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História da Igreja 3ª Época: Capítulo III

Carlos Magno

Entre os reis escolhidos pela Providência para beneficiar de um modo especial a humanidade e a Religião deve-se certamente contar Carlos Magno, filho de Pepino, rei de França. Tendo os Longobardos devastado a Itália, despojaram de seu patrimônio aos pontífices, fazendo-lhes vis insultos. Pelos fins do século oitavo, governando a Igreja São Leão III, chegaram as coisas a tal ponto, que dois miseráveis tiveram o atrevimento de atirar-se sobre o Papa, e fazer-lhe graves feridas. Carlos Magno tendo-se feito protetor da Igreja, dirigiu-se para a Itália à frente de poderoso exército; passou o monte Cenis, derrotou, a poucas milhas de Susa, ao rei Desidério, que queria impedir-lhe o passo, restabeleceu a observância das leis por onde passava, e chegou finalmente a Roma. Carlos Magno ignorava por certo a recepção esplêndida que aquela cidade estava-lhe preparando. Adiantaram-se para recebê-lo o Papa, os príncipes, os barões romanos e franceses e uma multidão imensa de povo. Era dia de Natal, e o Papa, enquanto celebrava a Missa, disse em voz alta:

“A Carlos piíssimo, augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador, vida e vitória!”

Todos os presentes repetiram por três vezes em voz alta as mesmas palavras. Fora de si Carlos Magno por aquelas inesperadas aclamações, não sabia o que dizer nem fazer. Então o Pontífice o consagrou Rei e pôs-lhe na cabeça a coroa imperial. Ano 800.

Carlos Magno sobreviveu 14 anos àquele dia memorável, empregando-os todos em benefício de seus povos e da Religião. Cumulado de glória, e passavam eles as noites inteiras confessando aos que deviam combater no dia seguinte.

Domínio temporal dos Papas

Entre as grandes obras de Carlos Magno deve-se enumerar a de ter restituído ao Romano Pontífice o domínio temporal que quase em sua totalidade tinha sido invadido por Desidério, rei dos Longobardos. Entende-se por domínio temporal dos Papas o poder civil que o acatamento voluntário dos povos deu aos Sumos Pontífices sobre considerável parte da Itália, compreendendo também a cidade de Roma. Nos primeiros tempos do cristianismo os fiéis que possuíam alguma coisa a levavam aos pés dos Apóstolos para se servirem dela segundo suas necessidades, dando uma parte aos pobres, e provendo o sustento dos ministros sagrados. A Igreja, porém não deve tratar somente do sustento material dos ministros sagrados, senão também do bem moral de todos os cristãos espalhados em todas as partes do mundo. Daí nasce a necessidade de que a Igreja possua um lugar, em que possa com plena liberdade ensinar a verdade e exercer seu ministério com independência de outro poder civil qualquer. Jesus Cristo foi crucificado porque anunciava com inteira liberdade o Evangelho; os Apóstolos que o pregaram com igual franqueza foram martirizados, e todos os Papas que precederam a Constantino morreram para defender sua fé; e isto por quê? Porque lhes faltava, um lugar a propósito, donde pudessem proclamar a verdade sem depender da vontade de outros.

Constantino o Grande convenceu-se logo, apenas conheceu o cristianismo, de que os Romanos Pontífices deviam ser livres no exercício de seu apostólico ministério: por isso subministrou-lhes meios materiais para viver, e deu ao Papa o palácio de Latrão e vastíssimas possessões. Considerasse este como o primeiro domínio dos Papas. Em seguida este imperador transladou seu trono para Constantinopla; desde então começou a ser Roma não já a capital de todo o império romano, senão a capital de um território que pouco a pouco foi propriedade do Papa e da Igreja. Ligaram-se a Roma as cidades de Ancona, Umana, Pésaro, Fano e Rimini, que por serem cinco se chamaram Pentápolis. Quando o imperador Leão Isáurico se declarou, como já se disse, contra as sagradas imagens, pretendia que o Sumo Pontífice Gregório II as fizesse em pedaços na mesma cidade de Roma, e dispersasse as relíquias dos mártires, negando assim a intercessão dos santos perante Deus em proveito nosso, Gregório negou-se com firmeza a obedecer; então Leão enviou perfidamente a Roma alguns sicários para que lhe dessem morte aleivosa e despojassem as igrejas; porém o povo romano defendeu a pessoa do Papa, e rechaçou com as armas os soldados imperiais. Depois deste fato o senado e o povo se declararam independentes de um tirano herege e perseguidor, e se puseram da parte dos Papas para que os socorresse e fizesse justiça. Em princípios do século VIII o domínio temporal dos Papas já se achava pacificamente constituído por acatamento voluntário dos povos, e por aprovação tácita senão expressa, dos soberanos. Roma com seus territórios forma um estado suficientemente grande para a Igreja e para que os Papas gozem de independência em sua casa: porém bastante pequeno ao mesmo tempo para que estes não possam chegar a ser grandes potentados como os da terra. Por conseguinte os reis de França, Pepino e Carlos Martelo, não deram aos Papas todos os seus domínios temporais, mas somente algumas cidades, e Carlos Magno defendeu, reconheceu e confirmou solenemente tais doações.

