Capítulo XXXIX
O verbo eterno, desde o primeiro instante de sua conceição, viu apresentar-lhe ante si todas as almas dos filhos de Adão; viu ao mesmo tempo apresentar-lhe o quadro terrível dos sofrimentos, à custa dos quais devia remi-los. Assim do primeiro instante de sua existência no tempo viu e conheceu perfeitamente Jesus Cristo as almas de todos os homens que lá desde o começo do mundo tinham povoado a terra, bem como as de todos os que deviam povoa-la até à consumação dos séculos. Viu e conheceu portanto também a minha, ele a viu coberta de pecados, envolta em densas trevas, falta de tudo. E esta vista, longe de o levar a repelir-me como um objeto de horror, comoveu as entranhas da sua misericórdia, e aceitou para logo todos os sofrimentos que mais tarde padeceu no curso da sua vida, e particularmente em sua morte. Nenhum interesse próprio tinha para assim obrar, nem para aceitar tantos sofrimentos; o amor, o amor por minha pobre alma, eis o seu mover; o amor fê-lo nascer num presépio, o amor fê-lo morrer numa cruz. Condenado estava eu ao inferno, e ele ofereceu-se por meu resgate; nascera no ódio de Deus, e ele ofereceu-se para destruir este ódio; nem sequer pensava em ama-lo; em minha funesta cegueira, só para ofendê-lo vivia, e ele foi o primeiro a amar-me, e se ofereceu para dar-me uma prova esplêndida do seu amor, e para me atrair a amá-lo. E seria eu insensível a tão excessiva ternura do meu Deus? Se o meu Jesus me ama tão ardentemente, poderei eu recusar-lhe uma justa compensação? Por certo que não.Oblatus est qui ipse voluit - "Foi imolado porque quis" (Is 53, 7)