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História da Igreja 1ª Época: Capítulo VI

São Lino Papa

Devendo a Igreja de Jesus Cristo durar até a consumação dos séculos e receber em seu seio materno todos os que quisessem se abrigar nele, também devia ter em todos os tempos um chefe visível que visivelmente a governasse, por isso alguém devia substituir São Pedro no governo da Igreja Universal! O primeiro sucessor de São Pedro foi São Lino, de Volterra, cidade da Toscana. Enviado a Roma por seus pais para cultivar os estudos, teve a felicidade de ouvir São Pedro que nesse tempo tinha começado a pregar o Evangelho naquela cidade. Instruído na fé por mestre tão distinto, tornou-se muito depressa fervoroso cristão. A virtude, a ciência e o zelo do discípulo influíram para que São Pedro o consagrasse sacerdote e o escolhesse para companheiro nas suas apostólicas peregrinações.

Acredita-se que quando São Pedro foi ao Concílio de Jerusalém, sagrou bispo a São Lino e o nomeou seu vigário em Roma, enquanto durava sua ausência. À sua volta confiou-lhe uma importante missão na Gália, que ainda se achava mergulhada na idolatria. Chegando este a Besançon, encontrou próximo às portas da cidade um tribuno chamado Arnósio o qual lhe falou do seguinte modo: “- Quem és tu e donde vens? – Venho de Itália, respondeu Lino. E para onde vais? – Vim aqui para pregar a religião de Jesus Cristo. – Que religião é essa?” Lino começou então a falar-lhe da verdadeira fé; desejando porém o tribuno que sua família também ouvisse o novo missionário, levou-o à sua casa. Ouvindo-o, todos se converteram e a casa de Arnósio se transformou em Igreja. Rebentando pouco depois a perseguição de Nero, Lino voltou a Roma para ajudar a São Pedro a quem efetivamente acompanhou no cumprimento dos deveres do santo ministério e depois governou a Igreja, durante a prisão dos Príncipes dos Apóstolos. Também acompanhou ao martírio o seu querido mestre, e depois de sua morte, com a cooperação de São Marcelo e outros fiéis, entre os quais se faz menção de um chamado Apuleio, o sepultou aos pés do monte Vaticano, junto ao circo de Nero, como lugar mais seguro. Isto prova que entre os comensais deste perseguidor havia cristãos ocultos, muito fervorosos e poderosos. Acreditasse que São Pedro receando que a Igreja, naqueles tempos calamitosos, ficasse sem pastor, nomeou aos santos Lino, Cleto, Clemente, e Anacleto para que sucessivamente fizessem suas vezes no pontificado; de acordo com isto São Lino sucedeu a São Pedro no ano 67 da nossa era. Durante seu pontificado deram-se muitos acontecimentos, entre os quais os mais notáveis são a morte de Nero e a destruição de Jerusalém.

Papa São Lino I, primeiro sucessor de São Pedro
Papa São Lino I, primeiro sucessor de São Pedro

Morte de Nero

Este tirano depois de ter posto em jogo toda sorte de crueldades contra os cristãos, caiu no desprezo dos seus súditos, que se rebelaram contra ele e proclamaram outro imperador chamado Galba. Esta nova causou tal espanto a Nero que fora de si arrojou à terra a mesa sobre que comia, quebrou em mil pedaços os vasos de grande valor, e deu com a cabeça contra as paredes da casa. Quando lhe foi levada mais tarde, a notícia de que o Senado o tinha condenado à morte, fugiu de seu palácio durante a noite, começou a correr pela cidade implorando o socorro dos seus amigos; porém estes o rechaçaram, porque os malvados não têm verdadeiros amigos. Buscando ainda algum meio de salvação, cobriu-se de um grande manto, e montado em um cavalo passou despercebido entre seus inimigos, ao mesmo tempo em que por todas as partes ouvia-se o grito de “morte a Nero!”. Chegando à casa de campo de seu criado chamado Fauno, tratou de esconder-se; porém vendo que ali estava rodeado de soldados, não sabendo o que fazer para não morrer em público, suicidou-se atravessando a garganta com um punhal. Assim morreu esse monstro, cruel entre os mais cruéis tiranos, e autor da primeira das dez grandes perseguições suscitadas pela política romana contra os cristãos (ano 71 da nossa era).

Suicídio do Tirano Imperador Nero
Suicídio do Tirano Imperador Nero

Ruína de Jerusalém e dispersão dos Judeus

A destruição de Jerusalém é um dos acontecimentos mais terríveis que se registram nas páginas da história. Os profetas tinham predito, com muitos séculos de antecipação, que os Judeus, por sua obstinação por desprezar o Evangelho, e como castigo do deicídio que tinham cometido na pessoa do Salvador, seriam expulsos dos seus países e viveriam dispersos por todo o mundo, sem rei, sem templos e sem sacerdotes, Jesus em termos ainda mais claros, também tinha vaticinado que os judeus seriam sitiados em Jerusalém e reduzidos a uma penúria inaudita; que se destruiria sua cidade, se incendiaria seu templo, e que se dispersaria seu povo; e acrescentou ainda que todas essas coisas se cumpririam antes que morresse aquela geração a que ele falava.