Reconheçamos pois que o domínio temporal é necessário aos Papas, para que possam exercer livremente o seu augusto ministério, e sobretudo proclamar a verdade a todos os homens, ainda que sejam capitais inimigos do Evangelho; para que possam também obrigar a todos, inclusive príncipes e soberanos, a honrar as leis de Deus e da Igreja: por último para que se achem em atitude de oferecer a todos os homens do mundo um meio seguro, para melhor dizer, o meio mais acertado para acudir ao Pai universal dos homens, e de ir, quando melhor lhes aprouver, visitar e reverenciar ao Vigário de Jesus Cristo. Assim, pois, este governo civil da Santa Sé, não pertence absolutamente a nenhum outro soberano, nem ainda aos habitantes dos Estados Romanos, senão que realmente é propriedade dos católicos do mundo inteiro, que, quais filhos afetuosos, sempre concorreram e ainda tem obrigação de concorrer, para conservar a manter a liberdade e independência de seu Pai espiritual, do Chefe visível do cristianismo.

Os mártires de Bagdá

Tendo-se declarado naquele tempo uma guerra sanguinolenta entre Teófilo, imperador de Constantinopla, e o Califa, foram presos muitos cristãos e conduzidos à Bagdá cidade que se ergue hoje onde se achava a antiga Babilônia. Tentou-se primeiramente fazê-los prevaricar; porém tendo permanecido firmes na fé foram atados e postos em escuros calabouços. Todo o seu alimento consistia em escasso pão e água, e dormiam sobre a terra nua, cobertos de miseráveis andrajos. Alguns sedutores exortava­-os a abandonar a Jesus Cristo para seguir a Maomé; mas aqueles generosos confessores respondiam em alta voz a suas exortações:

“Seja anatematizado Maomé e sua doutrina”

Enfurecidos por isto os Muçulmanos, os encarceraram amarrando-lhes as mãos por detrás das costas e os levaram assim às margens do no Tigre, onde em número de 42 coroaram com o martírio sete anos de penosíssimo cárcere. Ano 845.

São Leão IV

Contam-se entre as calamidades daqueles tempos as correrias dos Sarracenos, que, vindos do Oriente para os países ocidentais, infestavam também a Itália causando gravíssimos males por todo o lugar, onde passavam. Aflito o Papa Leão IV, porque muitos fiéis, despojados de seus bens, se viam obrigados a errar nos bosques, pôs em campo toda sorte de esforços para ajudá-los; e para assegurar a cidade de Roma contra a ferocidade daqueles inimigos fez construir uma série de casas entre Castelo Sant’Angelo e o Vaticano murou-as e as incorporou ao resto da Cidade da qual as separava o Tevere. Esta nova parte foi chamada cidade Leonina ou Leópolis em honra do Pontífice que a edificara. São Leão IV também fundou e restabeleceu muitos mosteiros decorou e dotou grande número de Igrejas e foi muito pródigo em esmolas públicas e privadas Sua santidade foi assinalada com prodígios: extinguiu com efeito, com o sinal da cruz, um terrível incêndio que se tinha ateado em Roma, e com breve oração matou uma horrível serpente, que com suas picadas venenosas causava a morte a muitos cidadãos. Morreu no ano 855 depois de oito anos de pontificado e se conta no número dos Santos.

Perseguição na Espanha

Foi causa desta terrível perseguição um desventurado cristão que se tinha feito judeu. Este fez acreditar aos muçulmanos que acabavam de se estabelecer na Espanha, que seu estado correria grave perigo se não obrigassem os cristãos a se fazerem judeus ou muçulmanos. Renovaram-se então os espetáculos de heroísmo dos primeiros séculos da Igreja. Homens, mulheres, crianças, eclesiásticos e leigos ilustraram a fé, fazendo os mais heroicos sacrifícios. Entre os mártires desta perseguição é célebre São Perfeito. Perguntando-lhe um dia o que pensava de Jesus Cristo e de Maomé, respondeu:

“Jesus Cristo é Deus bendito sobre todas as coisas; Maomé é um daqueles sedutores que, segundo predisse o Evangelho, serão precipitados com seus sequazes nos abismos eternos”

Mal acabou de pronunciar estas palavras; os infiéis arrojaram-se ferozmente sobre ele e o decapitaram. Muitas mulheres tiveram tamanha coragem que se ofereceram espontaneamente aos verdugos, não as intimidando nem o fogo nem o ferro, que para elas havia sido preparado.

Mitigou-se um tanto esta perseguição pelo terrível golpe de vingança divina sobre Aderramen II, seu ator. Achava-se este sobre um terraço recreando-se com o espetáculo da multidão de mártires que queria oferecessem sacrifícios, quando de súbito lhe sobreveio um acidente que o deixou sem vida. Não obstante isto, Maomé seu filho continuou a perseguição que durou 60 anos, isto é, desde o ano 822 até o ano 882. Somente na cidade Caradigna foram degolados em um só dia mais de duzentos monges, cujo sepulcro se tornou glorioso por um fato extraordinário que ainda hoje se renova. O pavimento debaixo do qual se guardam as suas relíquias, vê-se todos os anos transpirar sangue vivo no aniversário do dia em que conseguiram a coroa do martírio.

Heresia de Godescalco

Entre os males que afligiram a Igreja no século nono, conta-se a heresia de Godescalco. Estimulado por sua vanglória, fez-se, monge beneditino na cidade de Orbais, diocese de Soissom, esperando nesciamente conseguir honras e riquezas na profissão religiosa. Excitado, porém, pelo desejo de mais ampla liberdade, saiu do convento e andou errante pela Itália, ensinando que Deus predestinou inevitavelmente uns para a glória e outros para o inferno; que Deus não quer que todos se salvem, e outros erros deste jaez.

Notingo, bispo de Verona, foi um dos primeiros a denunciar seus seguidores sendo logo condenados em diferentes concílios por muitos insígnes prelados. Seu bispo metropolitano, Incmaro de Reims, fez tudo o que pode para trazê­-lo a melhores sentimentos: porém trabalhou em vão; por isto foi degredado, desterrado e mais tarde preso, mas não deixou o herege de sustentar suas impiedade até a morte. Seus erros foram depois de muitos séculos reproduzidos por Lutero e Calvino.

Cisma de Fócio

Mal se tinham apaziguado no Ocidente as turbulências suscitadas por Godescalco e outros hereges, apareceu o fatal cisma grego; que foi causa de que a maior parte dos cristãos da igreja oriental começasse a se separar da unidade da Igreja Católica, da qual desgraçadamente ainda permanecem separados, não tendo sido suficientes para atraí-los os carinhosos esforços dos Romanos Pontífices. Fócio, seu autor, recebera da natureza, junto com raro talento, uma índole vaidosa e ardente; esta e os laços de parentesco que o uniam ao imperador do Oriente influíram para que se abrisse caminho para os cargos de primeiro escudeiro e primeiro secretário imperial. Sua nova dignidade, suas abundantes riquezas e sua vasta erudição fizeram-lhe crer que ninguém era mais digno do que ele para ocupar o patriarcado de Constantinopla. Ocupava então aquela sé Santo Inácio, homem de grande virtude e elevado saber. Este não cessava de censurar o escandaloso procedimento do imperador Bardas, a quem recusara dar a santa comunhão em uma solenidade. Soube Fócio aproveitar-se dos vícios e da cólera do soberano contra Inácio, ao qual, com efeito, por meio de fraude e de prepotência, conseguiu retirar daquela sé, e desterrar. Despojou­-se logo Fócio dos hábitos seculares fez-se monge no mesmo dia, no outro dia fizeram-no leitor, ao terceiro dia subdiácono, ao quarto diácono, ao quinto sacerdote, ao sexto bispo e patriarca de Constantinopla. Ano 858.

Mas sabendo muito bem que sua eleição não seria válida, se não a confirmasse o Papa, escreveu ao Pontífice Nicolau I uma carta, em que por meio de mentiras tratava de caluniar a Santo Inácio e de justificar-se a si próprio para ganhar o favor do Pontífice. Mas este, conhecedor de seus manejos deixou em sua sé Santo Inácio que fora tratado barbaramente, e declarou que Fócio era um intruso, absolutamente indigno de ocupar o patriarcado de Constantinopla em lugar de Inácio. Estava preparando a condenação daquele cismático quando Deus o chamou a Si para recompensá-lo de suas fadigas.

Oitavo Concílio Ecumênico

Adriano II pôs em campo o que seu antecessor tinha idealizado, com o fim de sufocar o cisma nos seus princípios, e convocou um concílio em Constantinopla, que é o oitavo ecumênico. Fócio foi citado para se apresentar; porém não o permitiu sua consciência culpável; por isso foi preciso levá-lo ali a força. Quando lhe foi perguntado porque se atribuía o caráter de chefe da Igreja universal – pois esta era sua principal pretensão -, não respondeu, ou limitou-se a dar algumas respostas insolentes. Em vista disso os Padres do Concílio e os legados do Papa o excomungaram, e foi desterrado por ordem do imperador, ao passo que se restitui a Santo Inácio sua primeira dignidade. Ano 870.

Todavia, quando morreu santo Inácio, Fócio conseguiu, à força de enganos, introduzir-se de novo na sé donde tinha sido expulso. Desde a transladação da capital do Império de Roma para Constantinopla, os bispos desta cidade pouco a pouco chegaram a ter autoridade sobre a Tracia, a Ásia e o Ponto, e até pretenderam o título de Patriarca ecumênico, isto é, universal. Os Papas se opuseram a tais pretensões, pois era querer igualar-se ao Romano Pontífice. A vaidade porém dominou a muitos daqueles patriarcas e o orgulho dos imperadores do Oriente não deixou es­quecer esse título que o mesmo Fócio, em sua am­bição, quis tomar. Este durou pouco tempo, por­que encerrado finalmente em um mosteiro, mor­reu nele impenitente no ano 891.