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A Festa dos Ázimos na Páscoa Judaica

Sumário. Por que a festa durava uma semana. Por que eles pediram a Pilatos para soltar Barrabás em vez de Cristo. A cerimônia do Omer (“primícias”), prefiguradora da prisão de Cristo. As festividades menores durante a semana pascal hebraica. Por que os judeus não quiseram entrar no pretório de Pilatos. Como eram sacrificadas as vítimas na semana da páscoa antiga. O banquete da noite. O banho e o lava-pés, imagens do batismo. O arquitriclino. As mesas. Posicionamento dos convivas. Quando se introduziu o divã. Por que eles lavavam as mãos. Origem das orações antes das refeições. Por que o pão e o vinho são erguidos e oferecidos a Deus durante a Missa. Indumentária dos comensais nos banquetes. Joias da antiguidade. Origem da incensação do clero durante Missa solene. “As migalhas que caíam da mesa.” As orações após as refeições. Origem dos ágapes (“banquetes do amor”). São Paulo  sobre os abusos que aí se cometiam, etc.

A páscoa e a festa dos ázimos mesclaram-se uma à outra, entrelaçaram-se para prenunciar que a Crucificação e a Última Ceia — a Paixão de Cristo e a Missa haviam de ser não dois, mas um só e o mesmo idêntico Sacrifício (Lc 22,1/ Mc 14,12). No primeiro dia da festa eles celebravam a ceia pascal, e a festa dos ázimos durava uma semana, da tarde da décima quarta lua à tarde da vigésima primeira. O último dia era a oitava da páscoa e encerrava a série de festejos com um grande banquete. Isso deu origem às oitavas de nossas festas da Igreja.

A semana inteira era chamada de páscoa. Toda noite eles celebravam um festim chamado hagigá. Foi por essa razão que eles não quiseram entrar no pretório de Pilatos: “para não se contaminarem, mas poderem comer a páscoa.” (Jo 18,28; Lv 23, 5-6).

Os judeus, divididos em grupos de não menos de dez nem mais de vinte homens, celebravam esses festins durante essa semana; toda tarde eles encerravam o dia com um grande banquete, o mais célebre sendo o realizado no cenáculo (“o salão de banquetes”). Eles chamavam esses banquetes de mishteh, ou shatah (“beber”), porque o vinho era a bebida principal. Em tempos mais antigos, chamava- se “yayin” (“vinho” ou “suco da uva”) (Ct 2,4;Eclo 32,etc.).

Os festins dessa semana celebraram-se a partir da época de Moisés. Jesus filho de Sirac, no seu conselho a um governante, escrevendo mais de duzentos anos antes de Cristo, menciona “a coroa” que usava à mesa o ancião que presidia o banquete, “o concerto de música em banquete regado a vinho”, “o anel de ouro com sinete usado no dedo”, “a melodia da música e o vinho bebido moderadamente”, “na companhia de grandes homens”, “quando os anciãos estão presentes” (Eclo 32,etc). Vejamos agora esses banquetes, pois os detalhes revelam-nos como foi celebrada a Última Ceia.

Em memória da libertação de seus pais da escravidão egípcia na páscoa, eles costumavam pedir a libertação de um prisioneiro condenado à morte (Mt 27,15; Lc 23,17; Jo 18,39). O Talmude alude a esse antigo costume, que prevaleceu até mesmo entre os romanos (LÍVIO, V, 13; Pesahím, viii, 6). A história do Evangelho entesourou para sempre, nos corações humanos, o incidente quando os judeus pediram a Pilatos que libertasse para eles um criminoso em lugar do Senhor, naquela fatídica Sexta-Feira da Crucificação, no segundo dia de páscoa judaica. Muitos manuscritos antigos do Evangelho (Mt 27,17), respaldados pela versão armênia citada por Orígenes (Comentário a Mateus, V, 35.), defendidos por Tischendorf na sua segunda edição mas rejeitados mais tarde, afirmam que o nome desse latrocida era Jesus Barrabás. Daí ter sido esta a pergunta feita por Pilatos: “Quem quereis que eu vos solte, Jesus Barrabás ou Jesus que é chamado Cristo?”

A páscoa, celebrada na primeira noite, e a festa dos ázimos, celebrada em todas as noites seguintes durante aquela semana (Geikie, Life of Christ, I, 190, 204, e ii, 434, etc), eram emblemáticas da Igreja, o reino do Messias, e da Eucaristia (Lc 7,32-39; Lc 13,25,26-29). No tempo de Cristo, os rabis prometiam aos seus seguidores que eles passariam toda a eternidade comendo à “mesa do Senhor”, assim eles entendiam as profecias da Eucaristia.

Durante as noites dessa semana, as sinagogas e as casas onde se celebravam os banquetes eram iluminadas com lâmpadas de terracota e com tochas; e punham-se velas de cera de abelha sobre a mesa. Os átrios do Templo eram iluminados brilhantemente, o castiçal de sete ramos, que ficava apagado durante as outras noites, ardia a noite toda no Santo, e as portas do Templo eram deixadas abertas.

Naquela época, as ruas não tinham lâmpadas, e fora das casas havia trevas exteriores e ranger de dentes, imagem do inferno, para os que estavam sob caret (“excluídos”) — por causa de pecado ou de impureza ritual (Pr 9,2; Am 6,4; Is 5,12; Mt 26,20,26; Lc 7, 46-49; Jo 12,2).

No segundo entardecer acontecia a cerimônia do Omer, o feixe de cevada que prenunciava a prisão de Cristo (Geikie, Life of Christ, I, 201; Edersheim, Life of Christ, ii, 205-210, etc). Na Palestina, na Arábia, na Califórnia e em regiões desérticas, os grãos são semeados no outono, crescem durante as chuvas de inverno e são respigados na primavera. Por isso, Deus mandou-os oferecer como sacrifício os feixes de cevada, o Omer, no Templo, antes de começarem a colheita. O Omer eram as “primícias” da colheita.