Deus, infinitamente, misericordioso, quis avisar mais uma vez aquele povo por meio da pregação, das admoestações dos Apóstolos, e de muitos sinais espantosos que nos narram vários historiadores entre eles alguns judeus. José Flavio, por exemplo, judeu douto, que teve grande parte naqueles desastres, conta, entre outras coisas, que no dia de Pentecostes se fez ouvir uma voz no templo, que sem se saber de onde saia, fazia ressoar estas palavras: “saiamos daqui, saiamos daqui”. Um homem chamado Anano que tinha ido da roça a Jerusalém para assistir à festa dos Tabernáculos, ainda antes de que se falasse da guerra, começou a gritar de improviso pelos ângulos da cidade: “Ai do Templo, ai de Jerusalém! Voz do oriente, voz do ocidente, voz dos quatro ventos; ai do Templo, ai de Jerusalém!” Foi preso, encarcerado, e açoitado quase até a morte; porém nem assim deixou de gritar pela cidade em voz alta as mesmas palavras durante três anos, até que um dia correndo sobre os muros, enquanto gritava: “Ai de mim mesmo!” foi ferido por uma pedra e morreu.

Certa vez, pelas nove da noite resplandeceu ao redor do templo e do altar uma luz tão viva, que pelo espaço de meia hora pareceu estar em pleno dia; outra vez uma porta do templo, de bronze tão pesada que para move-la eram precisos vinte homens, achou-se aberta por si, e sem que ninguém a tocasse. Alguns dias depois, em todas as povoações circunvizinhas viram-se no ar, ao redor de Jerusalém, exércitos em ordem de batalha, que cercavam e davam sinais de querer tomá-la de assalto. Apareceu também um cometa que dardejava chamas com raios, e uma estrela em forma de espada que permaneceu um ano no mesmo lugar, tendo sempre a ponta voltada para a cidade. Estes sinais pressagiaram que deviam cair sobre Jerusalém graves e iminentes desastres. Com efeito, os romanos sob o mando sucessivo de Vespasiano e de Tito foram, sem saber, os instrumentos de que se valeu a ira de Deus para cumprir seus desígnios. A Nero, como já foi dito, sucedeu um imperador chamado Galba e a este, outro chamado Vitélio; ambos foram despojados do trono por seus próprios vícios e sua tirania, e se proclamou em seu lugar a um grande general chamado Vespasiano. Este amava a justiça, quanto podia amá-la um imperador idólatra, e era querido por todos por sua afabilidade e valor. O próprio Nero já o havia enviado para combater os judeus; porém quando o elegeram imperador, ele deixou seu filho sob os muros de Jerusalém para que continuasse a guerra, enquanto voltava à Roma.

Destruição de Jerusalém (Francesco Hayez)
Destruição de Jerusalém (Francesco Hayez)

Ainda viviam muitos dos que se achavam presentes à morte do Salvador, quando os exércitos romanos foram sitiar Jerusalém. Como o sítio começasse naqueles mesmos dias em que se achavam ali reunidos um grande número de judeus que tinham acudido de toda a Palestina e dos países limítrofes para celebrar as festas da Páscoa, aconteceu que achando-se aquela desgraçada cidade cheia de gente, de pronto começassem a faltar alimentos, chegando a tal extremo a fome que seus habitantes arrancavam-se uns aos outros das mãos as coisas mais imundas para não morrer. Houve mães que naquele estado de desespero, (coisa horrível!) chegaram a alimentar-se de seus próprios filhos. Tomada de assalto a cidade, foram mortos um milhão e cem mil judeus, e outros tantos foram reduzidos à escravidão. Estes como não fossem vendidos, por não haver compradores para tão grande número de escravos, foram em parte doados e outros mortos porque não havia quem os quisesse nem de graça. Destruídas em grande parte as casas e queimado o templo, todo o povo que se pode salvar da morte ou da escravidão dispersou-se pelas demais cidades; contudo a total dispersão dos judeus não se realizou até princípios do segundo século. O Papa São Lino pode ver os infelizes judeus escravizados por Tito, chegarem a Roma aos montões, par serem condenados a penosíssimos trabalhos, entre outros o de erigir um arco do triunfo a seu vencedor. Ainda vê-se presentemente o candelabro com sete braços, tirado do templo de Jerusalém e o magnífico anfiteatro chamado de Flávio Tito, cujas ruínas admiráveis ainda existem em Roma, e é conhecido sob o nome de Coliseu.

São Lino valeu-se deste terrível acontecimento para confirmar na fé os judeus, que se tinham convertido e para atrair a ela os menos obstinados no erro.

Trabalhos e martírio de São Lino

São Lino durante dez anos de seu pontificado, além do que trabalho na pregação e propagação do Evangelho, aplicou-se com zelo em combater os erros de Menandro, Corinto e seus sectários, declarando que não pertencia à Igreja de Jesus Cristo aquele que seguisse seus erros monstruosos.

Ainda que tenham sido aqueles tempos de muito fervor, havia alguns que iam à Igreja vestidos como para ir ao teatro; São Lino em vista disto, renovou o preceito de São Paulo, e estabeleceu que todos deviam ir à Igreja com modéstia, e as mulheres com a cabeça coberta. O zelo e doutrina deste Pontífice enchiam todos de admiração; o seu nome só, fazia emudecer os demônios, e com o sinal da Cruz curava frequentemente obstinadas enfermidades. Um homem que havia ocupado o consulado tinha uma filha perturbada pelo espírito maligno e outros males; recorreu ao nosso santo, e este a curou com o Sinal da Cruz; porém como os sacerdotes dos ídolos diziam que este milagre injuriava aos deuses, obrigaram ao tímido Saturnino, assim chamava-se o pai da menina, a condenar à morte o santo Pontífice. Este depois de ficar algum tempo no cárcere, foi decapitado a 23 de setembro do ano 80.

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