Capítulo XVIII
Tudo o que se refere ao Sacrifício da Missa ou à disciplina dos Sacramentos é objeto de uma escolha minuciosa e de particulares cuidados da parte da Igreja.
Ela quer que os objetos destinados à celebração dos ofícios religiosos e dos santos Mistérios sejam assinalados com uma especial consagração, que os subtraia aos usos profanos.
Ela não autoriza qualquer pessoa a subir os degraus do altar para oferecer a Sagrada Vítima; ela exige que a consagração sacerdotal eleve o seu ministro acima dos simples fiéis e o retire do comércio do século. Por isso o jovem levita é submetido a uma preparação que dura 8 a 12 anos.
As mesmas exigências mostra a Igreja a respeito da língua da sua liturgia sagrada.
Ela conhece, sem duvida, as razões que se poderiam alegar em favor da adoção das nossas línguas vulgares no altar, mas sabe também os enormes inconvenientes que isso traria. Estas línguas, profanas e tantas vezes profanadas, são as que usamos para os fins menos úteis para a salvação, para as coisas mais comuns, mais materiais, mais vis; elas andam ao serviço da ambição, das paixões, do prazer, da mentira e dos vícios.
Por isso quis a Igreja adotar uma língua, que não recorde a vida ordinária, que não ressaiba ao teatro, ao balcão, aos lugares públicos, uma língua, enfim, que quase já não é do tempo, mas consagrada aos mistérios da humanidade.
Foi a Roma que a Igreja pediu esse idioma. Esta cidade, rainha dos povos, possuía uma língua simples, rica, majestosa, maravilhosamente feita para exprimir os grandes sentimentos e os nobres pensamentos. No momento em que os operários do Evangelho eram enviados pelo Salvador a ensinar todas as gentes, o império Romano tinha-a espalhado, com a sua civilização, em todo o Ocidente. Além disso, esta língua havia recebido uma solene consagração no Calvário, quando Pilatos a agregou ao grego e ao siríaco na inscrição da cruz.
Tinha, pois, a Igreja, razão em adotá-la nos nossos países ocidentais como língua sua oficial, da mesma maneira que em outras regiões adotou o grego e o siríaco.
Vamos expor em poucas palavras os motivos por que a Igreja excluiu do serviço divino as línguas vulgares e conservou o latim, hoje, todavia, língua desconhecida para a grande maioria dos fiéis. A Igreja tem por si, além da inspiração divina, uma experiência de muitos séculos e um grande conhecimento da alma humana. Se conserva para seu uso uma língua morta, é que há nisso uma grande vantagem e se evitam muitos inconvenientes perigosos.
1.° Importa que a liturgia seja, através das idades, de uma indestructível estabilidade. Importa para a uniformidade perfeita do culto, que o texto dos nossos missais e dos outros livros litúrgicos mantenham invioláveis a sua incomparável beleza, a sua expressão e a sua força originais.
Ora com as línguas vulgares, seria necessário remodelar, melhorar os livros sagrados pelo menos de século em século. Porque as línguas vivas são sujeitas a transformar-se e a modificar-se todos os dias. São como as ondas marinhas: avançam, recuam, oscilam, movem-se sem descanso e sem cessar. Termos que eram a princípio de uma solene gravidade, tornam-se, no rodar do tempo, familiares, triviais, grosseiros mesmo.
Tudo isto constitua uma série do evidentes inconveniências para a gravidade das sagradas cerimônias e para a dignidade do culto. Imagine-se quantas vezes não seria necessário renovar as traduções dos nossos hinos, dos nossos Salmos, das nossas orações, para que estivessem em harmonia com o renovação da língua.
Há inúmeras versões dos livros sagrados em todas as línguas, feitas por grandes literatos. Todavia qual de nós aceitaria a mais perfeita, quando num momento de angústia queremos erguer o coração a Deus por meio de um Salmo, em troca da sublime simplicidade dos versículos latinos?
2.° Mas há uma razão mais grave para excluir as línguas vulgares, do serviço divino. É que as orações litúrgicas exprimem e ensinam a fé da Igreja. Quase todas as verdades católicas têm a sua expressão nas orações e ritos sagrados, que são como que um arsenal, em que encontramos as provas dos dogmas revelados. Daí vêm o axioma dos teólogos:
«A oração é a fórmula da crença»
O Gloria Patri, por exemplo, ensina claramente o mistério da Santíssima Trindade. O uso de exorcismar os catecúmenos antes do Batismo é um reconhecimento tácito da doutrina do pecado original. As orações, que a Igreja reza pelos defuntos, revelam-nos a doutrina sobre o purgatório. As suas súplicas incessantes são uma demonstração da eficácia da oração e da necessidade absoluta que temos da graça para que uma ação se torne sobrenatural e merecedora de eterna recompensa. Todos os dogmas principais da nossa santa Religião, a Encarnação, a Redenção de Jesus, a Sua Paixão e a Sua gloriosa Ressurreição, a perpétua Virgindade de Maria, a intercessão dos Anjos e dos Santos, a Presença real, etc., tudo está expresso, enunciado nas orações do Santo Sacrifício.