“E o Senhor falou a Moisés, dizendo… Quando tiverdes entrado na terra que vos darei e fizerdes a ceifa dos vossos cereais, trareis feixes de espigas, as primícias de vossa colheita para os sacerdotes.” (Lv 23,10)

Ao longo da história deles desde Moisés, fizeram-se adições a essa cerimônia anual da páscoa, de sorte que no tempo de Cristo ela havia se tornado um rito elaborado (Lv 23,14), pois prefigurava Jesus Cristo, primícias da humanidade, oferecido em sacrifício ao seu Pai Eterno.

No “dia seguinte ao shabat’ (Lv 23,11), o dia da Crucificação, todos os sacerdotes do Templo estavam tão envolvidos naquela cerimônia que não se opuseram ao pedido feito por José a Pilatos, de que lhe cedesse o corpo morto de Jesus pendurado na cruz.

Josefo (Antiguid. jud., III, 10, 5, 6; Fílon, Op. ii, 294) e outros autores judeus mostram que o rito efetuava-se depois do pôr do sol na noite do décimo quinto de nisan, o dia em que Cristo morreu. No entardecer do décimo quarto, o dia em que Cristo foi preso, delegados do Templo desceram ao vale do Cedron, logo ao norte do Getsêmani, até o local exato onde Cristo foi preso, transportando dinheiro do tesouro do Templo, o corban, assim como eles tiraram do mesmo corban o dinheiro que deram a Judas. Ao dono do campo eles entregaram as trinta moedas de prata pela cevada estirada, que enfeixaram ainda estirada no exato lugar onde ataram as mãos de Jesus.

O tempo de cortar o feixe era o dia seguinte, o décimo quinto dia de abib, enquanto o corpo de Jesus pendia morto. Mesmo que o dia caísse num shabat, realizava-se a cerimônia. Enquanto o sol poente minguava, guardas do Templo e levitas formando um ruidoso bando liderado pelos sacerdotes e os fariseus — os homens mesmos que, no dia anterior, haviam prendido o Senhor —, saíram pela porta das ovelhas, descendo o vale do Cedron bem a leste das muralhas do Templo. A arraia-miúda da cidade e os vadios seguiam-nos todo ano, assim como fizeram naquela fatídica noite da prisão de Cristo.

Só depois do pôr do sol eles podiam cortar a cevada, porque foi à noite que prenderam o Salvador. Não trigo, mas cevada eles podiam cortar, porque o grão inferior prefigurava o Senhor naquela noite, carregado com os pecados da humanidade na sua Paixão. Eles se reuniam em torno do feixe atado estirado, assim como cercaram Cristo. Nenhum salmo era cantado, nenhuma oração recitada enquanto aguardavam o ocaso do sol poente, porque este prenunciava aquela aliança com o inferno que eles fizeram com Judas (Is 28,18), para a traição do Mestre naquele mesmíssimo lugar.

Três vezes o líder perguntava aos circunstantes: “O sol já se pôs?” Três vezes respondiam eles: “Sim, já se pôs”. Três vezes ele repetia: “Devo segar com esta foice?”, ao que respondiam eles três vezes que sim. Três vezes diz ele: “Para dentro deste cesto?”, e a cada uma eles respondem que sim. Novamente, três vezes ele pergunta: “Neste shabat?”, ou então: “Neste dia da páscoa?”, e a cada pergunta berram eles: “Sim!” Por último, ele indaga: “Devo segar?”, e eles exclamam: “Sim!”

Então eles cortavam os feixes atados de cevada estirada, o bastante para encher um efá, três seah, dez omer e quase meio alqueire. Cruzando a ponte que se estende sobre o Cedron, sobre a qual conduziam ordinariamente todos os animais para o sacrifício e através da qual levaram Cristo atado na noite em que O prenderam, eles traziam os feixes de cevada atados, que entregavam aos sacerdotes no Templo, assim como entregaram Cristo aos sacerdotes naquele noite histórica.

Os sacerdotes estendiam as mãos sobre a cevada fazendo orações, impondo seus pecados sobre ela assim como faziam sobre as vítimas sacrificais, em seguida ofereciam-na ao Senhor mediante “agitação”. Quer isto dizer que erguiam-na ao céu e moviam-na em direção dos quatro pontos cardeais, traçando uma cruz, porque ela prefigurava a Vítima da cruz, que carregou sobre si os pecados da humanidade.

Os servidores do Templo socam os grãos com bastões assim como o Senhor foi flagelado, até separarem do joio os grãos, assim como o Salvador foi despojado de suas vestes.

Num tacho perfurado com muitos buracos, eles tostam os grãos, assim como o Redentor foi preenchido pelo fogo do Espírito Santo. Eles trituram os grãos, porque o corpo de Cristo foi quebrantado, eles passam a farinha por treze peneiras, uma mais fina do que a outra, e um dos cizbarim (“tesoureiros”) ficava mergulhando suas mãos durante a peneiração enquanto houvesse alguma farinha que aderisse a elas (Men. 6,6,7). Dos dez omers só restava agora um, pouco mais de dois quartos de fina farinha de cevada.

Isso eles misturam com cerca de meio litro de azeite de oliva e com uma mancheia de incenso, prenunciando o Messias, ungido pelo Espírito Santo, rezando pelo gênero humano durante sua vida e Paixão, e o seu corpo preparado para o túmulo com incenso; um punhado da farinha assim preparada eles queimavam sobre o grande altar dos holocaustos, para mostrar que o Omer estava unido a todas as vítimas ali sacrificadas.

Esse cerimonial anual de seus ancestrais, eles chamavam de “apresentação do primeiro feixe de agitação”. Não se podia começar a colheita antes dessa cerimônia. A partir dela, eles calculavam todas as suas festas móveis e jejuns, assim como hoje na Igreja nós calculamos as festas móveis a partir da Páscoa cristã. Os judeus do presente seguem ainda essa prática. O Livro de Orações judaico conta cada dia desde o Omer até Pentecostes. Mas desde a destruição de Jerusalém que eles não realizam a cerimônia da apresentação do Omer (Ver Zanolini, De Festis, Jud^orum, c. 4; Livro de Orações Judaicas, etc.).

