Homilia do Cardeal Robert Sarah
Para a Missa de encerramento da
36ª Peregrinação de Pentecostes à Chartres
Permitam-me em primeiro lugar dar as mais sinceras graças a Sua Excelência Dom Philippe Christory, Bispo de Chartres, por sua fraternal acolhida nesta maravilhosa Catedral.
Queridos peregrinos de Chartres,
“A luz veio ao mundo”, nos diz Jesus hoje no Evangelho (Jo 3,16-21), “e os homens preferiram a escuridão”.
Queridos peregrinos, e vocês escolheram a única luz que não engana: a de Deus? Caminharam por três dias, rezaram, cantaram, sofreram sob o sol e sob a chuva: Receberam a luz em seus corações? Realmente abandonaram a escuridão? Escolheram seguir o Caminho seguindo a Jesus, que é a Luz do mundo? Queridos amigos, permitam-me formular-lhes esta pergunta radical, porque se Deus não é nossa luz, tudo o mais se torna inútil. Sem Deus, tudo é escuridão!
Deus veio a nós, se fez homem. Revelou-nos a única verdade que salva, morreu para redimir-nos do pecado, e em Pentecostes nos deu o Espírito Santo, nos deu a luz da fé… mas preferimos a escuridão!
Olhemos ao nosso redor! A sociedade ocidental escolheu estabelecer-se sem Deus. Somos testemunhas de como agora se entrega às chamas e enganadoras luzes da sociedade de consumo, para obter ganâncias a todo custa, desde um individualismo frenético.
Um mundo sem Deus é um mundo de escuridão, de mentiras e de egoísmo!
Sem a luz de Deus, a sociedade ocidental anda como um ébrio na noite! Não tem suficiente amor para acolher às crianças, protegê-las desde o útero de sua mãe, nem protegê-las da agressão da pornografia.
Privada da luz de Deus, a sociedade ocidental já não sabe como respeitar a seus anciãos, acompanhar até a morte a seus enfermos, dar lugar para os mais pobres e os mais débeis.
A sociedade está abandonada à escuridão do medo, a tristeza e o isolamento. Não tem nada para oferecer a não ser vazio e o nada. E permite a proliferação das ideologias mais loucas.
Uma sociedade ocidental sem Deus pode converter-se no berço de um terrorismo ético e moral mais virulento e mais destrutivo que o terrorismo islâmico. Recordem que Jesus nos disse:
“E não temais aos que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei mais aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno” (Mt 10, 28)
Queridos amigos, perdoem-me estas afirmações. Mas é preciso ser claro e realista.
Se lhes falo desta maneira, é porque, em meu coração sacerdotal e pastoral, sinto compaixão por tantas almas birrentas, perdidas, tristes, preocupadas e solitárias. Quem nos levará à luz? Quem lhes mostrará o caminho à verdade, o único caminho verdadeiro de liberdade que é o da Cruz? Vamos permitir que as almas sejam entregues ao erro, ao niilismo sem esperança, ou ao islamismo agressivo?
Devemos proclamar ao mundo que nossa esperança tem um nome: Jesus Cristo, o único Salvador do mundo e da humanidade! Já não podemos ficar em silencio!
Queridos peregrinos de França, olhem esta catedral! Seus antepassados a construíram para proclamar sua fé! Tudo, em sua arquitetura, sua escultura, suas janelas, proclamam a alegria de ser salvo e amado por Deus. Seus antepassados não foram perfeitos, não careceram de pecados. Porém, queriam deixar que a luz da fé iluminara sua escuridão!
Hoje, tu também, Povo de França, desperta! Escolhe a luz! Renuncia à escuridão!
Como pode fazer isto? O Evangelho nos diz:
“O que age segundo a verdade sai à luz”
Deixemos que a luz do Espírito Santo ilumine nossa vida de maneira concreta, inclusive nas partes mais íntimas de nosso ser mais profundo. Agir de acordo com a verdade é primeiro colocar a Deus no centro de nossas vidas, já que a Cruz é o centro desta catedral.
Meus irmãos, escolham ir a Deus todos os dias! Neste momento, comprometam-se a guardar uns minutos de silêncio todos os dias para dirigir-se a Deus e dizei-lhe:
“Senhor, reinai em mim! Oferto-vos toda minha vida!”
Queridos peregrinos, sem silêncio, não há luz. A escuridão se alimenta do ruído incessante deste mundo, o que nos impede nos voltarmos a Deus.
Tomem o exemplo da Liturgia da Missa hoje. Leva-nos à adoração, ao temor filial e ao amor na presença da grandeza de Deus. Culmina na Consagração onde juntos, de frente para o altar, nosso olhar dirigido ao anfitrião, à Cruz, nos comunicamos em silêncio no recolhimento e em adoração.
Queridos amigos, amemos estas liturgias que nos permitem saborear a presença silenciosa e transcendente de Deus e voltar-nos para o Senhor.
