Deus por uma oração breve e completa.
Multiplicar, como recomenda a Regra, os atos de fé viva na presença de Deus, e as orações jaculatórias.
Fazer do trabalho uma oração, impregnando-o de pensamentos e sentimentos de oração. Teremos essa preocupação ainda mais ao exercermos as funções do santo ministério.
Penitência. Expiar generosamente toda infidelidade na oração — ou toda falta mais voluntária às resoluções deste mês. — E impor-se de preferência, como expiação, uma breve oração superrogatória.
XIII. Orações para alcançar a Virtude do Mês
Eis, por fim, algumas orações de Santo Afonso para crescermos na Oração.
Oração para obter a Graça de Bem Orar
Generosíssimo Redentor meu, pronto estáveis para me conceder todas as graças; para isto esperáveis uma oração minha; mas, ai! Só pensei em contentar os meus sentidos, em pouco tive o viver privado do Vosso amor e de Vossos benefícios. Senhor, esquecei-Vos das minhas ingratidões tão multiplicadas e tende misericórdia de mim: dai-me a graça de implorar continuamente o Vosso socorro, a fim de não mais Vos ofender. Ó Deus da minha alma, não permitais despreze eu este dever no futuro, como o fiz até agora. Esclarecei-me, dai-me a força de recomendar-me sempre a Vós, especialmente quando, os meus inimigos me solicitarem a pecar. Ó meu Deus, concedei-me esta graça, em consideração dos méritos de Jesus Cristo e do amor que lhe tendes.
Ah! Imenso vos ofendi, ó meu bom Senhor, em amar-Vos quero gastar o restante da vida. Dai-me o Vosso santo amor; e este me inspire a recorrer à Vossa proteção, todas as vezes que me achar em perigo de Vos perder caindo no pecado.
Oração para alcançar Fidelidade à Oração
Senhor, perdoai a minha negligência. Que tesouros de graça perdi por haver tantas vezes deixado a oração! Dai-me força para ser doravante fiel em tratar incessantemente conVosco neste mundo, soberano Senhor e Deus meu, a quem espero contemplar eternamente no céu. Não desejo me favoreçais com as Vossas doces consolações! Não as mereço de todo; basta que me permitais ficar aos Vossos pés e recomendar-Vos a minha pobre alma. Ah! Como ficar ela longe de Vós, se tão profunda é a sua indigência! Posto junto aos Vossos pés, ó meu Jesus crucificado, a só lembrança da Vossa Paixão me conservará separado da terra e unido a Vós.
Oração a Maria
Santíssima Virgem Maria, assisti-me sempre na oração.
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(OMER C.SS.R., Padre Saint. Escola da Perfeição Cristã para Seculares e Religiosos: Obra compilada dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja. Editora Vozes, 1955, p. 267-290)
(AZEVEDO C.SS.R., Padre Oscar das Chagas. As Doze Virtudes para cada Mês do Ano. Editora Vozes, p. 208-244)
(OMER C.SS.R., Padre Saint. As Mais Belas Orações de Santo Afonso: Edição atualizada e acrescida de novos exercícios e orações. Editora Vozes, 1961, p. 311-312)