Por Dom Henrique Soares da Costa
Caro Amigo, estamos na semana final do Tempo da Páscoa. Esta semana litúrgica é caracterizada pela intensa preparação para a solenidade de Pentecostes. Aqui vai – com meus comentários – uma belíssima Catequese de São Cirilo de Jerusalém, bispo do século IV; dizem-se coisas sublimes sobre o Espírito Santo.
“A água que Eu lhe der se tornará nele fonte de água viva que jorra para a Vida eterna” (Jo 4,14). Água diferente, esta que vive e jorra; mas jorra apenas sobre os que são dignos dela.
Observação de Dom Henrique Soares da Costa: São Cirilo acerta em cheio ao citar esta passagem como referindo-se ao Espírito Santo. Trata-se do encontro de Jesus com a samaritana. Ela viera buscar água no poço de Jacó. Jesus é o verdadeiro poço: quem beber da água que Ele vai dar nunca mais terá sede, mas viverá para sempre, pois esta água é Vida eterna. Ora, tal água é o Espírito Santo. Isto aparece claramente no mesmo Evangelho de João: “No último dia da festa, o mais solene, Jesus, de pé, disse em alta voz: ‘Se alguém tem sede, que ele venha a Mim e que ele beba, aquele que crê em mim! Conforme a palavra da Escritura: De Seu seio, jorrarão rios de água viva’. Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido Nele; pois não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7,37-39). Do seio de Jesus morto e ressuscitado brotará perenemente para a Igreja o Espírito, que é a própria Vida que agora o Ressuscitado tem em plenitude e partilha conosco.
Por que motivo o Senhor dá o nome de “água” à graça do Espírito Santo? Certamente porque tudo tem necessidade de água; ela sustenta as ervas e os animais.
Observação de Dom Henrique Soares da Costa: Na Sagrada Escritura o Espírito é sempre associado a elementos que não têm um formato próprio, mas tomam a forma do recipiente que os contêm: água, nuvem, fogo, ar, perfume, óleo, vinho… E a imagem da pomba? Só aparece no batismo do Jordão e está associada ao óleo: como no Dilúvio, quando Noé saiu das águas e ali havia uma pomba que trazia no bico um ramo de oliveira – da qual se faz o óleo da unção, assim também Jesus, o homem novo, princípio da nova humanidade, ao sair das águas, é ungido com o “óleo” que é o Espírito Santo. Aquela pomba recorda precisamente o óleo da unção! O Espírito é simbolizado pela água porque vivifica como esta, é misterioso e esconde-Se nas nossas ações e decisões, como a água que não tem forma e adapta-se ao recipiente.
A água das chuvas cai dos céus; e embora caia sempre do mesmo modo e na mesma forma, produz efeitos muito variados. De fato, o efeito que produz na palmeira não é o mesmo que produz na videira; e assim em todas as coisas, apesar de sua natureza ser sempre a mesma e não poder ser diferente de si própria. Na verdade, a chuva não se modifica a si mesma em qualquer das suas manifestações. Contudo, ao cair sobre a terra, acomoda-se às estruturas dos seres que a recebem, dando a cada um deles o que necessita.
Observação de Dom Henrique Soares da Costa: Aqui o santo Bispo explicita o que já mencionei na observação acima. É muito importante esta ideia: o Espírito não tem forma; esconde-Se por trás de nossas decisões e ações. Sua atividade é múltipla, deixando efeitos diversos, dons diversos, carismas diversos. Pense-se nos sacramentos; em todos eles recebemos o Espírito Santo; mas em cada um o efeito é diverso:
no Batismo é Espírito de vida,
na Crisma é Espírito de força,
na Eucaristia é Espírito feito Amor oblativo,
no Matrimônio é Amor esponsal,
na Penitência é dado para a remissão dos pecados,
na Ordem é Espírito que configura a Cristo Cabeça
e na Unção dos Enfermos é Espírito de consolo que nos une aos sofrimentos de Cristo.
É assim que o Espírito age na Igreja: sempre misterioso, sempre escondendo-Se em mil formas e de mil modos.
Se a imagem do Pai é o Filho, se Quem testemunha o Filho é o Espírito, este último, no entanto, não tem rosto, mas esconde-Se nos milhões de rostos dos cristãos, que O receberam no Batismo.
