Meditação para a Festa dos Santos Inocentes
SUMARIO
Consideraremos na nossa oração:
1.° Que felicidade foi para os santos Inocentes morrer por Jesus Cristo;
2.° Que felicidade é para todo o cristão padecer, ainda que inocente.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De reputar os dissabores da vida presente como penhores da felicidade futura, e de aceitar de boa vontade as adversidades que Deus nos enviar;
2.° De nos lembrarmos muitas vezes das palavras do Apóstolo:
“Por uma tribulação momentânea e ligeira, um peso eterno de glória” – Momentaneum et leve tribulationis nostrae… aeternum gloriae pondus operatur in nobis (2Cor 4, 17)
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São Pedro:
“Bem-aventurados os que padecem pela justiça” – Si quid patimini propter justitiam, beati (1Pd 3, 14)
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo vindo ao mundo para o salvar, e perseguido pelo mundo, que quer matá-lO. Que contraste de bondade e de malícia! Louvemo-lO por esta bondade; roguemos-Lhe que perdoe esta malícia, e digamos com um coração terno e humilhado: Quão bom é Deus, e quão pouco vale o homem.
PRIMEIRO PONTO
Que felicidade foi para os Santos Inocentes
morrer por Jesus Cristo
1.° Morrer em lugar de Jesus Cristo, derramar o próprio sangue para poupar o dEle: quem não sente quanta glória ha nisto para os Santos Inocentes, e com que honra os terão acolhido todos os justos da antiga lei, aos que foram anunciar a vinda do Messias tão esperado?
2.º Dar testemunho a Jesus Cristo, não com a palavra, mas com o sangue, como o canta a Igreja (1); principalmente ser os primeiros a dar-lhe este testemunho, os primeiros no caminho do martírio, às primeiras vítimas imoladas como tenros cordeiros para celebrar o nascimento do Cordeiro imaculado, que vinha apagar os pecados do mundo, as primeiras flores dessa messe de mártires, os primogênitos da Igreja, que o Salvador vinha fundar: quem compreenderá tanta felicidade?
3.° Triunfar do mundo antes de O conhecer, não ter recebido a vida senão para a sacrificar e conquistar, tão pouco tempo depois do nascimento, uma eterna bem-aventurança: não é isto também uma grande felicidade? Se estes Santos Inocentes tivessem vivido mais tempo, talvez, em lugar de serem do número dos bem-aventurados, tivessem sido do número dos que crucificaram a Nosso Senhor, e que foram depois eternamente condenados. As suas mães, que não conheciam este mistério da graça, choraram inconsoláveis. Assim fazemos nós também em certos acidentes, que todavia não são senão os efeitos da misericórdia divina. Aprendamos daqui a entregar-nos com confiança e amor nas mãos da Providência que, sabendo melhor do que nós o que nos convém, sabe tirar o bem do que nos parece mal, e dispõe tudo para maior bem dos seus escolhidos.
SEGUNDO PONTO
Que felicidade é o padecimento na inocência
Quando, com uma vida irrepreensível, padecemos com resignação, participamos da felicidade dos Santos Inocentes: justificamos não somente a nossa fé em Jesus Cristo, cabeça e modelo das almas pacientes, mas também o poder da Sua graça, que sustem sob o peso da cruz a fraqueza humana; a excelência da religião, que por si só forma as fortes e grandes almas; a magnificência das nossas esperanças além túmulo; finalmente a verdade dessas doutrinas evangélicas, em que repugna tanto ao mundo crer:
“Bem-aventurados os que padecem, bem-aventurados os que choram” – Beati qui patiuntur… Beati qui lugent (Mt 5, 10. 5)
“Folgai de serdes participantes das penalidades de Jesus Cristo…” – Communicantes Christi passionibus, gaudete (1Pd 4, 13)
“O que há de honra, de glória e de fortaleza, repousa sobre vós” – Quod est honoris, gloriae et virtutis Dei, et qui est ejus Spiritus, super vos requieseit (1Pd 4, 13)
É padecendo inocentemente, que estes Santos Inocentes alcançaram a felicidade eterna, e nenhum cristão a pode alcançar de outro modo. Estar inocente e padecer, é o carácter do predestinado; é a graça do amor de Deus no Paraíso; é o rasgo de semelhança mais perfeita com Jesus Cristo, e a mais segura garantia do céu. Oh! Quanto, pois, se enganam os que odeiam ou evitam o padecimento, os que o olham como um abandono de Deus, ou somente o suportam com uma má vontade, que lhes faz perder todo o seu mérito! Não estamos nós neste caso, e não caímos muitas vezes neste erro?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Deus, cujus praeconlum Innocentes martyres non loquendo, sed moriendo confessi sunt.
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo I, p. 129-132)