Ora, a crença da Igreja não varia. É, pois, da mais alta importância, que a sua língua não sofra transformações. Uma simples modificação na expressão de um dogma, a substituição de um vocábulo por outro, que parece sinônimo, pode constituir um erro grave na enunciação de um dogma.
Esta estabilidade do sentido das palavras, indispensável és fórmulas dogmáticas não pode conseguir-se das línguas vivas sujeitas a uma flutuação incessante. A palavra gesto, por exemplo, tem no grandioso poema de Camões a significação de «rosto», «face»; hoje emprega-se num sentido muito diverso.
Só uma língua morta, como a latina, tem a imobilidade necessária para perpetuar e conservar sem perigo, em fórmulas fixas e invioláveis, o depósito da nossa fé.
A história vem em abono desta afirmação.
«Fato muito para notar — escreve o grande escritor litúrgico, Dom Próspero Guéranger — é que das diferentes Igrejas, que usam uma língua litúrgica diferente da da Igreja Romana (as Igrejas orientais, como a cota, a armênia, a etiópica, etc.) nenhuma pode evitar de todo o cisma ou a heresia. Parece mesmo que muitas vezes o instrumento direto da separação, foi a introdução da língua vulgar no serviço divino»
3.° Se a língua litúrgica garante a inviolabilidade da fé, corresponde também melhor ao caráter da Igreja universal. Esta Igreja não se limita a um país, nem a uma raça. Ela não é inglesa, nem russa, nem francesa, nem alemã; é católica e universal. A sua missão é unir os povos cristãos numa sociedade espiritual pela participação nos mesmos mistérios e nos mesmos sacramentos. Só ela pode e deve na verdade realizar a «sociedade das nações», a fraternidade dos povos por laços inteiramente naturais.
Ora para melhor os manter unidos nos laços desta bela e grande fraternidade, ela tem a preciosa vantagem de uma língua litúrgica em toda a parte idêntica. Quando um católico está longe da sua pátria terrena, ouvindo apenas sons estranhos, como lhe é doce e consolador entrar numa Igreja e ouvir Missa celebrada como no seu país! É como se por um momento se encontrasse de novo no seu país e, nesta pátria universal da fé, por um momento esquece que está em país estrangeiro. Ao passo que, se a Missa fosse celebrada em língua vulgar, este homem buscaria em vão as fórmulas de fé e piedade a que se habituara na infância. Sentir-se-ia tão estranho na casa de Deus, como na casa dos homens. Seria um duplo exílio.
Essas são algumas das razões por que a Igreja não usa no Santo Sacrifício as línguas vivas.
De resto seria uma injúria tão grave como injusta acusá-la de conservar secretas as suas orações, recusando aos seus filhos o conhecimento delas. Esta acusação à sua solicitude maternal, fazem-lha os protestantes. Mas nada mais infundado. Longe de esconder os mistérios do Sacrifício cristão, ela ordena aos pastores, a quem confia a direção das almas, que expliquem aos fiéis, em todas as ocasiões favoráveis «e sobretudo aos domingos», as numerosas e ricas instruções contidas nas orações e nas cerimônias do Santíssimo Sacrifício — segundo as textuais palavras do Sagrado concílio de Trento.
Além da instrução dos seus pastores, os fiéis têm um meio bem fácil de aprender e admirar as belezas das orações da Igreja nos numerosos missais e livros de piedade, nos quais estas orações, bem como o ordinário e o cânon da Missa se encontram traduzidos em língua vulgar. Isto não quer dizer que estes livros sejam indispensáveis para assistir à Missa.
O essencial, é que tenhamos o cuidado de nos unirmos às orações e intenções do sacerdote, que ora por nós, e que meditemos com piedade e devoção as cerimônias, que vamos seguindo. Digamos em nosso coração:
«A Igreja, minha mãe, sabe melhor que eu as minhas necessidades e ela pede a Deus que me auxilie, muito mais eficazmente do que eu o poderia fazer. Por isso eu peço a Deus tudo o que o representante da Igreja pede para mim; eu me uno com ele em tudo o que ele diz e em tudo o que ele faz»
Desta maneira a oração e Sacrifício do celebrante serão a oração o Sacrifício de todos os assistentes e esta união conseguirá mais eficazmente mover em nosso favor o sacrifício de Jesus.
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 118-122)