“No mesmo dia em que o feixe for consagrado, um cordeiro sem defeito será imolado em holocausto ao Senhor, e junto com ele serão ofertadas as libações, dois décimos de farinha amassada com azeite, em oferenda queimada, de odor suavíssimo, para o Senhor; e também libações de vinho, a quarta parte de um hin (sextário).” (Lv 23,12,13)

Assim o Omer prenunciador da morte de Cristo, o cordeiro sacrificado, o pão e o vinho da Última Ceia eram ofertados, e faziam o elo de união entre o tabernáculo, o Templo, a Crucificação, a páscoa hebraica e a Missa.

Os últimos dias da festa dos ázimos eram chamados Mo’ed Katan (“festividades menores”), e o Talmude fixa muitas regulamentações a seu respeito (Talmude, Mishná, tratado Mo’ed Katan). No tempo de Cristo eram chamados também de hagigá (“festival”), do hebraico hag (“bailar”), por causa das cerimônias; não percebendo a sacralidade da festa, por vezes mocinhas dançarinas se exibiam diante dos comensais, como fez Herodíades perante Herodes e seus convidados, quando ela pediu a cabeça de João Batista (Mt 14,8; Ver Migne, iii, 850-855; xxiii, 1024, 928, etc).

Muitos textos das Escrituras mencionam esses banquetes, com ocasião dos quais eles deviam soar a trombeta (Nm 10,10); os víveres deviam ser comprados com o dinheiro recebido da venda das dízimas (Dt 14,25,26); deviam ser consumidos diante da Shekiná, que habitava no Templo (Dt 14,23,24). A palavra traduzida no texto como “Senhor” é Shekiná no original hebraico.

Sob o reinado do piedoso rei Ezequias, os levitas se banquetearam durante os sete dias da páscoa (2Par 30,22); “imolando as vítimas dos sacrifícios pacíficos e louvando ao Senhor, o Deus de seus pais”, com os sacrifícios mencionados na lei (Dt 16,2). Onquelos, aqui, entende o cordeiro pascal (2Par 35,6,7,8). O bom Ezequias e seus príncipes proveram ao povo, nessa grande páscoa, 2.000 novilhos, 17.000 ovelhas. Noutra páscoa, Josias doou, além do cordeiro “para os sacrifícios pascais, 3.000 bois”, prenunciando os governantes, os príncipes e as famílias ricas que dão amparo à Igreja, nos tempos cristãos.

Essas passagens revelam-nos que hagigá, ou últimas dias da páscoa, celebravam-se com grande e santa solenidade. Se o décimo quinto dia caísse no shabat, o cordeiro podia ser sacrificado, mas não as outras vítimas, porque eram imoladas no dia anterior, para não violar o descanso solene do shabat (Pesahím, IV, 4; x, 3).

Essas vítimas para hagigá podiam ser assadas ou cozidas (2Par 35,13). O cordeiro, prefigurando Cristo crucificado, era assado sempre, e a Lei proibia que fosse cozido em água (Ex 12).

“E eles assaram a páscoa ao fogo, conforme o que está escrito na lei, mas as hóstias dos sacrifícios pacíficos eles cozeram em caldeirões, em caldeiras e em panelas, e distribuíram-nas celeremente entre todo o povo.” (2Par 35,13)

Os dias restantes da semana da páscoa judaica eles celebravam como dias solenes de festa e banquete. Todo dia eles imolavam sacrifícios especiais (Nm 18,16 até o fim; Lv 23,8). Depois de oferecidos os sacrifícios matutinos no Templo (Nm 18,17 até o fim), os indivíduos particulares, os pais de família ou os chefes de tribo traziam vítimas, macho ou fêmea, sem defeito nem mancha, e punham as mãos sobre a cabeça delas, carregando-as com os pecados deles e com os pecados da família ou tribo. Então o oferente imolava a vítima e entregava aos sacerdotes o sangue, para ser esparramado sobre o altar. Esses sacrifícios privados podiam ser imolados a qualquer dia no Templo por devoções particulares, em qualquer dia do ano, mas, durante essa semana pascal, as vítimas com pão e vinho eram oferecidas em sacrifício com maior devoção. Prenunciavam os estipêndios e ofertas, atualmente entregues ao clero, por Missas pelos vivos e pelos defuntos, costume que vem desde os tempos apostólicos.

O sangue da vítima era aspergido sobre as córnuas do altar, mas a cauda, a gordura e os rins eram queimados sobre o altar. O peito era entregue ao sacerdote, que o “agitava”, oferecendo-o a Deus em forma de cruz, com a espádua direita como oferta de elevação (Lv 3,1-5; Lv 7,29-34). Os restos da vítima eram entregues ao oferente, que formava com seus convidados um banquete, e eles comiam-nos no mesmo dia ou no dia seguinte. Se alguma parte sobrasse até o terceiro dia, era queimada (Lv 7,17,18; Pesahim, 6,4).

Os hebreus, cheios de devoção por sua religião e Templo, copiaram o cerimonial de Moisés, e os banquetes deles estavam sempre saturados de religião. Ao sul do grande altar do Templo ficava a grande bacia de bronze das abluções, que se assentava sobre doze bois de bronze. Nela os sacerdotes banhavam o corpo inteiro antes de tomarem parte nas ações litúrgicas. Eles tinham, logo ali ao lado, muitos banheiros no Templo. Antes de celebrarem a páscoa, cada um banhava o corpo todo, dizendo enquanto mergulhava n’água:

“Rogo-te seja a tua vontade, ó Deus, Senhor meu, que me faças entrar e sair em paz, que me faças voltar ao meu lugar em paz e me salves deste e de semelhantes perigos neste mundo e no mundo futuro.” (Talmude, Dia da Expiação)

O sacerdote, o levita e o povo, vindo ao Templo para tomarem parte no seu grande cerimonial, precisam banhar-se e estar limpos como convém na presença de seu Rei. Isso era figura do batismo, que viria para lavar do pecado as almas dos homens. Foi essa a origem da água benta na entrada de nossas igrejas. Em toda mesquita muçulmana tu encontras pessoas banhando os pés antes de entrarem no edifício, costume este oriundo do Templo.