Com o Espírito Santo acontece o mesmo. Sendo único, com uma única maneira de ser e indivisível, distribui a graça a cada um conforme Lhe apraz. E assim como a árvore ressequida, ao receber água, produz novos rebentos, assim também a alma pecadora, ao receber do Espírito Santo o dom do arrependimento, produz frutos de justiça.
Observação de Dom Henrique Soares da Costa: Aqui, São Cirilo chama atenção para uma atividade específica do Espírito: a remissão dos pecados. Mas não está pensando primeiramente no sacramento da Penitência e sim no Batismo. Aquele que vive no pecado, ao receber o Batismo no Espírito Santo – lembre que a água batismal é símbolo do Espírito! – recebe o perdão dos pecados, tornando-se templo do Espírito e, portanto, uma nova criatura. Por isso mesmo, é capaz de produzir os frutos das boas obras que têm mérito para o Reino de Deus. Lutero estava totalmente errado quando pensava que o cristão não pode realizar obras meritórias! As obras da Lei de Moisés não são meritórias em vista do Reino dos Céus, mas as obras realizadas pelo homem renovado no Espírito de Jesus dão fruto de Vida eterna!.
O Espírito tem um só e o mesmo modo de ser; mas, por vontade de Deus e pelos méritos de Cristo, produz efeitos diversos. Serve-Se da língua de uns para comunicar o dom da sabedoria; ilumina a inteligência de outros com o dom da profecia. A este dá o poder de expulsar os demônios; àquele concede o dom de interpretar as Sagradas Escrituras. A uns fortalece na temperança, a outros ensina a misericórdia; a estes inspira a prática do jejum e como suportar as austeridades da vida ascética; e àqueles o domínio das tendências carnais; a outros ainda prepara para o martírio. Enfim, manifesta-Se de modo diferente em cada um, mas permanece sempre igual a Si mesmo, como está escrito: A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (1Cor 12,5).
Observação de Dom Henrique Soares da Costa: É importante notar como toda a diversidade de operação do Espírito dá-se em vista da edificação do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Não existe uma ação do Espírito que divida a Igreja ou que leve à heresia, ou que seja independente de Jesus Cristo. Tudo quanto o Espírito faz leva a Cristo e é para dar testemunho de Cristo! Atualmente, há um engano por parte de alguns teólogos, que pensam numa ação do Espírito desconectada do Cristo. Jesus seria importante só para o cristianismo; as outras religiões teriam o mesmo valor do cristianismo porque são fruto da ação do Espírito. Esta ideia é equivocada e, sejamos francos, herética! O Espírito não faz outra coisa a não ser agir para nos levar a Jesus e dele dar testemunho. Como diz São Paulo, ninguém, tendo o Espírito, diz “Anátema seja Jesus” e ninguém diz “Jesus é Senhor” a não ser no Espírito Santo..
Branda e suave é a Sua aproximação; benigna e agradável é a Sua presença; levíssimo é o Seu jugo! A Sua chegada é precedida por esplêndidos raios de luz e ciência. Ele vem com o amor entranhado de um irmão mais velho: vem para salvar, curar, ensinar, aconselhar, fortalecer, consolar, iluminar a alma de quem o recebe, e, depois, por meio desse, a alma dos outros.
Quem se encontra nas trevas, ao nascer do sol recebe nos olhos a sua luz, começando a enxergar claramente coisas que até então não via. Assim também, aquele que se tornou digno do Espírito Santo, recebe na alma a sua luz e, elevado acima da inteligência humana, começa a ver o que antes ignorava.
Observação de Dom Henrique Soares da Costa: Outra idéia preciosa! Somente no Espírito podemos crer, podemos compreender, podemos ter os sentimentos do Cristo Jesus! São Paulo dizia: “Falamos de coisas espirituais a pessoas espirituais!” Somente os que são iluminados pelo Espírito podem compreender os mistérios de Deus, revelados no Espírito. Não é de admirar que o mundo não compreenda a beleza, a verdade e as exigências do Evangelho de Cristo! O homem carnal – imerso no pecado – e o homem psíquico – somente no nível da racionalidade – são incapazes de compreender o mistério de Deus – sobretudo porque este mistério se revela na loucura da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo!.