Queridos irmãos sacerdotes, quero dirigir-me a vocês especificamente. O Santo Sacrifício da Missa é o lugar onde encontrarão a luz para seu ministério. O mundo em que vivemos nos exige constantemente. Estamos constantemente em movimento, sem ter cuidado de deter-nos tomarmos o tempo para ir a um lugar deserto para descansar um pouco, em soledade e silêncio, na companhia do Senhor. Existe o perigo de que nos consideremos como “assistentes sociais”. Então, não trazemos a Luz de Deus ao mundo, a não ser nossa própria luz, que não é o que os homens esperam de nós. O que o mundo espera do sacerdote é Deus e a luz de sua Palavra proclamada sem ambiguidade nem falsificação.
Deixemos-nos saber como ir a Deus numa celebração litúrgica, cheia de respeito, silêncio e santidade. Não inventem nada na Liturgia. Recebamos tudo de Deus e da Igreja. Não busquemos espetáculo ou êxito. A Liturgia nos ensina: Ser sacerdote não é, sobretudo, fazer muitas coisas. É estar com o Senhor, na Cruz! A Liturgia é o lugar onde o homem se encontra com Deus cara a cara. A Liturgia é o momento mais sublime quando Deus nos ensina a “conformar-nos à imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8, 29). A Liturgia não é e não deve ser motivo de dor, luta ou conflito. Na Forma Ordinária, igualmente na Forma Extraordinária do Rito Romano, o essencial é voltar-se para a Cruz, para Cristo, nosso Oriente, nosso Tudo e nosso único Horizonte.
Queridos companheiros sacerdotes, mantenham sempre esta certeza: estar com Cristo na Cruz é o que o celibato sacerdotal proclama ao mundo! O plano, novamente proposto por alguns, de separar o celibato do sacerdócio ao conferir o sacramento da Ordem aos homens casados (“viri probati”) por, dizem, “razões ou necessidades pastorais”, teria sérias consequências, de fato, para romper definitivamente com a Tradição Apostólica. Gostaríamos de fabricar um sacerdócio de acordo com a nossa dimensão humana, mas sem perpetuar, sem estender o sacerdócio de Cristo, obediente, pobre e casto. De fato, o sacerdote não é só um “alter Christus”, mas sim verdadeiramente “ipse Christus”, ele é o próprio Cristo! E é por isso que, seguindo a Cristo e a Igreja, o sacerdote sempre será um sinal de contradição! A vocês, queridos cristãos, leigos comprometidos com a vida da cidade, quero dizer com força: Não tenham medo! Não tenham medo de trazer a luz de Cristo a este mundo!
Teu primeiro testemunho deve ser teu próprio exemplo: atue de acordo com a Verdade! Em sua família, em sua profissão, em suas relações sociais, econômicas, políticas, que Cristo seja sua Luz! Não tenhas medo de testemunhar que tua alegria provem de Cristo!
Por favor, não escondam a fonte de sua esperança! Pelo contrário, proclame-o! Testemunhe-o! Evangelize! A Igreja necessita disso! Lembre-se que só “o Cristo crucificado revela o verdadeiro significado da liberdade” (Veritatis Splendor 85) e libera a liberdade que está hoje encadeada por falsos direitos humanos, todo orientado para a autodestruição do homem!
Para vocês, queridos pais, quero enviar uma mensagem especial. Ser pai e mãe no mundo de hoje é uma aventura cheia de sofrimento, obstáculos e preocupações. A Igreja lhes diz: “Obrigado!” Sim, obrigado pela generosa entrega de si mesmo! Tenham a coragem de criar a seus filhos à luz de Cristo. Às vezes terão que lutar contra o vento dominante e suportar o escárnio e o desprezo do mundo. Porém, não estamos aqui para agradar ao mundo!
“Proclamamos um Cristo crucificado, um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios” (1Cor 1, 23-24)
Não temam! Não se rendam! A Igreja, através da voz dos Papas, especialmente desde a encíclica Humanae Vitae, lhes confia uma missão profética: testemunhar ante todos sobre nossa confiança alegre em Deus, quem nos fez guardiões inteligentes da ordem natural.
Queridos pais e mães, a Igreja os ama! Amem a Igreja! Ela é sua mãe. Não se unam aos que riem dela, porque só veem as rugas de seu rosto envelhecido por séculos de sofrimento e dificuldades. Ainda hoje, ela é formosa e irradia santidade.
Finalmente, quero dirigir-me a vocês, jovens que são numerosos aqui!