Os judeus no tempo de Cristo eram conhecidos por seus festins (Migne, Cursus Comp. S. Theologie, II, p. 117). Tinham por hábito convidar seus parentes e amigos e dividir-se em grupos de não menos de dez nem mais do que vinte pessoas, pois era este o número de pessoas nos grupos durante a páscoa judaica. Homens e mulheres não celebravam juntos o festim. A senhora da casa convidava suas amigas, e com elas celebrava um banquete, mas os homens não participavam com elas. A separação dos sexos ainda é respeitada no Oriente. Um rico cristão de Belém deu um jantar em homenagem ao autor que durou mais de duas horas, mas nem uma única mulher da casa foi vista.

O pai de família ou o chefe da casa, no tempo de Cristo, recebia na porta cada hóspede convidado dizendo a palavra salama (“paz” ou “A paz seja com esta casa”), ao que o convidado respondia: “Dilate-se o teu coração”. Eis aí o marhaba dos herbeus, o alaik do Talmude, a saudação oriental aos amigos. Ainda se vê no Ritual Romano.

Deixando seus sapatos ou sandálias à porta, os convidados entravam na casa descalços. Antes de se reclinarem à mesa, os criados ou o chefe da casa lavavam os pés deles. Esse costume é oriundo dos patriarcas.

Abraão lavou os pés dos três anjos que o visitaram na sua tenda (Gn 18,4). Labão preparou água para lavar os pés de Eliezer, quando este chegou à Mesopotâmia à procura de uma esposa para Isaac (Gn 24,32). O intendente de José trouxe água para lavar os pés dos onze filhos de Jacó, quando eles voltaram à casa dele depois de encontrarem o dinheiro dentro de seus sacos (Gn 43,24). Abigail pediu a Davi somente o privilégio de lavar os pés dos servos dele (1Rs 25,41). Davi mandou Urias entrar em casa e lavar os pés como preparação para a ceia e para dormir (2Rs 11,8). Quando Tobias foi lavar os pés, saiu um peixe para devorá-lo (Tb 6,2). Jó lavou seus pés em manteiga (Jó 29,6). A Esposa, falando à Igreja, diz, da noite da Última Ceia:

“Eu me despojei da minha túnica. Como a vestirei? Eu lavei os meus pés, como hei de sujá-los?” (Ct 5,3)

Nas famílias ricas os criados executavam esse serviço, na classe média faziam-no os filhos e filhas, mas se o pai quisesse mostrar especial deferência por seus visitantes, ele mesmo lavava os pés deles. Sendo trabalho de quem serve aos outros, nós entendemos como foi que Cristo pegou uma toalha, cingiu-se com ela e foi de discípulo em discípulo, lavando os pés deles com água numa bacia. Pedro não conseguiu entender por que é que o Mestre faria um trabalho de serviçal, protestou e recebeu ordem de obedecer, ou sua recusa lhe faria perder o seu chamado ao apostolado. Todos tinham já se banhado, como era o costume antes de celebrar a páscoa judaica, mas seus pés estavam sujos de andar pelo piso, e Cristo disse:

“Aquele que se lavou não tem necessidade de lavar senão os pés, pois todo ele está limpo.” (Jo 13,10)

A limpeza de corpo significava a alma purificada do pecado. Eram todos inocentes exceto Judas, sobrinho de Caifás, que tinha agido o tempo todo como espião para os sacerdotes do Templo e recebido dinheiro deles, em segredo, por sua promessa de traição, “e Jesus disse: E vós estais limpos, mas não todos’. Porque ele sabia qual era o que o ia entregar, por isso disse: ‘Não estais todos limpos’” (Jo 13,11). Antes de se acomodarem à mesa eles lavaram as mãos, pois mergulhavam-nas dentro das travessas para pegar os bocados de comida.

O dirigente ou “rei do banquete” trinchava a carne com um facão, dando a cada um sua porção, costume este seguido ainda hoje. O facão era muitas vezes semelhante a uma lança, e deu origem à nossa faca trinchante. Não havia nenhuma outra faca sobre a mesa. Facas de mesa foram introduzidas no século X, e o garfo mais tarde ainda. Banquinhos foram introduzidos no tempo de Carlos Magno, na idade média se adicionaram encostos, e assim tornaram-se cadeiras. Nas refeições ordinárias, as pessoas se sentavam no piso, em volta da mesa, com seus membros dobrados debaixo de si. Já nos banquetes formais, entretanto, reclinavam-se em divãs (Ver Migne, Cursus Comp. S. Scripturæ, II, 1170).

Diversos copeiros serviam aos convivas nas casas abastadas, enquanto entre os pobres eram a esposa e as filhas que cozinhavam a comida e serviam à mesa. Sara e suas servas prepararam o alimento e serviram aos anjos que visitaram Abraão. Samuel advertiu aos hebreus que se insistissem em ter um rei em lugar de Deus, que era então seu Governante, ele tomaria as filhas deles para lhe fazerem unguentos e para servirem como cozinheiras na cozinha dele (1Rs 8,13), tal como os criados serviam no palácio do Faraó como eunucos, copeiros e padeiros (Gn 40,1).

O dirigente do banquete, chamado arquitriclino (“senhor dos três leitos”, sobre os quais as pessoas se reclinavam), servia aos comensais como faz em nossos dias o trinchante, a pessoa que corta a carne na mesa. Quando eram muitas as mesas, cada uma era presidida por um dirigente ou trinchante. Quando José deu um jantar em honra de seus irmãos (Gn 43,32), ele sentou-se a uma mesa separada, porque era primeiro-ministro do Faraó e tinha de preservar sua dignidade. A comida foi posta primeiro diante de José, que a serviu aos irmãos. Quando Elcana subiu com suas duas esposas ao tabernáculo do Senhor para adorá-Lo e, seguindo o costume, celebrou um banquete em família, ele serviu à mesa, dando a cada membro da família sua porção, mas a de sua esposa Ana ele deu com pesar, porque era infecunda (1Rs 1,4-5). Mais tarde ela deu à luz Samuel, o grande profeta.

