Explica-se literalmente a terceira palavra de Cristo na Cruz
A última sentença das três, que particularmente dizem respeito à caridade do próximo, foi aquela:Antes, porém de tratarmos dela, temos de explicar as palavras do Evangelista, que as precedem. Diz São João (Jo 19):"Eis aí a tua mãe, eis aí o teu filho"
Das três mulheres, que em grupo estavam junto da cruz do Senhor, duas são conhecidíssimas, Maria, sua Mãe, e Maria Madalena. A respeito de quem fosse Maria, mulher de Cléofas, não há certeza: geralmente, porém se diz que era irmã germana da Bem-aventurada Virgem, Mãe de Deus, filha de Ana, sua Mãe, que, dizem, também tivera uma terceira filha, chamada Maria Salomé, porém esta opinião não se pode admitir de modo nenhum, porque nem é crível, que três irmãs tivessem o mesmo nome, e tem fundamento o juízo de eruditos e pios, que dizem, que Santa Ana nenhuma filha mais tivera além da Virgem Maria, nem nos Evangelhos se faz menção de alguma Maria Salomé."Estava junto da cruz de Jesus sua Mãe, Maria mulher de Cléofas, e Maria Madalena: e vendo Jesus sua mãe, que estava em pé, e o seu discípulo predileto, diz para sua Mãe: Eis aí o teu filho, e depois diz para o discípulo: Eis aí tua Mãe; — e desde aquela hora o discípulo a tomou naquela conta"
Um terceiro fruto se poderá colher da mesma palavra do Senhor, advertindo-se, que três foram os Crucificados, no mesmo lugar e na mesma hora; um inocente, Cristo, outro penitente, o bom ladrão; o terceiro obstinado, o mau ladrão: ou, se antes quiserem assim, que foram três os crucificados ao mesmo tempo; Cristo, sempre e excelentemente santo; um ladrão, sempre e excessivamente mau; outro ladrão mau numa época da sua vida, e santo na outra. Disto podemos entender, que não há neste Mundo ninguém, que possa viver sem cruz; e que baldados são os esforços dos que confiam, que podem absolutamente escapar-se a ela; e, que sensatos são os que aceitam a sua cruz da mão do Senhor, e, que até o fim da vida a levam não só com paciência, mas até com gosto.
É outro fruto da mesma segunda palavra a o conhecimento do poder da graça de Deus, e da fraqueza da vontade humana, do qual poderemos aprender que nada há tão proveitoso como ter muita confiança no auxílio de Deus e desconfiar muito das próprias forças. Deseja saber qual é o poder da Sua divina graça? Põe os olhos no bom ladrão. Tinha ele sido um notável pecador, e neste malíssimo estado tinha permanecido até o suplício da Cruz, isto é, pouco menos do que até a morte; e, no perigo iminente de condenação eterna, não havia ao menos uma pessoa que o aconselhasse, ou o socorresse; pois, apesar de estar tão próximo do Salvador, contudo estava ouvindo os Pontífices e os Fariseus que afirmavam que Ele era um revolucionário, e um ambicioso, que pretendia assenhorear-se de um reino, que não era Seu; estava ouvindo ao outro ladrão, seu companheiro, os mesmos impropérios que ele dirigia a Cristo, não havia ninguém, que a favor de Cristo dissesse nenhuma palavra, e nem Ele mesmo refutava aquelas blasfêmias e injúrias, e, não obstante isto, quando aquele ladrão parecia de todo abandonado para a sua salvação, muito próximo das penas eternas, e o mais distante, que era possível, da eterna bem-aventurança, instantaneamente iluminado e convertido pela divina graça, confessa que Cristo é inocente, é Rei da vida futura, e, como pregador repreende o seu companheiro, exorta-o a penitência, e diante de todos se encomenda devota e humildemente a Cristo.
Da segunda palavra proferida na Cruz, podemos colher alguns frutos, e frutos excelentes. O primeiro é a consideração da imensa misericórdia, e liberalidade de Cristo; e quão agradável e proveitoso seja servi-lO. Cristo, macerado pelas dores, poderia não atender a súplica do ladrão, porém a Sua caridade antes quis esquecer-Se dos acerbíssimos tormentos, que estava sofrendo, do que deixar de prestar atenção àquele miserável pecador, que nEle confiava. O mesmo Senhor, nem uma só palavra proferiu aos insultos e injúrias dos sacerdotes e soldados, mas ao clamor daquele pobre penitente, que o confessava a sua caridade não pode ficar silenciosa. Às injúrias emudeceu ela, porque é sofredora; à confissão não, porque é benigna. Mas que diremos da liberalidade de Cristo? Os que servem os senhores deste Mundo, muitas vezes, não obstante, os muitos serviços que lhe prestam, pouco proveito tiram, pois não são poucos os que, todos os dias estamos vendo, voltarem para suas casas velhos e quase a pedir, depois de terem passado toda a sua vida nos palácios dos Príncipes. Cristo, Príncipe, verdadeiramente generoso e magnífico, nenhuns serviços recebeu deste ladrão senão algumas boas palavras e bons desejos de O servir, e eis aí como o remunerou.
O segundo fruto, e na verdade muito salutífero para quantos dele provarem, será aprendermos a perdoar facilmente as injúrias, e a fazermos assim de inimigos amigos. Para disto nos convencermos, deveria ser razão bastante o exemplo de Cristo e de Deus: pois se Cristo perdoou aos que O crucificaram, e pediu por eles, por que não há de fazê-lo o cristão? Se Deus, Criador, que podia, como Senhor e Juiz, castigar imediatamente os pecadores, espera que eles se arrependam, e os convida para a reconciliação, pronto a perdoar a quem Lhe ofendeu Sua Majestade; porque não há de perdoar a criatura? A isto se há de acrescentar que o perdão de uma injúria nunca fica sem grande prêmio. Na história da vida e morte de Santo Engelberto, Arcebispo de Colônia, se lê, que, tendo-o os seus inimigos assassinado numa jornada, e ele em seu coração dissesse: Meu Pai, perdoa-lhes, dele se revelara, que só por aquela sua rogativa, de que Deus sumamente se agradou, não só a sua alma foi imediatamente levada ao Céu pelos Anjos, mas até colocada entre os coros dos Mártires, recebeu a palma e coroa do martírio, e foi assinalada por muitos milagres (1).
Explicamos, qual seja a inteligência da primeira palavra, que Cristo proferiu na Cruz. Agora, meditando, faremos por colher daquela palavra alguns frutos, e estes preciosos, e de muita utilidade para nós e para todos. Primeiro que tudo desta primeira parte do sermão, que Cristo pregou na cadeira da Cruz, aprendemos que a Sua caridade é muito mais ardente, do que nós podemos conhecer, ou imaginar, e é por isto, que o Apóstolo escrevendo aos Efésios, lhe diz: