Parte IV Capítulo XII
A tristeza pode, pois, ser boa ou má, conforme os diversos efeitos que em nós opera; mas em geral ela opera mais maus do que bons, porque os bons são só dois: a misericórdia e a penitência; e os maus são seis: o medo, a indignação, o ciúme, a inveja, a impaciência e a morte; pelo que diz o sábio: a tristeza mata a muitos e a ninguém aproveita. O inimigo serve-se da tristeza para tentar os bons até em suas boas obras, como se esforça também por levar os maus a se alegrarem de suas más ações; e, como ele não pode nos seduzir ao mal senão fazendo-o parecer agradável, assim também não nos pode apartar do bem senão fazendo-o parecer incômodo. Pode dizer-se que, sendo ele mesmo acabrunhado duma tristeza desesperadora por toda a eternidade, quer que todos os homens sejam tristes como ele.A tristeza que é segundo Deus, diz São Paulo, produz para a salvação uma penitência estável, mas a tristeza do século produz a morte.
Parte IV Capítulo XI
A inquietação não é simplesmente uma tentação, mas uma fonte de muitas tentações; por isso é necessário que diga algumas palavras sobre este assunto. A tristeza não é mais do que o pesar que sentimos de algum mal de que somos vítima, — seja ele exterior, como a pobreza, doenças, o desprezo; ou então interior, como a ignorância, securas espirituais, repugnâncias ao bem, tentações. A alma, pois, ao sentir-se em vista de algum mal, sente desgosto nisso e eis aí a tristeza. O desejo de livrar-se dessc mal e de ter os meios necessários para isso a segue imediatamente; até aqui é razoável o nosso procedimento, porque todos fogem, por n atureza, do mal e desej a m o bem.Parte IV Capítulo X
Considera de tempos em tempos que as paixões costumam mostrar-se principalmente em teu coração e, tendo-as conhecido, trata de estabelecer para ti normas de vida que lhes sejam inteiramente contrárias em pensamentos, palavras e obras. Por exemplo, se é a vaidade, pensa muitas vezes quantas misérias tem a vida humana, quanto sofrerá a tua consciência na hora da morte, por causa dessas vaidades, quanto são indignas dum coração generoso, devendo ser consideradas como brinquedos de criança. Fala muitas vezes contra a vaidade e, embora te pareça que o fazes constrangida, não deixes de falar dela com desprezo, porque, a força de falar contra uma coisa, acabamos por odiá-la, embora a estimássemos muito a princípio; deste modo te obrigarás, mesmo em razão de tua honra, a tomar um partido contrário a vaidade.Parte IV Capítulo IX
Quanto a essas tentações miúdas de vaidade, de suspeitas, de desgosto, de ciúmes, de inveja, de amizades sensuais e outras semelhantes tolices que, como moscas e mosquitos, vem passar por diante de nossa vista, e agora picam-nos a face, logo mais o nariz, a melhor maneira de lhes resistir, já que é de todo impossível ficar livre dessa importunação, é não nos apoquentarmos com elas. Nada disso nos pode prejudicar, embora nos aborreça, uma vez que estejamos firmes na vontade de servir a Deus. Despreza, pois, Filotéia, esses ligeiros ataques do inimigo e não penses mais neles, assim como nas moscas que deixas voar e voltejar ao redor de ti. E, quando os sentires, contenta-te simplesmente de repeli-los ocupando-te interior ou exteriormente com alguma coisa boa e especialmente com o amor de Deus.Parte IV Capítulo VIII
Ainda que tenhamos que combater contra as grandes tentações com ânimo inquebrantável e a vitória nos seja de suma utilidade, é todavia ainda mais útil combater as pequenas, cuja vitória por causa de seu número pode trazer tanta vantagem como a daqueles que venceram felizmente grandes tentações. Os lobos e os ursos são certamente mais para temer do que as moscas; as moscas, porém, são mais importunas e, experimentam mais a nossa paciência. É fácil não cometer um homicídio; mas é difícil repelir continuamente os pequenos ímpetos da cólera, que se oferecem em todas as ocasiões. É fácil a um homem ou a uma mulher não cometer adultério; mas não há igual facilidade em assim conservar a pureza dos olhos, não dizer ou ouvir com prazer nada daquilo que se chama adulações, galanteios, não dar nem receber amor ou pequeninas provas de amizade.Parte IV Capítulo VII
Logo que notes uma tentação, imita as criancinhas que, vendo um lobo ou um urso, se lançam ao seio do pai e da mãe ou ao menos os chamam em seu socorro. Recorre assim a Deus e implora o socorro de sua misericórdia: este é o meio que Nosso Senhor mesmo nos indica nas palavras:Se a tentação continua e se torna mais forte, abraça em espírito a santa cruz, como se estivesses vendo Jesus Cristo diante de ti; protesta- lhe que não hás de consentir; suplica-lhe que te defenda do inimigo e continua renovando esses protestos e súplicas até que passe a tentação. Fazendo esses protestos, não penses tanto na tentação mesma, mas olha unicamente para Jesus Cristo; porque, detendo com ele o teu espírito, poderia facilmente, se é forte, arrebatar o teu coração. Dá, pois, uma outra direção aos teus pensamentos, ocupando-te com alguma reflexão boa e louvável, que poderá também extinguir todo o deleite da tentação, pela posse que tomará de teu coração.Orai, para não caírdes em tentação.