Homero conta-nos que os gregos tinham cada qual uma mesa, e o senhor da mesa servia aos convivas. Os banquetes dos reis persas eram elaborados; as mesas eram postas ao longo das laterais do grande pátio, em redor do qual o palácio tinha sido erigido, ou no “salão das cem colunas”, cujas ruínas permanecem até hoje sobre a grande plataforma de Persépolis.

A mais suave das carnes era a do cabrito, e foi por isso que Rebeca mandou Jacó imolar um cabrito quando ele recebeu a bênção de seu pai moribundo. As palavras de Jacó não foram men¬tira, mas mistério, como explica S. Agostinho. Coberto com pele de cabrito, ele tipificava o bode expiatório com os pecados de Israel, e prefigurava Cristo com os pecados da humanidade sobre si na sua Paixão. Jacó não mentiu a seu pai, Isaac em seu leito de morte, porque tinha comprado de seu irmão, Esaú, o direito à primogenitura, e eximiamente os grandes Padres explicam toda essa ação em referência à Igreja e a Cristo — eram profecias em cada ação.

Eram famosos os festins de Salomão. Todos os dias eram postas sobre sua mesa trinta medidas de flor de farinha, sessenta medidas de farinha de outros cereais que não trigo, trinta gados gordos, cem carneiros, além de veados, corças, aves, etc., com produtos da caça (3Rs 4,22,23). Davi dava a cada israelita um bolo e um pedaço de carne assada quando eles subiam a Jerusalém, enquanto a arca permaneceu na casa dele antes de o Templo ser construído (2Rs 6,19).

Quando Isaac abençoou Jacó, quando marido e mulher se reconciliavam, quando Davi tomou refeição junto com Saul e quando o profeta jantou com Jeroboão, eles sentaram-se no chão, diante de uma mesa baixa, com os membros dobrados debaixo de si à moda oriental, e era dessa maneira que o povo simples comia, no tempo de Cristo. Nos dias dos reis de Israel, quem presidia à mesa sentava-se num pequeno tamborete (4Rs 4,10), como sinal de distinção. Foi esse o modo primitivo de tomar refeição em todas as nações. Durante a idade heroica na Grécia, eles sentaram-se à mesa (Homero, Il., X, 578; Od., I, 145). Paredes em ruínas em Korsabad, Níneve, Calne, etc., mostram os reis à mesa, sentados em cadeiras altas.

No transcurso do tempo, os reis e os nobres introduziram o divã, sobre o qual reclinavam-se durante as refeições. Acha-se pela primeira vez nas palavras do profeta:

“Vós que repousais em leitos de marfim, e vos estendeis languidamente nos vossos divãs” (Am 6,4)

“Tu te assentaste num leito de luxo, e uma mesa foi preparada diante de ti, sobre a qual puseste o meu incenso e o meu óleo.” (Ez 23,41)

A mesa era colocada na “sala de visitas” (1Rs 9,22) ou no aposento que chamavam de “quarto dos leitos” (4Rs 11,2). Na Pérsia, era chamado de “o aposento do rei” (Es 2,13). Os romanos chamavam-no triclinium (“três divãs”), porque os divãs ocupavam três lados da sala que tinha a mesa no meio.

Era essa a disposição da mesa e dos divãs no cenáculo durante a Última Ceia.

Nas festas dos ázimos, os convivas eram posicionados conforme o escalão e a dignidade, o lugar de honra situando-se à cabeceira ou à mesa transversal, onde se reclinava o dirigente do banquete, ou arquitriclino. Assim, Samuel pôs Saul à cabeceira da mesa quando convidou os trinta homens para conhecerem o futuro rei de Israel (1Rs 9,22). O lugar ficava geralmente pegado à parede, onde Saul assentou-se na sua cadeira presidencial, quando tentou matar seu rival Davi (1Rs 22,25). Nos dias dos reis eles sentavam-se, mas mais tarde aprenderam com os gregos ou os romanos a reclinar-se à mesa (Pv 23,1). O costume de reclinar-se foi introduzido no tempo dos profetas (Am 6,4-6; Tb 2,3; Ez 23,41), quando pela primeira vez se mencionam os divãs nas Sagradas Letras. Os escribas e fariseus, cheios de orgulho, procuravam os primeiros lugares nos festins (Josefo, Antiguid. jud., CIV, 11, 9) e queriam ser os primeiros em todos os lugares públicos (Lc 2,43).

O rei Assuero, com Ester, sua rainha, e seu primeiro-ministro, Amã, reclinaram-se em divãs durante o banquete, e, quando Amã implorou pela própria vida, caiu no divã da rainha para suplicar-lha, e o rei pensou que ele quisesse violar a rainha e ordenou que fosse crucificado (Es 7,8).

Os divãs ou coxins eram colocados com sua cabeceira próxima à mesa, e Cristo e seus Apóstolos reclinaram-se sobre o cotovelo esquerdo numa pequena almofada e pegaram a comida com a mão direita. Os divãs eram tão amplos que mais de uma pessoa podia reclinar-se sobre cada um. Amigos íntimos reclinavam-se juntos num divã, muitas vezes deitando a cabeça no peito do amigo. Reclinando-se desse modo, trocavam-se confidências (Plinio, Epist. IV, 22). João deitou a cabeça sobre o peito de Jesus, e o Senhor confidenciou-lhe que Judas estava prestes a traí-lo (Jo 13,23-25).

As mesas formavam um “U”, de modo que os servidores podiam entrar no meio delas, um dos lados ficando aberto. O Senhor reclinou-se à cabeceira, como Mestre do “grupo” que celebrava a páscoa. Ao longo do lado exterior das outras mesas reclinaram-se os Apóstolos — seis olhando de frente para os outros seis. A mesa transversal em que estava Cristo formava o altar, sobre o qual ele ofereceu o Sacrifício Eucarístico; conhecida como “a mesa do Senhor”, deu origem ao altar nas igrejas em todos os ritos cristãos. Essa mesa estava na biqueira da ferradura, e os Apóstolos à sua direita e esquerda em suas posições deram origem àquele costume pelo qual, na Igreja primitiva, o celebrante rezava Missa de frente para o povo. Isso pode ser visto na posição do altar principal da Basílica de São Pedro, em Roma, que se ergue sobre o corpo do apóstolo. Os seis apóstolos, assim, nos lados da ferradura uns defronte aos outros, deram origem às cadeiras no coro de nossas igrejas e ao posicionamento do clero em nosso presbitério ou santuário.

Lavar as mãos, por serem mergulhadas nas travessas, tornou- se um ato de religião entre os fariseus.

“Quem não lava as mãos antes de comer é culpado de um crime tão grande quanto o de comer carne de porco.”

“Quem deixa de lavar as mãos é digno de castigo aqui e na outra vida.” (Livro do Zohar, Gên. F. LX 2)

“Há de ser exterminado do meio do mundo, porque na lavagem das mãos estão contidos os Dez Mandamentos.” “É réu de morte.”

 

“Três coisas trazem pobreza, e fazer pouco caso de lavar as mãos é uma delas.” (Mishná, Shabbath, 62, 1)

“Quem come o pão sem lavar as mãos é como se tivesse frequentado uma meretriz.” (Rabi José)

“É melhor andar seis quilômetros até a água do que incorrer em culpa por não fazer caso de lavar as mãos.” (Talmude, Calla F., LVIII, 3)

“Quem não lava as mãos depois de comer é tão ruim quanto um assassino.” (Talmude, Tanchuma F., LXXIII, 2)

“O demônio Schulchan senta-se junto a mãos não lavadas e sobre os pães.” (Joma F., LXXVII, 2, Glos)

Numerosas citações dessas podem ser aduzidas para mostrar a importância atribuída por eles à lavagem das mãos antes das refeições. Cristo e seus discípulos não seguiram todas essas regras disparatadas, e os fariseus repreenderam-nos:

“Então aproximaram-se dele uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: ‘Por que os teus discípulos violam as tradições dos antigos? Pois não lavam as mãos quando comem pão.’” (Mt 15,1,2)

Antes de sentar-se à mesa eles lavavam as mãos, costume este que sobreviveu aos séculos. Pois antes de começar a Missa o celebrante lava as mãos na sacristia. No decorrer do banquete, eles lavavam-nas novamente em diversos momentos; o celebrante lava-as depois de pôr vinho e água no cálice e novamente no pós- comunhão. Como a comida deixava as mãos sujas após o banquete, eles lavavam as mãos no final, tal como faz o celebrante depois da Missa.

Depois de lavarem as mãos, os pés e concluírem outros preparativos, eles tomavam seus lugares ao redor da mesa, cada um postando-se de pé na frente do seu lugar. Toda refeição começava e terminava com orações. A páscoa judaica tinha início com as orações sinagogais que citaremos mais adiante. Durante as orações todos ficavam de pé, porque o judeu ficava em pé no Templo e na sinagoga ao rezar, o costume de ajoelhar-se vindo do exemplo de Cristo, que em sua agonia ajoelhou-se no horto (Lc 22,41). É por essa razão que os cristãos rezam antes e depois das refeições de pé diante da mesa, e é por isso que o clero fica de pé diante do altar enquanto reza Missa. Depois de tomarem os seus lugares à mesa, o senhor da casa ou líder do grupo começava assim:

O líder. “Demos graças.

Os outros. “Bendito seja o nome do Senhor desde agora e para sempre.

O líder. “Com a sanção dos aqui presentes.

Os outros. “Bendito seja o nosso Deus, de cuja liberalidade estamos para nos alimentar e pela bondade do qual nós vivemos.

Os outros. “Bendito seja o seu nome, sim, a ser bendito continuamente pelos séculos dos séculos.”

O líder repete a mesma oração e então recita orações diversas conforme as diversas festas.

Antes de começar a comer cada prato, o mestre-sala ou chefe da mesa tomava o prato e oferecia-o ao Senhor, tal como eram oferecidos no Templo os sacrifícios. Ele erguia-o até a altura de seus olhos, então o “agitava” em direção dos quatro pontos cardeais, traçando com ele uma cruz, dizendo: “Bendito és tu, ó Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que fazes brotar…” (aqui ele mencionava o tipo de comida que estava na travessa) “…da terra”. Foi dessa maneira que Melquisedec fez oblação do pão e do vinho, uma cerimônia do Templo que eles tinham grande cuidado em observar, especialmente na páscoa. O celebrante faz o mesmo quando faz oblação do pão e do vinho na Missa.

Os egípcios sempre rapavam a barba, como mostram as múmias de seus mortos. Quando José foi solto da prisão, antes de poder comparecer diante do Faraó, ele rapou a barba (Gn 41,14). Heródoto afirma que eles deixavam a barba crescer enquanto estavam de luto, mas rapavam-na em todas as demais ocasiões (Heródoto I. 36). Às vezes usavam barba postiça. Fazer a barba tornou-se um rito religioso entre eles, e os hebreus usavam barba como protesto contra as superstições egípcias e pagãs, porque os sacerdotes pagãos cortavam o cabelo e se barbeavam de formas peculiares em honra de seus deuses, donde a ordem do Senhor sobre “as pontas da barba” (Lv 19, 27; 21, 5. Ver Migne, S. Scripturae, II, 1157).

Com o escoar dos tempos, a barba veio a ser grandemente honrada entre os hebreus, e no tempo de Cristo todos usavam barba, costume visto ainda hoje no Oriente. Santo Agostinho diz: “A barba é um sinal de perfeição” (Enar. in Ps. CXXXII, in XII); “A barba de Cristo era sinal de seu poder divino” (Enar. in Ps. XXXIII, Ser. II, in IV); “é um sinal de virilidade” (De Civit. Dei, L. XXII, cap. XXIV, in IV). Os judeus de nossos dias, nos países antigos, usam barbas compridas, quais chefes árabes, como sinal de maturidade e de autoridade.

Vestindo preciosos trajes brancos, por vezes de tecido de ouro, ricamente bordados (Ecl 9,8; Mt 22,11,12), eles celebravam esses festins com pompa e cerimônia, e as famílias ricas exibiam suas riquezas nos aposentos decorados, nas roupas suntuosas (Gn 18,6;27,8-9,43-44; Jó 36,16), na quantidade de comida e na variedade dos pratos (Am 6,4-5; Est 1,5-8, 7-9;2Esd 5,18-24). Havia velas e vasos de flores sobre a mesa, que ficava cheia de comestíveis até às bordas.

Dos gregos e romanos eles copiaram o costume de usar coroas de flores, coisa que o profeta condena (Is 28,1;Sb 2,7). A cabeça e os pés do comensal mais venerável era ungida com perfume valioso, como fez Maria Madalena durante o banquete dado por Simão, o leproso, em honra de Cristo, naquela tarde de shabat, em Betânia (Lc 7,38-46; Jo 9,11).

Recitavam-se poemas, música era tocada, grupos de moçoilas dançarinas apresentavam-se, enquanto os discursos, charadas, trocadilhos, piadas e todos os tipos de diversão predominavam (Santo Agostinho menciona os abusos dos banquetes romanos, De civit., L. III, CXXI; Sb 2, 6, 8; II Rs 19, 35; Is 5, 12, 25-6; Jz 14, 12; II Esd 8, 10; Ecl 10, 19; Mt 22, 11; Am 6, 5, 6; Lc 15, 25). O grande profeta fala dos adornos dos “sapatos”, “lúnulas”, “correntinhas”, “gargantilhas”, “braceletes”, “gorros”, “pingentes”, “enfeites de tornozelo”, “amuletos”, “chocalhos”, “brincos”, “anéis”, “joias pendentes sobre a fronte”, “toaletes”, “túnicas curtas”, “vestidos de gala”, “alfinetes de encaracolar o cabelo”, “espelhinhos”, “xales”, “mantilhas”, “caixinhas de perfumes”, “cintos”, “cabelos ondulados”, “corpetes”, etc. (Is 3,18-24), usados nessas festas e banquetes.

Os festejos duravam às vezes a semana inteira, e mesmo duas semanas (Gn 29,27; Jz 14,12; Tb 11,21). Os casamentos de virgens duravam dias e deram origem às celebrações de casamento do nosso tempo. O noivado era soleníssimo, realizava-se no Templo, onde o sacerdote abençoava o casal, como quando José e Maria se desposaram (Lc 1,27).

Mel, sal, azeite e manteiga sempre se usavam nesses banquetes. Não encontramos registro de condimentos, tendo estes chegado mais tarde ao mundo ocidental, oriundos da Índia (Ct 6,5,13). O vinho jorrava em abundância. O açúcar não sendo conhecido, usava-se mel em seu lugar. A mãe presidia à preparação da refeição (Pv 9,2,5, etc), sendo bife o prato principal (Mt 22,4). Naquele clima quente, o vinho era diluído bastante com água, e era bebido perto do fim do festim. Com frequência era misturado a substâncias aromáticas, cuja fragrância enchia o salão do banquete (Est 5,6; Ct 8,2). Os vinhos feitos de frutos da palmeira, chamados sekar, eram muito populares, especialmente entre os pobres, mas eram proibidos aos sacerdotes durante o seu ministério (Lv 10,9; Nm 6,3; Dt 14,26, etc).

Perto do fim do banquete, um servente punha carvões em brasa num turíbulo, espargia incenso sobre eles, entrava no meio das mesas e, indo de conviva em conviva, agitava o incenso diante de seus rostos, para honrar a barba de cada um, sinal de sua virilidade. Todos ficavam em pé durante essa incensação, em memória do incenso do Templo e das orações que ali se ofereciam a Jehová de seus pais, porque todos ficavam de pé quando rezavam no Templo. Esse rito chega até nós na cerimônia da incensação do clero e do povo durante Missas solenes.

A modéstia e a temperança predominavam, conforme as palavras do Senhor:

“E comerás na presença do Senhor teu Deus, no lugar que ele escolher para aí ser invocado o seu nome” (Dt 14,23).

A palavra vertida aqui como “Senhor”, no original hebraico, é Shekiná: “a Presença Santa”.

Eles enviavam da mesa alimento para os pobres, seguindo as ordens do Senhor.

“Não faltarão pobres na terra da tua habitação, por isso eu te ordeno que abras a mão para o teu irmão necessitado e pobre” (Dt 15,11).

Repletos de sentimento religioso, governados por regras estritas, esses festins eram tipos ou figuras do grande banquete pascal. Os escritores talmúdicos contam-nos que não havia alimen¬to posto sobre a mesa que fosse honrado como o pão. Esse pão não era misturado com nenhum outro alimento, nem jogado num prato, nem dado para um cão, pois era como o pão posto diante do Senhor, todo shabat, no Templo. Assado para a páscoa judaica, era recebido com os mais elevados sentimentos religiosos. Prenunciava o pão utilizado como hóstia na Missa. Seguindo o costume pascal, enchia- se uma taça de vinho para Elias, João Batista predito pelos profetas a vir e preparar o caminho para o Messias.

Eles acreditavam que Elias, tipo profético de Cristo, estava presente a todo banquete; sem ser vistos, anjos rodeavam a mesa, porções eram reservadas para eles, e no fim os fragmentos eram cuidadosamente recolhidos. Depois de alimentar cinco mil com cinco pães, Cristo seguiu esse costume, quando disse a seus discípulos:

“Recolhei os fragmentos que sobraram, para que não se percam.” (Jo 6,12)

Terminado o banquete, eles punham de parte, com cuidado, a faca de trinchar e as louças, e dobravam os guardanapos pondo cada um diante do seu prato, e todos juntos, seguindo o costume pascal, recitavam o Salmo 66: “Deus tenha piedade de nós, e nos abençoe”, etc. O mestre de mesa, tendo purificado seu copo, ou cálice de metal precioso, com água, enche-o de vinho, derramando dentro dele um pouco d’água, toma o pão sem fermento em suas mãos, parte um pedacinho e o distribui a cada um. Tomando o cálice de vinho, dele bebe e passa-o para cada conviva beber, dizendo:

O mestre. “Amigos, bendigamos Aquele de cuja bondade nos alimentamos.”

