Tibieza e Pecado Venial
Meditação para o dia 10 de Novembro
A grande porta aberta para os tormentos do purgatório quando pela misericórdia não se precipitam muitas almas no pecado grave e no inferno, é a tibieza e o seu sintoma certo o pecado venial. Meditemos um pouco o mal da tibieza para vermos como é arriscado viver assim, sem procurar uma vida fervorosa, arriscando a própria salvação e preparando um horrível purgatório depois da morte. Vejamos o que é a tibieza:
A tibieza define-a Santo Afonso pelo que a caracteriza: o pecado venial.
A tibieza, diz o Santo Doutor, é o hábito do pecado venial plenamente voluntário.
“A tibieza é o hábito não combatido do pecado venial, ainda que seja um só. É um hábito fundado num cálculo implícito:
— Esta falta não ofenderá a Nosso Senhor gravemente, não me há de condenar. Pois vou cometê-la.
É um hábito dificílimo de se desarraigar da alma. E um hábito muito espalhado, sobretudo entre as pessoas que fazem profissão de piedade e entre as almas consagradas a Deus”.
É uma doença espiritual e das mais graves e perigosas. É o verme roedor da piedade. Micróbio terrível! Mina o organismo espiritual, sem que o enfermo o perceba. Enfraquece a pobre alma. Amortece as energias da vontade. Inspira horror ao esforço. Afrouxa a vida cristã. Espécie de langor ou torpor, diz Tanquerey, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz sem se dar por isso, enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se compará-la a estas doenças que definham, como a tísica, e consomem pouco a pouco algum dos órgãos vitais. É uma sonolência, um sistema de acomodações na vida espiritual.
O Pecado Venial
Há muitos sinais de tibieza, mas o que a caracteriza é o pecado venial deliberado e habitual. Vejamos a malícia do pecado venial, que é tão castigado no purgatório e que é causa de tantos suplícios das pobres almas:
Embora em grau inferior, o pecado venial oferece, todavia, as mesmas características de malícia que o pecado mortal.
A rainha Maria Teresa, de França, esposa de Luiz XIV, chorava uma falta venial. A delicada consciência da princesa a deixava inconsolável.
— Como? — Disseram-lhe — tanta lágrima por uma falta leve, um pecado venial?!
— Sim, pode ser venial, mas é mortal para o meu coração!
Tudo quanto ofende a Nosso Senhor nunca é leve ou coisa de somenos importância para uma alma fervorosa. E o pecado venial é uma ofensa a Deus. Há nele três circunstâncias agravantes:
1. Uma injuria à Majestade Divina.
2. Revolta contra a Autoridade de Deus.
3. Ingratidão à Bondade Eterna.
Quem comete facilmente o pecado venial, dificilmente escapará dos pecados mortais, afirmam experimentados mestres da vida espiritual.
“Por um justo castigo de Deus, diz Santo Isidoro, os que fazem pouco caso dos pecados veniais, das faltas leves, vêm a cair um dia nos maiores pecados”
Santo Agostinho tem uma frase que deve merecer de nós sérias reflexões. O pecado mortal é, segundo ele, uma montanha que esmaga, que mata, e os pecados veniais, grãos de areia. Acontece, porém, que o desprezo das faltas leves faz com que a alma venha a perecer como estes infelizes, que morrem sufocados sob um montão de areia. É verdade que só o pecado mortal dá morte à alma, e os pecados veniais, por mais numerosos que sejam, não nos podem tirar a graça santificante. Mas, diz São Gregório, o hábito dos pecados veniais tira aos nossos olhos a malícia do pecado grave, e em breve não receamos passar das faltas mais leves aos maiores pecados.
Consequência e Castigos da Tibieza
A tibieza prepara a impenitência final. — Será possível? Dirá alguém. Sim, a experiência o tem provado mil vezes. Tibieza é o abuso da graça, e o abuso da graça teve quase sempre, como consequência última, a impenitência final.
Deus non irridetur! — Com Deus não se brinca!
Conheceis a palavra de São Paulo?
A terra que bebe muitas vezes as águas da chuva e que só produz cardos e espinhos, está reprovada e próxima da maldição. Será entregue ao fogo e reduzida a cinzas (Hb. 6, 7). Deus nos chama, bate, bate mil vezes à porta do coração. É desprezado.
Ai! Um dia o candelabro da graça com todas as suas luzes será transportado para outro lugar: Eu mudarei teu candelabro (Ap. 2, 5). E ai! Meu Deus! Pobre alma! O abismo da impenitência final a espera. E ela sorri, presunçosa, dorme tranquila na inconsciência, na cegueira do seu lamentável estado!
Quando pela misericórdia divina uma pobre alma não chega pela tibieza ao abismo do pecado grave e à condenação, prepara para si um terrível purgatório. Um pecado venial é punido severamente nas chamas expiadoras. E quanto mais luzes e graças recebeu neste mundo uma alma, tanto há de pagar até ao último ceitil. As revelações particulares nos mostram almas padecendo no purgatório até séculos por um pecado venial!
Não abusemos da graça. Não digamos: é um pecado venial, não tem importância… Se soubéssemos e meditássemos melhor o que é o purgatório, não seriamos tão levianos e insensatos para viver na tibieza e cometer o pecado com tanta facilidade!
Exemplo: O noviço capuchinho revela o sofrimento do Purgatório
Os Anais dos Capuchinhos, Tomo III, e Rossingnoli nas suas Maravilhas das Almas do Purgatório, 56.°, contam este fato impressionante:
Num convento capuchinho, em 1618, um noviço muito fervoroso caiu enfermo e em poucos dias expirou. O Padre Guardião estava ausente e não pode lhe dar a última absolvição o que o penalizou muito e por isto multiplicou as orações e sufrágios pela alma do seu filho espiritual. Rezava pelo noviço depois de Matinas, no coro, quando a alma deste lhe aparece cercada de chamas:
“Ai! Meu Padre, não pude receber a vossa absolvição e havia cometido uma falta leve e por ela sofro horrorosamente no purgatório. Venho pedir a vossa bênção e uma penitência e ficarei livre.
— Meu filho, responde o Padre Guardião tremendo, eu te abençoo quanto posso e por penitência ficarás no purgatório até à hora da Prima somente
Faltavam duas horas para que os frades recitassem o Ofício. O Padre julgou uma leve penitência esta espera de duas horas no purgatório. Apenas ouviu isto, a alma do noviço soltou um gemido doloroso de arrepiar e desapareceu, dizendo:
Ah! Pai sem coração! Pai que não tem dó de um filho que padece tanto! Ó, não sabe que é sofrer no purgatório!
O Padre Guardião sentiu arrepiarem-se os cabelos, e trêmulo e pálido, compreendeu neste momento o que é o sofrimento do purgatório, onde cada minuto parece um século. Tocou logo o sino, reuniu a comunidade e mandou que se rezasse o Ofício imediatamente pela alma do noviço falecido, contando a terrível aparição. Fez a todos um sermão sobre o purgatório e a eternidade, repetindo as palavras de Santo Anselmo: Depois da morte a menor das penas que nos esperam é maior do que tudo que se possa padecer neste mundo. As menores faltas são punidas severamente.
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(BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. Tenhamos Compaixão das Pobres Almas! 30 Meditações e Exemplos sobre o Purgatório e as Almas. 1948, p. 80-84)