Entretanto, peço primeiro que escutem a um “ancião” que tem mais autoridade que eu. Este é o evangelista São João. Além do exemplo de sua vida, São João também deixou uma mensagem e escreveu aos jovens. Em sua Primeira Carta, lemos estas comovedoras palavras de um ancião aos jovens das igrejas que ele havia fundado. Escutem sua voz cheia de vigor, sabedoria e aconchego:
“Escrevo-lhe, jovens, porque vocês são fortes, e a palavra de Deus permanece em vocês, e vocês venceram ao maligno. Não amem ao mundo nem às coisas do mundo” (1Jo 2, 14-15)
O mundo que não devemos amar, como o Padre Raniero Cantalamessa comentou em sua homilia da Sexta-feira Santa de 2018, não é, como todos sabemos, o mundo criado e amado por Deus, não são as pessoas do mundo a quem, pelo contrário, devemos acudir sempre, especialmente os pobres e os pobres dos pobres, para amá-los e servi-los humildemente… Não! O mundo que não devemos amar é outro mundo; é o mundo tal como se converteu sob o governo de Satanás e o pecado. O mundo das ideologias que negam a natureza humana e destroem a família… As estruturas da ONU, que impõem uma nova ética global, tem um papel decisivo e se converteram hoje num poder esmagador, difundindo-se através das possibilidades ilimitadas da tecnologia. Em muitos países ocidentais, hoje em dia é um crime negar-se a submeter-se a estas horríveis ideologias. Isto é o que chamamos adaptação ao espírito dos tempos, conformismo. Um grande crente britânico e poeta do século passado, Thomas Stearns Eliot escreveu alguns versos que dizem mais que livros inteiros:
“Num mundo de fugitivos, a pessoa que tome a direção oposta parecerá fugir”
Queridos jovens cristãos, se é permitido que um “ancião”, como São João, lhes fale diretamente, também eu lhes exorto, e lhes digo, vocês venceram ao Maligno! Lutem contra qualquer lei contra a natureza que se lhes imponha, e que oponha qualquer norma contra a vida, contra a família. Sejam daqueles que tomam a direção oposta! Atrevam-se a ir contra! Para nós, cristãos, a direção oposta não é um lugar, é uma Pessoa, é Jesus Cristo, nosso Amigo e nosso Redentor. Uma tarefa lhes é especialmente encomendada: salvar o amor humano da deriva trágica em que caiu: o amor, que já não é mais a oferta de si mesmo, mas apenas a possessão do outro, uma posse muitas vezes violentamente tirânica. Na Cruz, Deus se revelou a si mesmo como “ágape”, isto é, como um amor que se entrega à morte. Amar de verdade é morrer pelo outro.
Queridos jovens, muitas vezes, sem dúvidas, sofrem em sua alma a luta da escuridão e a luz. Às vezes se sentem seduzidos pelos prazeres fáceis do mundo. Com todo meu coração de sacerdote, lhes digo: não duvidem! Jesus lhes dará tudo! Seguindo-o para ser Santos, não perderão nada! Ganharão a única alegria que nunca decepciona!
Queridos jovens, se hoje Cristo vos chama para segui-lo como sacerdotes, como religiosos, não duvidem! Digam a Ele: “fiat”, um sim entusiasta e incondicional!
Deus quer que o necessitem, que graça! Que alegria! O Ocidente foi evangelizado pelos Santos e pelos Mártires. Vocês, jovens de hoje, serão os santos e os mártires que as nações estão esperando numa Nova Evangelização! Suas pátrias estão sedentas de Cristo! Não as decepcionem! A Igreja confia em vocês!
Rezo para que muitos de vocês respondam hoje, durante esta Missa, à chamada de Deus para segui-lo, deixá-lo todo por ele, por sua luz. Queridos jovens, não tenham medo. Deus é o único amigo que nunca lhes decepcionará! Quando Deus chama, é radical. Significa que vai todo o caminho até a raiz. Queridos amigos, não estamos chamados a ser cristãos medíocres! Não, Deus nos chama a todos à entrega total, ao martírio do corpo ou do coração!
Queridos habitantes de França, foram os mosteiros que fizeram a civilização de seu país! Foram homens e mulheres que aceitaram seguir a Jesus até o final, radicalmente, os que construíram a Europa cristã. Isso foi devido à sua busca somente de Deus, construíram uma civilização formosa e pacífica, como esta catedral.
Gente de França, povos do Ocidente, encontrarão a paz e a alegria somente buscando a Deus! Voltem à Fonte! Voltem aos mosteiros! Sim, todos vocês, atrevam-se a passar uns dias num mosteiro! Neste mundo de tumulto, fealdade e tristeza, os mosteiros são oásis de beleza e alegria. Experimentarão que é possível por concretamente a Deus no centro de toda sua vida. Experimentarão a única alegria que não passa.
Queridos peregrinos, abandonemos a escuridão. Escolham a luz! Peçamos à Santíssima Virgem Maria saber dizer “fiat”, isto é, sim, plenamente, como ela, para receber a luz do Espírito Santo como Ela o fez…
…peçamos a Nossa Santíssima Mãe ter um coração como o seu, um coração que não lhe nega nada a Deus, um coração ardente com amor pela glória de Deus, um coração ardente para anunciar aos homens a Boa Nova, um coração generoso, um coração tão abundante como o coração de Maria, tão abundante como o da Igreja, e tão rico como o do Coração de Jesus! Que assim seja!
(Fonte: Apostolado FERR)