Ego dixi: Dii estis, et filii Excelsi omnes – “Eu disse: Sois deuses, e todos filhos do Excelso” (Sl 81, 6)
Sumário. É com muita razão que os santos tinham os sacerdotes na mais alta estima. Quanto ao corpo místico de Jesus Cristo, que são todos os fiéis, os sacerdotes têm poder de livrar o pecador do inferno e fazê-lo herdeiro do paraíso. Quanto ao corpo real, é um ponto da fé que, quando o sacerdote consagra, o Verbo eterno desce do céu para esconder-se sob as espécies sacramentais. Oh dignidade sublime!… Procuremos sempre ter grande veneração para com os ministros de Deus, e, sendo sacerdotes, sejamos os primeiros a respeitar o nosso caráter sacerdotal, se desejamos ser respeitados pelos outros.
I. A dignidade do sacerdote e o respeito que lhe é devido dimanam do poder que ele possui sobre o corpo místico e sobre o corpo real de Jesus Cristo. Quanto ao corpo místico, que são todos os fiéis, o sacerdote tem o poder das chaves, isto é, o poder de livrar o pecador do inferno e fazê-lo herdeiro do paraíso. Deus mesmo quis obrigar-se a ratificar a sentença do sacerdote, a perdoar ou não perdoar, conforme o sacerdote absolve o penitente por estar disposto, ou não o absolve. Precede a sentença do sacerdote e Deus a subscreve.
Se o Redentor baixasse do céu a uma igreja e se sentasse num confessionário para administrar o sacramento da penitência e em outro se sentasse um sacerdote: se Jesus Cristo e o sacerdote ambos dissessem: Ego te absolvo – “Eu te absolvo”, os penitentes, tanto de um como de outro, ficariam igualmente absolvidos. – Que honra não seria para um súdito, se o rei lhe conferisse o poder de livrar da cadeia a quem quisesse! Mas muito maior é o poder que Jesus Cristo deu a seus ministros: o poder de livrar do inferno não só os corpos, mas também as almas.
Quanto ao corpo real de Jesus Cristo, é um ponto da fé que o Verbo incarnado se obrigou a descer às mãos do sacerdote que consagra, sob as espécies sacramentais. Causa pasmo o ouvir que Deus obedeceu a Josué, fazendo parar o sol ao mando dele: obediente Deo voce hominis (1) – “obedecendo Deus à voz do homem”. Mais pasmo, porém, causa o ouvirmos que em virtude de poucas palavras do sacerdote Deus mesmo obedece e vem sobre o altar, ou aonde quer que o chamem, e se põe entre as mãos do sacerdote ainda quando este fosse seu inimigo.
Jesus, uma vez vindo, fica inteiramente ao dispor do sacerdote. Toca ao padre, conforme quiser, encerrá-lo no tabernáculo, ou expô-lo sobre o altar, ou levá-lo para fora da igreja, ou tomá-lo para seu próprio sustento, ou dá-lo em alimento aos outros. Ó poder sublime do sacerdote! Ó bondade inefável do Redentor!
II. Sendo tão grande a dignidade dos ministros de Deus, tiveram razão os santos em terem para com eles sentimentos da mais alta veneração. São Martinho, convidado à mesa do imperador Máximo, bebeu primeiro à saúde de seu capelão e depois à do imperador. No Concílio de Nicea, Constantino Magno quis sentar-se no último lugar, depois de todos os sacerdotes e numa cadeira mais baixa. Quando Santo Antão se encontrava no caminho com um sacerdote, dobrava logo o joelho e não se levantava, enquanto não lhe tivesse beijado a mão e fosse por ele abençoado. Santa Catarina de Sena chegou a Beijar devotamente a terra que o sacerdote tinha pisado na sua passagem.
Meu irmão, seja qual for o teu estado, faze por imitar os santos na sua veneração para com os ministros de Jesus Cristo. Se tu mesmo tens a sorte ditosa de pertencer ao número dos sacerdotes, afim de ser respeitado dos outros, sê o primeiro a respeitar na tua própria pessoa, bem como na dos próprios colegas, o teu caráter sagrado. Estejam as tuas ações sempre em harmonia com a tua dignidade e conforme o preceito do apóstolo: “Mostra-te a ti mesmo em tudo um exemplo de boas obras, na doutrina, na integridade, na gravidade. Tua palavra seja sã, irrepreensível, para que o adversário se confunda, não tendo nenhum mal que dizer de nós.” (2)
Considerando em seguida que é por meio dos sacerdotes que se opera a salvação ou a ruína dos povos, que sobre eles vem a bênção ou a maldição, roga com ardor e insiste junto de Deus para que dê à sua Igreja ministros zelosos. É este um dos fins principais por que foram instituídas as Têmporas, nas quatros estações do ano.
Meu Deus, creio que entre todas as dignidades criadas a do sacerdócio é a mais alta. Creio-o, ó Senhor, e por isso prometo com o vosso auxílio estimar e venerar sempre todos os sacerdotes, por serem os vossos representantes na terra. Proponho também escutar àqueles que me queirais dar por Superiores, assim como escutaria a vossa própria voz, por terdes dito: Que vos audit, me audit, et qui vos spernit, me spernit (3) – “Quem vos ouve, a mim é que ouve, e quem vos despreza, a mim é que despreza”. Mas Vós, ó meu Deus, dai-me a graça de Vos ser fiel, e dai à vossa Igreja ministros zelosos, que sejam agradáveis a vosso Coração e convertam grande número de almas. – Peço-Vos esta graça pela intercessão de Maria Santíssima.
Referências:
(1) Js 10, 14
(2) Tt 2, 7
(3) Lc 10, 16
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 134-136)