Os outros. “Bendito seja Ele, que nos cumulou de seus dons e em cuja bondade vivemos.”

Depois de todos terem bebido dele, o mestre bebe o que resta no seu cálice e recita uma longa oração, que variava conforme a solenidade. Levantando-se então da mesa, eles lavam as mãos, dando graças a Deus, que alimenta todos os animais e os homens, que fez seus pais saírem do Egito e adentrarem a Palestina e firmou a aliança com eles para serem o seu povo. São Jerônimo diz que eles rogavam ao Senhor que enviasse Elias, a fim de preparar o caminho para o tão aguardado Messias, a fim de restaurar a dinastia de Davi e recebê-los todos no banquete paradisíaco nos céus, etc.

Depois do banquete, o que sobrava era entregue às crianças, aos criados e aos pobres. Essas sobras eram chamadas de “migalhas que caíram da mesa”. Assim, Adonibezec gloriava-se de que “setenta reis, com os polegares das mãos e dos pés mutilados, recolhiam as sobras que caíam da mesa” dele (Jz 1,7). Cristo e a mulher cananeia conversaram sobre as migalhas que caíam da mesa e que eram dadas às crianças e aos cachorrinhos (Mt 15,20). Lázaro as recebia da mesa de Dives (Lc 16,21), os sacerdotes de Bel tomavam-nas à mesa do ídolo quando se introduziam à noite em seu templo (Dn 24). A partir desses exemplos, ficamos sabendo que a mesa no tempo de Cristo estava acima do piso quase tão alta quanto as mesas em nosso tempo.

Os hebreus celebravam certos banquetes no Templo, onde eles se reuniam em adoração diante do Senhor.

“E comerás na presença do Senhor teu Deus, no lugar que ele escolher para aí ser invocado o seu nome, o dízimo do teu trigo e do teu vinho, e do teu azeite, e dos primogênitos do teu gado e do teu rebanho, para que venhas a temer o Senhor teu Deus a todo o tempo.” (Dt 14,23)

“Tomarás as primícias de todos os teus frutos, e as porás num cesto, e irás ao lugar que o Senhor teu Deus tiver escolhido, para que aí seja invocado o seu nome”, etc (Dt 26,2). A palavra hebraica, traduzida aqui como “Senhor”, é Shekiná.

Estes, os judeus chamavam de “festins de devoção”. Eles celebravam no Templo um banquete santo na primavera, depois de recolhidas as primícias dos frutos da lavoura e depois de pagos os dízimos aos sacerdotes.

As famílias também celebravam banquetes no Templo, aos quais eram convidados seus parentes, amigos, os sacerdotes, os levitas e os pobres.

Seguindo esse costume, os primeiros cristãos celebravam os banquetes chamados por eles de ágapes (do grego para “amar”), os quais eram conhecidos como “banquetes do amor” ou “festins da amizade”, em memória da Última Ceia do Senhor (Ver Dic. Arch. et Philos. de Bible, Calmet). Eles realizavam esses banquetes nas igrejas, depois das orações vespertinas (Migne, Cursus Comp. S. Scripturæ, III, 800) e do sermão. Primeiro celebravam a Missa, recebiam a Comunhão, depois realizavam o banquete. Naquela era apostólica, antes de serem construídas as igrejas, seguindo o exemplo de Cristo eles ofereciam o Sacrifício Eucarístico nas casas particulares, ao entardecer, jejuando o dia todo antes de tomarem a Comunhão. Mas alguns chegavam embriagados, atraídos pelo banquete, e surgiram abusos entre o povo de Corinto, aos quais escreveu São Paulo:

“Quando vos reunis, pois, num mesmo lugar, não é já para comer a Ceia do Senhor. Porque cada um toma antes a sua própria ceia para comer, e de fato, um tem fome, e outro está embriagado. O que, não tendes casas para lá comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus, e envergonhais os que não têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto não vos louvo.
“Porque eu recebi do Senhor, isto que também vos entrego a vós, que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo, que será entregue por vós. Fazei isto em memória de mim.
“De igual maneira também o cálice, depois de ter ceado, dizendo:
“Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue. Isto fazei todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
“Porque todas as vezes que comerdes este pão, ou beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor até que ele venha. Portanto, todo aquele que comer este pão ou beber este cálice indigno, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se a si mesmo o homem, porém, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque quem o come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação, não discernindo o corpo do Senhor.” (1Cor 11,20 a 29)

Nada pode ser mais claro do que essa doutrina da presença real de Cristo na Eucaristia. Esses “banquetes do amor” continuaram sendo celebrados nas igrejas por séculos. Mas tornaram-se tamanha fonte de escândalo e de desordens que, no Ano do Senhor 397, o Concílio de Cartago proibiu-os, e caíram em desuso. Os franceses, porém, com suas maneiras que não sofrem mudança, e outros povos europeus continuam com uma sombra daqueles, no “pão bento” que distribuem na igreja aos domingos, e em algumas das grandes solenidades festivas.

Foto do Cenáculo em Jerusalém
Cenáculo em Jerusalém
Foto do interior do Cenáculo em Jerusalém
Interior do Cenáculo em Jerusalém

Estas fotos mostram o lado de fora e o interior do cenáculo em seu estado atual, mal tendo mudado desde o tempo de Cristo.

Os degraus de pedra que levam ao terraço estão à tua direita, mas não foram enquadrados pela fotografia. Tu caminhas por cima do terraço de pedra e entras na histórica “sala superior”, iluminada pelas janelas que aparecem na foto.

A foto do interior mostra o Bimá, ou santuário, fechado por uma grade de ferro. No fim do aposento, à tua direita, está a escada¬ria de pedra que conduz ao catafalco que fica sobre as relíquias de Davi, de Salomão e dos Reis. A mesa da Última Ceia estava no meio desta sala, entre as duas grandes colunas que aparecem na foto.

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